quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Os Discos Voadores

Eles não estavam no céu, mas vi um. Uma vez na infância. Estava brincando de pique com os guris e ele fez a curva lá no céu escuro, foi o único que vi, corri até a esquina e não o avistei mais, passei por mentiroso, mas que eu vi, eu vi.

Agora estou com uns aqui nas mãos analisando a textura, arte gráfica, encartes, veja só este aqui custava 2.190,00 cruzeiros, este outro avisa que também está disponível em cassete, este está quase perdendo a capa, olha este pedindo desculpas, pois repetiu a mesma faixa duas vezes e sugere substituição. Você que nasceu antes da década de oitenta, já sabe do que eu estou falando; Dos discos de vinil, do conservador e tradicional Long play o LP.

Foram neles que ouvi minhas primeiras canções. Ia com a Mãe lá na Mesbla do centro de vitória, que hoje anda sem chinelos. Era uma ação lúdica ver aquele monte de capas de discos, tornava-se quase uma exposição de arte. E para ouvir? Com o maior cuidado para não arranharem e com o máximo de sinergismo nas agulhas, por favor. Tirava-se dos plásticos e prontamente exalava aquele cheiro de novo, de coisa nova, de novidade. E aqueles estalos! Igual pipoca estourando, antes da primeira faixa? Deixava-nos ansiosos pelos primeiros acordes, será que seria a bateria, o baixo, um teclado ou o vocal mesmo? Comprava-se um e todo mundo já sabia o que você ouvia, não tinha como esconder um objeto de 30 por 30 centímetros. Tinha o processo arquitetônico de fazer o lado “A” conceitualmente diferente do “B”, ou colocar os Hits no “A” e as mais alternativas no “B” e várias outras vantagens para os que valorizam o passado, assim como eu.

A maioria das pessoas foram se desfazendo deles, dos aparelhos, sem olhar para trás. Antes que fosse tarde comecei a gritar aos quatro cantos e minhas sempre generosas tias, sabendo do meu apelo, ouviram e me deram os seus sem uma ponta de ressentimento (pelo menos aparente) o que me deixou com menos remorso, mas pelos menos elas sabem (ou acho que sabem) que estou cuidando da história, de nossas histórias, de suas histórias. alguém tem que fazer isto? O primeiro, da Gogóia já está recuperado, tinha uma colônia centenária de formigas no seu motor o outro da Terezinha ainda precisa de “umas borrachinhas” que estavam ressecadas, que só devem ter lá na capital. Ganhei discos dos tios, dos amigos lá das Gerais (mineiro já é mão aberta, parente então), peguei aqueles que estavam lá em vitória, que ficavam sempre com o Chico Buarque na frente me olhando com seus olhos claros e os trouxe todos para aqui, lá no porão, já sem as baratas, junto com a piscina de desmontar, a bateria, os brinquedos de criança ainda nas caixas, o violão, atabaques, casaca, zarabatana, sob os olhares atentos de uma índia Karajá, quadro pintado por Idjahuri Karajá lá da ilha do bananal.

Sentei e comecei a descascar e a emendar fios, minha companheira cadela ximbinha ia comendo os pedaços que caiam no chão igual a chicletes, não deixando sujeira aparente. Olhei atrás do aparelho e olha que beleza, apenas quatro orifícios para serem conectados, assim fica fácil, não precisa ligar para ninguém com dúvidas, apertei o power e ele começou a rodar lentamente, deu para ouvir o seu esforço nas caixas. Abri o primeiro e com vontade de espirrar, a “garganta diferente” e com os olhos já avermelhados pelas colônias de ácaros, que também faziam suas história ali naqueles discos. Ouvi os primeiros acordes de “Homeward bound” de Simon e Garfunkel e deixei chegar até o refrão por duas vezes, pronto já havia recuperado algo perdido, algo esquecido, mais uma responsabilidade para meu Otto tocar em frente. Abri outro “A burguesia fede/A burguesia que ficar rica/ E enquanto houver burguesia/ não vai haver poesia” Cazuza disparando seus rojões na sociedade antes de partir. Ouvi Egberto Gismonti, Nélson do Cavaquinho e “kátia flávia” de Fausto Fawcett e os robôs efêmeros, que estava na trilha da novela “O Outro” de 1987, com a Luma de Oliveira exibindo o seu corpinho escultural com uma roupinha de ginástica bem calhiente na capa.

A festa já está pronta. Aguardo os convidados!

Uma ode aos discos de Vinil
Uma ode ao futuro
Uma ode a minha alergia novamente!


Gilberto Granato

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