domingo, 27 de dezembro de 2009

Retrospectiva 2009

Relembra aí meu leitor. O que aconteceu de marcante neste ano? Será que foi a crise financeira mundial que começou lá nas terras do Obama, primeiro presidente negro Yankee? A gripe suína e sua interrogação? As falcatruas do senado e do governo de Brasília? A morte do rei do pop Michael Jackson? Aquele golaço do Diego Souza do palmeiras de primeira no meio de campo? O início, meio e fim do complexo de inferioridade com as olimpíadas do Rio 2016? A cantora da jovem guarda Vanusa cantando de forma anti-patriótica o hino nacional? A reação épica do Fluminense que já tinha 99% de chances de rebaixamento? Não lembra mais nada não? Deu blecaute? Pois é deu também.

Na verdade, o fato marcante do ano aconteceu aqui em casa. E agora te conto. Foi bem na casinha de pássaros feita de galhos de café que comprei lá em Linhares, que fica no quintal, de onde sempre esperei a hospedagem de algum passarinho qualquer. Mas que nunca foi efetuada realmente. Provavelmente porque é um local de risco. Pois aqui tem um gato predador, uma cadela esbaforida e nós, que inventamos a gaiola. Seria difícil algum voador desabrigado querer passar por tantos riscos, sendo que não lhes faltam telhas ocas por aí para um ninho. Tanto que fiz uma reforma de expansão para colocar canjica e água, e assim pelo menos, poder observá-los todos os dias.

No fim de ano, já notei que é a época em que os canários vão procurar um abrigo para colocar seus ovos. Então é normal que a canjica que coloco todos os dias, seja menos apreciada neste período, já que eles têm mais o que fazer; E nem filhote de canário e nem eu comem a derivada do milho. Mas tudo bem, tem as rolinhas mal educadas, que comem por elas, por eles e por mim. Mas estranhamente, notei que até mesmo elas estavam sumidas, ainda sei pouco sobre a vida delas, só sei que são parentes dos pombos, mas desvaneceram-se. Será que era o fim da minha casinha de pássaros? Que nada. Foi quando notei que um casal de canários diariamente levava fios e mais fios para dentro do buraco. Devem ter inteligentemente passado anos estudando o nosso comportamento, para só agora resolverem prospera ali. Passavam o dia todo a espantar outros pássaros e a buscar gravetos e palhas. Tinham a canjica e água toda deles. Que fiz questão de só colocar, nos raros momentos em que não estivessem por ali, a fim de não incomodá-los, tive medo que mudassem de idéia. Mantive o gato bem alimentado, a cadela na coleira, e minha curiosidade de lado, pois seria a prova de que onde moro é um lugar seguro, confiável, cosmopolita meu leitor.

Não demorou muito, e percebi que só ficava a fêmea de tonalidade mais escura a noite sozinha no ninho. Era óbvio, já devia ter colocado os ovos, estava chocando. Só aí, em um momento oportuno, fui dar uma espiada pelo buraco e dei de bico com três ovos, que beleza! Mais um tempo e notei que ela não vinha mais à noite, mais uma espiada e... Lá estavam três filhotes de olhos bem fechados. Os pais atenciosos passavam o dia a caçar e a trazer insetos para saciar a fome de existência deles. Foram ficando grandes, os gritos por comida mais altivos, o gato começou a sacar que ali teria um fast-food, a cadela algo para seu amadorismo e eu prevendo um fim trágico. Seriam presas simples no primeiro assomo. Que nada. Dia destes notei que um dos pequenos canários saia de sua toca e olhava o céu. Aproximei-me. Era chegada a hora da doce partida, um breve vôo e uma aterrissagem segura no mato sob a supervisão cuidadosa dos pais e pronto, não interferi, o gato também não, de barriga cheia e sem o risco dos churrasqueiros de esquinas, dormia, a cadela sem o perigo da carrocinha, só espiava. Fui observar se os outros ainda estavam lá dentro e só aí percebi que estava presenciando a partida do último dos irmãos. O fim do ciclo. Agora posso dizer que a partir deste ano...

Minha casa também é dos pássaros.

Feliz 2010!



Gilberto Granato, já teve periquitos.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Ivete sanghalo

Recordei meu leitor. Recordei. Do dia em que estava em uma festa, que já transcendia a noite que lhe é peculiar. Era estudante deste meu primeiro ofício. Devia estar com aquela expressão de quem troca as férias nas montanhas frias, pelo carnaval nas ruas de Olinda. E como bom folião, estava à procura de uma fêmea que me completasse, não por completo como as consortes, mas que resolvesse a situação por hora e sem pagar, pois o dinheiro era curto! Nunca fui de avançar no sexo oposto. Sempre esperei a hora certa. Que quase sempre era a errada. A fêmea se cansava, ia embora por causa da carona, ou só pra me ver arrependido atendia aos apelos de algum rival qualquer. Sempre foi assim, primeiro vinham os amigos, depois as “amigas”...

Neste dia fui premiado. Coisa que não acontece todo dia, como todo apostador sabe. Na minha escola tinha uma menina, ou melhor, mulher, mulherão! E que mulherão! Tinha semelhanças físicas com a cantora aí do título, mas tirando a fama de lado, era superior em qualquer quesito da beleza coloquial. Alta, cabelos morenos, pernas torneadas, os amigos a chamavam nos bastidores carinhosamente de “cavala”, pois é, uma cavalona! Bundona, seios fartos e intumescidos, que abrigavam os sonhos de milhões. Boca carnuda, cílios avantajados, um templo da perdição, um maracanã lotado, uma pororoca estrondosa que fazia barulho em qualquer canto que chegasse. Inatingível!... Era destas difíceis, difícil mesmo! E que tinha um defeito, a sua preferência amorosa. Geralmente por nanicos de cabelinho cortado toda semana, que andavam em carros da moda rebaixado, metido a brigões, que ficavam de vigília e com os pais dando condições para um ótimo presente depois de uma briguinha boba.

Mas sempre achei nesta vida, que mulher gosta mesmo são dos homens que são homens, ou como já disse em outra crônica do “omi que é omi”, que fica com a barba grande, que toma todas com os amigos e se esquece delas, que é capaz de surpreendê-las com algo que elas nunca esperariam, sem precisar usar o cartão de crédito. E que as façam sair da rotina de vez em quando, bem diferente, destes que tem por aí... Mulher gosta mesmo é do Paraguaio Legítimo! Pronto é esta a definição, Paraguaio Legítimo. Mas voltando ao desfecho da história. Meus olhos bateram certinho com os da Ivete, até aí tudo bem, o pior foi que os dela brilharam no meu, meu leitor. Sinal verde, coração acelerado, tambores em ação! Era o dia do triunfo, a maior volta ao mundo já dada, o golaço no ângulo na prorrogação. Fui até sua direção, tava tudo certo, alvará, passaporte, saco de dormir. Não precisaria nem falar nada, que nem cinema mudo, era só chegar e beijar a mocinha cavalona e seus lábios carnudos. Mas aí apareceu o vilão... O nanico que de longe vigiava a tudo. Era o “ex” dela, ferido, chorando, rastejando, com as asas quebradas. Acabou o clima. Ficou para uma próxima reencarnação.

Voltei para beber com os amigos.

Poderia estar ferido, rastejando, com as asas quebradas por aí...

Foi um bom resultado.



Gilberto Granato

domingo, 13 de dezembro de 2009

Omi que é omi (continuación)

Tem crônica que vem até você. Aparece igual aquelas assombrações do passado na fila de hortifruti ou no check in do avião. Estou ouvindo os chamados desesperados e indecifráveis em duas sílabas. A primeira era a tônica, que dava pra entender o Á..., a segunda esforcei-me, mas era impossível. Podia ser Dario, Mario, Malcom... Sei lá, não importa (vai que o vizinho é meu leitor). Só sei que os chamados foram se tornado mais avigorarados, insistentes, chegando ao melodrama. Sem ver, percebi que se anunciava um roteiro trágico da vida entre os sexos.

Os berros agora deixavam as duas sílabas bem tônicas e se tornavam mais freqüentes. A moça estava prestes a ter um “piti”, teria que fazer alguma coisa e logo. O tal sujeito meu vizinho de duas sílabas, fingia que não era com ele. Estava no seu quintal ouvindo música caipira (que mais tarde estranhamente viraria racionais). Lembrei do caso do “Pedro me dá meu chip!” que fez sucesso recentemente na internet, pensei em pegar uma câmera, mas vendo que a consorte já preparava uma ação instintiva, adiantei-me e fui até a rua ver o que era. Ao chegar encontro uma bela moçoila, morena, magra, com as “coisas em ordem”. Devia ter passado a pouco pelos ritos de passagem da juventude. E vendo sua aflição dei a pior sugestão possível que alguém sã poderia dar: Pula o muro! Ela espantada retrucou-me: Não posso, tem cachorro. Eu mais estupidamente ainda falei que o som lá atrás estava alto, porisso não devia ouvir os seus sussurros (com eufemismo, por favor). Pronto, pra que. A pequena se pôs a chorar. Chorar lágrimas e mais lágrimas da inocência e obviamente confidenciou-me: Ele não quer falar comigo! Calei-me. Já tinha ido longe demais com a minha psicologia tapa buracos.

Fui à rua comprar duas cervejas pra mim e angu com molho para o meu passarinho que dormia. Na volta, lá sentadinha, ainda se encontrava a pequena Potira. Agora mudando a tática, quietinha igual felina esperando para dar o bote. Omi que é omi da espécie solteiro, numa ocasião dessas chamaria a pequena para um “chazinho” e daria uns bons conselhos tapa buracos. Mas omi que é omi tipo eu, corre em direção ao controle remoto, seu porto seguro.

Um tempo passou e molhando as plantas ressequidas pelo “El nino”. Notei que Ximbinha insistentemente latia, fui averiguar e surpreendentemente vi a bela mulatinha descendo a ladeira. Só lhe faltavam os saltos altos e a purpurina, para explodir o repique e abrir um belo desfile de samba. Descia conformada, ou talvez pensando em algo mais maquiavélico para mais tarde. Fitou-me e educadamente pediu desculpas bem assim: Desculpa moço! Meiguice da fase. E foi embora como se nunca tivesse chorado ou se decepcionado com uma paixão desproporcional. Pois mal sabia ela que as rugas e as dores do amor ainda estariam por vir... Pois sabe como é...

Tem coisa que “Omi que é omi” não muda muito não.



Gilberto Granato.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Omi que é Omi

Pegando carona no Veríssimo. Resolvi fazer uma reciclagem do “Omi”. Não que eu seja um renascentista, estudioso no assunto ou boiola (nada contra eles). Mas foi a única idéia que me veio. O mini-tratado não é sobre aquele macho de bigode, que não trocava as cuecas, fazia sexo no escuro e depois só pegava os filhos no colo depois dos seis meses. Falo do “omi” deste século, que mudou, menos que o clima, mas mudou. Anda por aí de sandália, peito raspado e orelha furada, opa! Peraí, este de orelha furada, se não for cantor de rock, não é omi não. Omi que é omi tem tatuagem, mas depois dos trinta já se arrepende. Omi que é omi não tem medo de lobisomem, peraí! Isto aí é outra história, desculpe. Pois o Omi que é omi tem vontade de quebrar o carro do secretário da prefeitura com uma bordunada, mas não faz, fica só na vontade. Omi que é omi continua com o instinto selvagem apurado, tá sempre de olho e no cheiro das fêmeas que passam pra lá e pra cá, mas prefere a vida calma com a consorte e filhos. Omi que é omi não falha com os amigos em hipótese alguma (a não ser que eles falhem por demais com você), não toma sopa, não pede pra fazer, faz. Pede desculpa quando erra (o português também), só corta a unha do pé, quando a mulhé aterrorizada com o tamanho da queratina esbraveja.

Omi que é omi, não faz dieta, nem toma refrigerante com gosto de dipirona sódica, come o miolo do pão e toma cerveja, ou melhor, adora uma cerveja gelada. Omi que é omi tem vidro de perfume em casa, que dura anos, pois só passa em ocasiões especialíssimas, que dificilmente acontecem. Omi que é omi joga bola, se não joga é porque tem problema no joelho, tá perdoado. Usa a camisa do time mesmo quando perde. Omi que é omi vai de sunga “tom pastel” pra praia (o que vai de short é o macho de bigode do passado e o que vai com a colorida é o boiola). Omi que é omi, não tem twiter, orkut... no máximo um blog sem muitos adeptos e sem dados pessoais. Omi que é omi manda no cachorro, no controle remoto e só deixa a mulhé mandar na casa, que é pra não arrumar atrito. Pois omi que é omi, não gosta de confusão. Omi que é omi entende de política. Os que falam que político é tudo igual e não assistem nem jornal na TV, não são omi, são os ignorantes mesmo. Omi que é omi, não passa da meia-noite fora de casa (e não tem nada a ver com o lobisomem). Omi que é omi, quando tá calor, dorme no colchão e quando é pra ver fotos, vê duas no máximo e se dá por satisfeito. Omi que é omi verifica se a casa tá fechada, não lê horóscopo (a não ser que seja por motivos literários) e não mergulha na piscina tampando o nariz. Omi que é omi já morou na floresta, cagou no mato, tomou banho de rio e dormiu na rede. Omi que é omi não fala mais de um minuto no telefone (só fala a mais quando é a Mãe). Omi que é omi não deixa mais a toalha jogada, pendura pelo menos no box, deixa os chinelos juntos (não tem nada a ver com a Mãe morrer) e não deixa as roupas no chão, agora joga-as na área de serviço. Omi que é omi serve o suco pra família na hora do almoço, não derruba mais árvores (esses que fazem também são da classe dos ignorantes), tira a camisa no calor (mesmo sendo gordo). Omi que é omi, não dirige mais depois que bebe (a mulhé já sabe dirigir pra ele).

Omi que é omi, tá por aí. Em constante evolução. Se você esbarrar com um “Omi que é omi” na rua, pode cumprimentar, ele vai franzir a testa e balançar a cabeça positivamente em sinal de resposta. Agora se ele fechar a cara e fizer de conta que não foi com ele, desanima não.

Omi que é omi á assim mesmo.



Gilberto Granato, é omi.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Ecólougos

Arnaldo apenas descansava. Solitário, igual à delegação do Irã em assembléia da ONU. Debaixo de um frondoso e florido Flamboyant em uma praça retirada. Entrara de férias, após um ano de muitas horas extras e reclamações sem fundamento. Fez o que queria. Repousar sob a copa de uma grande árvore para ler um livro. Não tinha hábito de leitura, mas pretendia começar, mesmo já tendo passado quarenta anos sem ler um prefácio se quer. Foi a uma biblioteca, perguntou quais eram os mais locados e escolheu pelo título que mais lhe despertou a atenção. Agora, repousando a cabeça no caule, estava pleno, mesmo não tendo passado da página dez do “Quincas Borba” a mais de uma hora. Não importava. Ele queria fazer aquilo e tinha conseguido, mas estranhamente notara a vigília de um estranho...

Que de hora em hora, passava próximo a praça. Olhava de longe para Arnaldo, coçava a cabeça, ás vezes a orelha e saia novamente em disparada com fumaça pelos cabelos. Passado alguns minutos com a repetição da cena, Arnaldo abandonou definitivamente a página 12, pois a concentração já tinha se esvaído pelas raízes dos pés e lixiviado o solo, com aquela importuna e angustiante presença misteriosa. Pôs-se então, apenas a contemplar a árvore, sua sombra, seus arbustos, as volumosas e imponentes raízes, divertia-se com o chocalhar das vagens cheias de sementes que depois de muito tempo caiam no chão e como uma criança, contava a queda das majestosas flores vermelho-alaranjadas daquele ermo descendente africano. Voluptuosidade pura.

O enigmático homem da cabeça enfumaçada, mais uma vez surgiu. E desta vez não se contentou em apenas observar aquela cena lúdica e partiu a grandes passos em direção ao Flamboyant, ou melhor, Arnaldo. Que de olhos esbugalhados, apenas encurvou-se levemente e sentou-se esperando pelo pior. Poderia ser um louco, um assaltante, uma dívida esquecida, um marido traído confuso? Colocou o livro como escudo e começou a lançar pedidos de ajuda divinos. O invasor ao chegar, estranhamente ficou a dar voltas na árvore sem tirar os olhos de sua presa, ou melhor, Arnaldo. Depois de alguns minutos de estudo e de observações mútuas, um silêncio angustiante pairou e o estranho ofegantemente proferiu as seguintes palavras em voz alta, muita alta, um berro pra dizer a verdade...

Seu aproveitador da natureza!

E correu, correu muito pra dizer a verdade.

(Arnaldo vendeu as férias)



Gilberto Granato

domingo, 6 de dezembro de 2009

1/3

A vida é um terço!
Você dá dois.
Sobra um terço.
Você dá mais que a metade
E recebe menos que 50%
Coloca o sinal de igual e fica no negativo
Menos de um terço.

Pode ter sido erro de cálculo.
Calcula de novo,
Vai,
Repensa,
Desconsidera,
Pensa no criador,
Mesmo assim você fica com um terço na mão.
Não tem jeito
Você é assim mesmo,
Sua Mãe é assim
Igual a você
Ela mudou,
Você ainda não.
Preciso de dois terços
Pagasse bem!


Gilberto Granato.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Receita da felicidade

Para a massa:

- muda de coqueiro anão
- Esterco de curral bem curtido
- cloreto de potássio
- Pá de jardim
- vontade (à vontade)

Para o recheio:

- 1 Facão
- 1 filho (ou mais)
- 1 sobrinha (ou mais)
- A parte do freezer da geladeira
- 1 jarro de vidro

Modo de preparo:

Em local bem escolhido (de preferência que receba o sol e a chuva) faça uma generosa cova. Acrescente o esterco e o cloreto de potássio junto a terra e coloque a muda de coco anão no local, deixando sua haste para fora. Molhe abundantemente. Reserve e aguarde quatro anos. Passado o tempo, retire três frutos já maduros do pé e abra uma tampa no terço inferior com o facão, tenha cuidado com os dedos (neste momento seu filho e a sobrinha acompanham a tudo admirados). Coloque o sumo dos cocos na jarra de vidro e deixe no freezer uma hora. Enquanto isto encha a piscina portátil com a mangueira e brinque com os guris até que cansem bastante. Depois chame também a empregada para o “gran finale” e sirva aquela água de coco doce, gelada, refrescante que você mesmo plantou no quintal.


Gilberto Granato

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A era do bronze

Tenho um peculiar habito. De anotar tudo em papéis. Inclusive os filmes, discos e livros que me interessam. Vou colocando cada achado no seu devido papelzinho. À medida que o pedaço de A4 vai ficando pequeno e a grafia começa a virar um hierógrifo incompreensível, escrevo em outro e subtraio aquilo que já fiz, li, ouvi ou assisti. Desta forma não fico refém da memória e do esquecimento. Posso dormir tranqüilo, sabendo que tenho a possibilidade de imortalizar tudo que está grifado, assim como os que pensaram isto há 4000 anos antes de cristo.

Tinha uma carteira. E nela além dos documentos, ficavam meus papeizinhos. Nunca teve dinheiro. Carteira sem dinheiro se não for de couro legítimo, perde valor, começa a dar bolor. E foi isto que aconteceu: bolor. Agora sou um homem sem carteira, sem dinheiro, mas com meus papeizinhos, minha riqueza, meu espólio. Passei todos para uma gaveta ampla. Que começou a ter suas terras invadidas pela agenda da consorte, o santo expedito, os carnês do FGTS, as consultas do pediatra do meu filho e por último uma bandeja de fibra lotada de chaves (como existem portas na minha vida), que começou progressivamente a querer ficar em cima deles. Pestanejei! Já era demais. O perigo do sumiço era eminente. A única alternativa democraticamente imposta foi uma pasta transparente de elástico, tipo estas de escola, que foi colocada lá no fundinho, quase caindo naquele abismo que fica atrás das gavetas, onde dizem que há um monstrengo e os que ali caem, só são resgatados se tiverem muita sorte, ou melhor, limpeza. É difícil para um homem já depois dos trinta abrir uma pasta destas, o elástico e algo melhor manejado pelas mulheres, mas aceitei. O bom marido aceita tudo, tudinho, pois a próxima alternativa seria fatalmente os bolsos das bermudas, que perigosamente vivem sobre constante risco de inundação. Pra completar, esta semana uma calculadora chinesa e um pote de moedas resolveram ficar permanentemente de vigília em cima dela, evitando qualquer tipo de visita íntima.

È o século vinte e um meu leitor. Primeiro são os papeizinhos, depois te levam a carteira, o dinheiro, a moedinha de um centavo, o cartão, a toalha felpuda, o lugar na mesa, a outra metade da cama, as duas fatias do pão, o carro, a casa, o gato...

Inércia masculina!

Bem diferente de 4000 a.c.



Gilberto Granato, ainda é conjuminado.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Digital

Machado de Assis já dizia que há um meio certeiro de se começar uma crônica por sua trivialidade. É dizer: Que calor! Que desenfreado calor! E foi assim que fui fazer um recadastramento biométrico. Isto mesmo meu leitor. O nome faz lembrar de prefixos e dos quase extintos alfaiates e suas fitas métricas precisas, mas na verdade o negócio era para a implantação de um novo sistema eleitoral de identificação, feito por meio de digitais e da foto do corcunda aqui. Tal medida visa exterminar os vertebrados fantasmas e as ações do político mediano brasileiro (que está longe da extinção) e que usa o poder biofraudulético nas regras eleitorais, fazendo qualquer alfaiate rasgar a seda por aí.

Prontamente nos deslocamos (eu e minha dor nas costas) ao local combinado, sob o risco de cancelarem meu título e de ficarmos sem votar nas próximas eleições (resquícios da ditadura). Eu sou de direita e minha coluna de esquerda, porisso discordamos quando o assunto é qualquer um que exija movimentação física. Burocracia nas mãos e chinelo nos dedos. Mandaram-nos pra uma sala lá no fundo do cartório eleitoral, que de tão encovada e estratégica, serviria tranquilamente para abrigo em caso de algum ataque aéreo bioquímico. Tive que provar que eu era eu, o que sempre é difícil no Brazilzão, acho que a moçoila ficou na dúvida se aquele era realmente eu, mas pela pintura clara dos cabelos e pelas unhas bem feitas, devia ter um outro plano mais biofértil para mais tarde, dispensando assim, os tapas na cara e os eletrochoques, fazendo questão de agilizar o meu processo de exílio (ainda bem que a dor nas costas “dedo dura convicta” não abriu a boca). Fomos levados para uma outra biosfera, onde uma senhora com cara de ministra da casa civil fitou-me e disse, com a silhueta incisiva: Toma celestino! Meu Deus do céu! Pensei rapidamente, aquilo deveria ser um plano de troca de identidade, alteraram minhas digitais, minha imagem, meus dados, meu bioma! A fim de me tirarem de campo. Seria a extinção dos alfaiates? Para não atrapalharem com um voto bem medido nas próximas eleições? Agora eu só tinha a minha dor nas costas, como única prova de que eu era eu. O que fazer? E logo ela que se dizia comunista, camarada, confrade, na hora da tortura, ou melhor, aperto, abandonou o companheiro aqui, ficou muda, quietinha, de bico fechado. Mas ainda bem, que tudo não passou de um susto, o Celestino logo apareceu vindo de uma outra sala, um pouco pálido apesar da cor negra é bem verdade, mas apareceu. E assim fiquei mais calmo, depois de tanta bioadiversidade.

Com as medidas recadastradas, peguei meu título novinho, que para minha decepção, não diferia em nada do velho. E “poquei fora”, como diz o bom capixaba. Mas com uma nova biodescoberta. Que agora existe uma nova maneira infalível de se finalizar uma crônica. É só dizer: Que dor! Que desenfreada dor nas costas!



Gilberto Granato

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Escapula

- Me vê uma caninha!
- Toma. É sua última.
- Pera aí seu Zé, não vem com esse negócio de lei seca não!
- Não é o seu Zé. Eu sou São Pedro.
- Ué! Eu não sabia que o seu Zé tinha vendido o boteco?
- Ele não vendeu. Eu só vim para te levar.
- Levar pra onde?
- Pro céu.
- Mas por quê?
- Pois você já exagerou demais na “mardita”, opa, quer dizer na água-que-passarinho-não-bebe. Veja, todos lhe chamam de pinguço, você fará uma desintoxicação.
- Mas no céu?
- É o único jeito. Você já tentou todos métodos humanos e não adiantou nada.
- Posso ao menos levar um pedaço deste chouriço aqui comigo?
- Não. Lá não se come.
- E se eu sentir sede?
- Você aprende a se controlar.
- Não se bebe nada?
- Apenas água da chuva.
- E os jogos do timão, dá pra ver de lá?
- Não. Não se tem meios de comunicação com a terra.
- Nem novela?
- Muito menos.
- E pra dormir?
- É nas nuvens.
- E se não tiver nuvens?
- Não se dorme, fica-se orando.
- Em pé?
- Sim, o dia todo.
- Não dá mau cheiro não?
- Não se sente aroma nenhum.
- E São Pedro, com todo respeito, um namoricozinho será que pode?
- Nem pensar. Impossível. É proibido.
- Santo Deus!
- Pois é, foi ele que me enviou até aqui, já está na hora.
- E se eu não for o coisa-ruim me leva?
- Ele não te quer por lá. Está superlotado.
- Jesus!
- Pois é, e ele também está te esperando já um pouco desgostoso com a demora.
- E vamos de quê?
- Voando.
- E demora?
- Uns cinco dias.
- Mas porque isto tudo?
- Pois você ainda não tem asas, tenho que te carregar.

(o homem saiu correndo, nunca mais bebeu).

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Rosbife

Enaldo era um grande peladeiro. Não na técnica, nem na altura. Grande, pois não lhe faltava vontade de ser o primeiro a chegar ao campo no fim de semana pela manhã, para aguardar o apito do robusto e sempre atrasado juiz. Pois para ele, peladeiro que se prezava nunca faltava a uma pelada, se não fosse por motivos muito fortes envolvendo parentes de primeiríssimo grau, ou patologias daquelas que precisam ir ao médico. Até em dias de chuva ele ia, só para ter certeza e ver com os próprios olhos, que o campo encharcado não possibilitaria uma partida. Nas sextas à noite, sempre que era convidado para algum evento que poderia se estender por demais, não se omitia em ser sincero e dizer: “não posso, amanhã tenho pelada”. A mulher já estava acostumada, e pensava que era melhor um marido peladeiro convicto, do que ficar como algumas amigas, que tinham seus esposos vivendo de bar em bar independente da chuva e da patologia.

Sempre que chegava, primeiro lia atentamente o caderno de esportes do jornal, depois fazia um breve alongamento, colocava a chuteira, dava umas duas voltas em ritmo lento em torno do campo, para imprimir ritmo ao coração e prontamente já se voluntariava para dividir os times. Mas neste dia algo diferente ocorreu. Ao dar a segunda volta no campo, sentiu uma forte dor na virilha e caiu no chão. Todos ao redor estranhando o ocorrido, correram até ele. E lá estava Enaldo caído, com os olhos fechados de dor, foi socorrido e levado até uma cadeira à sombra. Foi ai que começaram os palpites, pois peladeiro que é peladeiro, sempre tem um palpite infalível para as lesões do futebol:

- Coloca gelo!
- Gelo não, água quente e logo!
- Estica a perna e contrai!
- Pera aí, que eu tenho uma pomada tira e queda.
- Não precisa de química não, usa arnica do mato é infalível!

E sempre tem aqueles céticos: “não foi nada não, amanhã você já está melhor!”. Só que Enaldo sabia que não estaria, afinal de contas, nunca tinha sentido uma dor como aquela. Até que um senhor de cabelos brancos que observa aquilo tudo de longe, intrometeu-se e disse: “coloca um rosbife!”. Alguns acharam graça, mas Enaldo franziu as testa encucado e perguntou:

- Como assim?
- compra um pedaço grosso de rosbife e deixa agir no local, por no mínimo vinte e quatro horas.
- A carne pura?
- Sim.
- Mas de que carne?
- De lagarto, não serve contra-filet.
- O senhor já fez isto alguma vez?
- Eu faço isto há quarenta anos.

Enaldo com muita dificuldade dirigiu até o açougue, e do carro mesmo pediu dois pedaços por garantia, pois sua vontade de se recuperar logo para o próximo fim de semana, era maior que qualquer coisa. Chegou em casa, tomou um banho rápido e prontamente colocou aquele generoso e suculento pedaço de lagarto na virilha e foi para o sofá, onde lá ficou sem se mexer até o anoitecer. A esposa preocupada só sabia que ele havia se machucado e fazia todas suas vontades para não gerar atrito, já que o descontentamento do marido era visível. Na hora de dormir, em vez de tomar o banho, preferiu ficar com aquele tecido muscular animal no local, com medo de atrapalhar o efeito do tratamento, foi dormir. Acordou de manhã e abriu um sorriso, como se já esperasse uma melhora súbita. Levantou-se e foi até a cozinha para ver se a dor era a mesma, encontrou a aliança da esposa em cima do outro pedaço de lagarto na pia.

(a esposa foi vista pela última vez aos prantos, gripada em um bar em dia de chuva)


Gilberto Granato.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Apagão

E o apagão repercutiu...






Apagão (ausência no suprimento de energia por um longo tempo)
A! Pagão. (a esposa decepcionada ao ver a toalha do marido molhada em cima da cama)
Ap – Agão (município do interior do Amapá)
Apa! Gão! (um indivíduo cumprimentando o outro)
Apag ão (a esposa chamando o marido pelo apelido, pedindo para apagar a luz)
Apaga o! (a esposa já estressada pela demora do marido)
A pag ão (a esposa pedindo para o marido pagar a sandália nova no seu cartão de crédito)
A paga o (insistindo novamente)
A p a g a o (professor soletrando para os alunos)
Ap ag ão (conferência no Amapá dos argentinos que moram no Sudão)
A p aga o (traduzindo “pai água poxa!”)
A p... agaô (a p*#! da claudinha agarrou o joãozinho)
A.P.A.G.A.O (Associação piumense dos apanhadores de garrafas amarelo ouro)

Apagão (em inglês black-out)
Pagão (sujeito não monoteísta)
Agão (verdura neológica pouquíssima popular)
Gão (indivíduo fanho chamando o cachorro)
ão (cachorro fanho latindo pro dono)
o (criança aprendendo a falar)


Gilberto Granato, não é poeta concretista.

(semana em que 10 estados foram atingidos e mais de sessenta milhões de pessoas, ficaram sem luz por algumas horas no Brasil. Fato que tomou conta integralmente dos telejornais, que esqueceram até de noticiar que Madonna estava por aqui).

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Coisas deleitáveis

Banho de cachoeira, fim de semana em um bom hotel, cd novo, pelada domingo de manhã, queijo derretido, jornal fim de semana, bateria de escola de samba, filme com bom roteiro, mulher de short de ginástica, filho brincando, deixar a barba crescer, açaí, São Gabriel da Cachoeira, cerveja e chop gelado, sushi, cachorro esperando o dono, beiju de mandioca fresco feito por uma índia, silêncio, rock dos bons, casa própria, árvore plantada por nós, dinheiro sobrando, charrete em via pública, ir a um lugar que ninguém te conhece, banho quente e controle remoto após um dia duro de trabalho, pizza de polvo de Noronha, menino preto bem de vida, falar “tranqüilo”, orquídea prestes a dar flor, ouvir uma bela música que já não lembrava mais, trocar de escova de dente, não ter celular, turma da mônica, fazer um sonzinho mesmo que seja ruim, estar vivo e com saúde, jogo de tênis bem disputado, pão com manteiga quentinho, sobremesa, fica a sós de vez em quando, um copo de água gelada quando se está com muita sede, ficar com os pés para o alto, vista da terceira ponte chegando em vitória, férias, cheiro de chuva, feriado, um tubo pegando jacaré na praia, passar a unha no cantinho da dobra da toalha de banho, comida da minha mãe, família, Tocantins, meus amigos, ser bem remunerado, frio, calor, ser premiado, mala pronta pra viagem, lençol aberto na hora de dormir, vitamina de abacate, qualquer tipo de Dabucuri, Brasil decidindo uma partida em qualquer esporte, passarinho cantando, artesanato, grama cortada, corinthians no pacaembu lotado, tapioca com queijo, boteco, achar dinheiro no bolso da bermuda, cozinhar com azeite, presentinho de dia dos pais, massagem nos pés, consorte de bem com a vida, sexo, ouvir histórias dos mais velhos, ler uma boa crônica, uma boa charge, fazer uma lista destas...


Gilberto Granato

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Finados

Fim de tarde de segunda
Estou na janela
O gato chega com um canário na boca
O cachorro vai averiguar
Um pequeno desentendimento acontece
Talvez o cachorro não tenha gostado
O gato se arrepende
Deixa o canário caído na grama
Não come sua carne
Vai embora
Dois outros canários aparecem
Tentam reanimá-lo com bicadas
É tudo em vão.
O enterro é debaixo do pé de pitanga.
A vida segue...


Gilberto Granato, torce para que o finado canário tenha aproveitado bem sua vida.

domingo, 1 de novembro de 2009

Coisas abomináveis

Gente que só fala em trabalho, portão eletrônico enguiçado, tempo chuvoso em dia que mais se quer o sol, telefone tocando, domingo quando começa a anoitecer, filho que caga a fralda depois do banho e depois da troca caga novamente, passarinho na gaiola, orquídea que não dá flor, meia curta, furada ou manchada, bafo, atraso, pizza com maionese, fazer fogo pra queimar o lixo, derrubar açucar, comer bagaço de laranja, mulher com perna e/ou suvaco cabeludo, Corinthians jogando como se fosse amistoso, saleiro entupido, TV fora do ar, TPM, qualquer coisa diet ou light, garçom que atende mal, banheiro sujo, cd caro, viajar de ônibus, ficar ao sol sem protetor, filme dublado, não saber nadar, velório, gente gripada, pneu furado, comida sem tempero, gente que não sabe atravessar rua, pessoa que fala muito em religião, cerveja quente ou congelada, gente que fala e gesticula uma palavra entre aspas, pão tipo isopor, Ana Carolina e Jorge Vercilo tocando juntos, qualquer tipo de monarquia, mangueira embolada, gente que não faz festa porque "não quer encher a barriga dos outros", mosca importunando na hora da comida, motorista que não dá seta, procurar algo na bolsa da consorte, escreverem seu nome erroneamente, consorte mau humorada, oferecer e recusar, sabonete com cabelo, ralo do box do chuveiro com cabelo, eletricista, marceneiro e pedreiro, jiló, enchente, estrada com buraco, buraco com estrada, animal de estimação em cima da cama, sujeito metido a falar outra língua, vizinho, qualquer presidente do senado federal e da câmara dos deputados (só vão os piores), gente falando alto, pagodinho, chupar palito de picolé seco, funk carioca, luz alta ao cruzar veículo à noite, cachorro sem rabo, lençol de dormir que fica cheio de bolinha depois que lava, pessoa que fala batendo na gente, araponga com dor de cotovelo, viajar de carro de ressaca, piso solto, fila de elevador, fumante, falar da vida alheia, flanelinha, não tocar a bola pro companheiro na pelada, torcer o joelho, exame de fezes, gente que fica tentando aparecer atrás do repórter na tv, plagiar Paulo Mendes Campos e os anos sessenta...


Gilberto Granato

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Chegará o dia em que...

O nobre leitor ou leitora, já cansado do feijão-com-arroz . Entre neste meio de comunicação e sem querer, de maneira despretensiosa, quase que inoportuna, acabe lendo uma destas bisonhas crônicas. E depois de alguns minutos até o ponto final, de forma simples e surpreendente apareça um leve e aconchegante sorriso no canto de sua boca, que irá aumentar, aumentar, até fazer florescer sentimentos ocultos, que o faça subitamente levantar da poltrona e dar um grito bem alto de livre-arbítrio. E que os vizinhos espantados liguem imediatamente para a polícia, ou preocupados venham bater a sua porta, para matar a curiosidade da rua inteira. E ao chegarem encontre você na frente do computador se remoendo de risadas e de arrependimento por só ter encontrado este portal da alegria, só agora.

Que o faça acordar mais cedo todos os dias, para ver se há algo novo escrito. E que se não, pelo menos que se transforme em um tempo a mais, para ler as crônicas antigas sem preconceito, sabendo que as piores, mesmo sendo a maioria, poderiam ter sido escritas em um dia difícil, talvez cansado do primeiro trabalho, sem inspiração, com sono, ou com o filho abrindo as gavetas e jogando tudo pra fora. Não importa. O certo é que as palavras estranhamente encaixariam perfeitamente no seu estado de espírito e que fizessem abrir os seus pulmões para o ar do lirismo. E que a leitora entusiasmada (coisas de gênero) contasse pra duas amigas, que contassem para mais duas e uma tia e assim sucessivamente, até chegar ao ponto em que a página ficasse sobrecarregada, difícil de abrir de tantos leitores e comentários, e que agora por uma questão de organização, ficariam restritos ao número máximo de cem.

Seria preciso largar o futebol de domingo, para ler a todos, traduzir alguns e responder por educação aos mais indiscretos, que não se contentariam só com a leitura e exaltados, gostariam também de saber do meu estado civil, da minha banda favorita, ou do meu tipo de desodorante. Estranhamente seria me dado uma laranja a mais pela caixa do hortifruti, o jornal me seria entregue em casa e receberia convites para ser padrinho de casamento de pessoas que nunca vi. O interfone e o telefone começariam a tocar incessantemente, instituições filantrópicas pedindo contribuições achando eu já estar milionário, patrocinadores querendo colocar suas marcas na página principal e em mais um monte de lugar e até minha professora de português, já com um português meio caquético, surpresa, me dando os parabéns toda feliz por achar que tinha sido a responsável por tudo isto. Teria que comprar um celular, andar de relógio de pulso e não deixar um fiapo de barba à amostra (coisa de patrocinador). Nem pensar ficar com aqueles shorts surrados, recluso nos fins de semana ou colocando canjica para os pássaros. Teria uma equipe multiprofissional, cuidando de tudo pra mim, a consorte de tantas intervenções do meu “personal cabeleireiro” ficaria irreconhecível, a cadela teria uma roupinha de pet shop e meu filho não tiraria mais um pirulito da boca.

Como dizia a professora de redação...

Seria tudo uma mixórdia!


Gilberto Granato, é anônimo e vive no anonimato.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Extinção

Elas estão em franco processo de amortização. Não “elas” sujeito da oração, mas seus nomes próprios dados e talvez herdados de seus pais. Afinal meu leitor de fim de semana, você conhece alguma criança que tenha nascido recentemente e que se chame, por exemplo, Deusnira? Provavelmente não. A esta hora quem se chama Deusnira está em algum lugar do Brazilzão fazendo chup-chup de jaca pra criançada.

Nome hoje, depende de três fatores, por ordem de relevância: sanidade paterna, novelas da Globo e filmes de Hollywood, isto sem mencionar os tradicionais e vitalícios nomes bíblicos, que tirando a tentadora Eva, acabo de lembrar das peles enrrugadas das Donas Efigênias, Clotildes e Florentinas, que não passam uma noite sem ler um versículo se quer. E o bordado? Corre o risco de perder sua história, o detalhe, a originalidade, pois as donas Rosalitas, Furtunatas e Enerstinas que sabiam dos segredos do ponto e cruz e dos fios de algodão, hoje já têm dificuldade em passar o fio pela agulha, devido ao problema nas vistas ou as tremedeiras da idade. E aquele tradicional doce caseiro depois do almoço? Está com os dias contados. Não será mais o mesmo depois que as Santinas, Giocondas e Iolandas se forem. Nos contentaremos mesmo é com os seus dublês artificiais de supermercado. E o remedinho do mato tira e queda pra acabar com a piriri? a reza pro mau olhado? A previsão exata do tempo? Quem assistirá o Silvio Santos no domingo? Quem matará as galinhas caipiras do quintal? Só se as Matildes, Lourdes e Margaridas deixarem tudo bem explicadinho em algum papel de embrulho de pão qualquer.

Todas devem estar a esta hora solitárias em alguma varanda. Sentadas nas cadeiras que levam a suas marcas, lembrando (as que tem memória) saudosas de seus dotes, do tempo em que se entregava o leite em charretes de porta em porta, se andava de calças e de cabelo penteado, se dava o bom dia de bom grado, do sincretismo do angu com feijão. Coitadas das Fransiscas, Ofélias e Dolores que agora são obrigadas a tomar coquetéis intermináveis de remédios e a terem que esperar ansiosas o genro terminar de tomar a ultima cerveja, para empurrar a cadeira de rodas de volta para casa.

Partirei de trem. Mas não, sem antes desejar um boa noite para as Jovelinas, Zilas e Coralinas que logo após o anoitecer, já dormem em alguma casa de filha mais velha, asilo ou... Não, não. Sem final melancólico. Devem estar sorridentes, dançando de batom vermelho selvagem, cabelos pintados e com as bochechas cheias de ruge em algum clube da terceira idade de alguma cidade com ordem e progresso.

Já os sobrenomes?

Ficam pra uma outra história.



Gilberto Granato.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Cherne

Já passavam das 12:00 horas. Leonor finalmente chegava com a sua “garoupa com banana da terra e pirão de peixe” de domingo. Tradicional prato da família Silva. Jonas já faminto, mais uma vez elogiava e bajulava a esposa, enquanto os filhos atacavam o prato antes que ele tocasse a mesa. Há vinte anos sempre tinha sido assim, todo primeiro domingo do mês, exceto aquele em que a garoupa foi substituída por um mero (na visão de Leonor), já que Jonas sabendo que era o mesmo peixe, não quis se indispor com a consorte que vibrava com a aparência familiar do novo vertebrado. O peixe de domingo era sagrado. Todos sentados na mesa até que Leonor levanta a voz...

- O que é isto?
(Todos na mesa abandonam os talheres, um copo cai no chão)
- Isto o quê meu amor!
- Isto aí d... de...debaixo.
- Oras meu amor é a crosta que se forma no fundinho, da água da banana que estava muito madura.
- Não, não debaixo do seu braço.
(Todos imediatamente observam uma espécie de rabisco no braço de Jonas)
- É... isto aqui?
- Isto mesmo, levante esta camisa Jonas!
- Mas vamos almoçar primeiro depois eu conto a novidade a todos
(Jonas trabalhava no ministério público se aposentaria no fim do ano)
- Levante agora Jonas, antes que eu tire com as minhas próprias mãos.
(Jonas levanta a manga da camisa)
- Minha nossa Jonas! O que é isto?
- Uma tatuagem.
(nesta hora o filho caçula começa a chorar)
- Repita Jonas que eu não estou acreditando, uma o quê?
- Tatuagem meu deus do céu!
- Onde já se viu um senhor pai de família com uma tatuagem no braço?
- Pois é, resolvi fazer. Achei que era a hora.
(a filha mais velha se retira da mesa)
- Mas ela sai, não sai?
- Não. É permanente.
(silêncio total)
- Que figura é esta?
- Um peixe.
- Peixe? Que tipo de peixe?
- Uma carpa.
- Meu deus do céu Jonas! Aonde foi que você viu carpa nesta sua vida metropolitana?
- Não sei, eu ia fazer uma jaguatirica, mas aí achei esta bonita e pronto.
(silêncio total novamente)

Apenas o filho do meio comeu o peixe.

Ninguém nunca mais falou sobre o assunto.

(Domingo só se come marmita na família Silva)


Gilberto Granato

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

A era da informação

Cena1

Portugal. Pode ir Cabral. È só seguir em linha reta e vai dar tudo certo. Chegará às Índias sem sombra de dúvidas, vai que é quente, ah! Traga curry, por favor, dizem que é óptimo! Deu no que deu, Todo mundo nu. Comeram as índias.

Cena 2

Cabeça do cachorro. Onde fica a aldeia do seu pedro? O informante protui o lábio inferior mostrando a direção correta e diz: Fica logo aí pra frente, leva este peixe muquiado aqui pra ele... Faltavam dois dias pra chegar na aldeia do seu pedro. Comi o peixe.

Cena 3

Espírito Santo. Churrasco de noivado de um casal de amigos na beira do mar. Onde é que fica a casa? É só dobrar a direita depois do último radar de velocidade, traz o filho pra gente conhecer hein! O último radar era infindo. Chegaria às índias, a aldeia do seu Pedro meu informado leitor.

Quer saber?

A era da informação ainda não chegou.



Gilberto Granato.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Corpos celestes

É impressionante a ciência não. Quando menos se espera, lá vem ela com uma nova descoberta. Pode ser uma vacina, um parente das cavernas, um eletrônico difícil de usar, um peixe cego do fundo dos oceanos ou uma nova receita sagrada para o bem estar dos seres humanos. Mas confesso que fiquei intrigado com a últimíssima novidade, que pasme, vi ontem no telejornal. A de que foi descoberto um novo anel quase invisível em saturno.

Há muito tempo não se ouvia falar de saturno. Saturno nunca fez parte do happy hour, do almoço de domingo, ou dos casais apaixonados que sempre preferiram a lua. Que me desculpem os astrólogos, mas os próprios cientistas só se preocupavam com marte, teve até robô indo lá incomodar a sua atmosfera, mexeram com plutão também, desclassificando-o como planeta anão, uma senhora injustiça, mas saturno? Andava trancado a sete chaves, só se tinha tempo para falar de crise mundial, do que estava por baixo do bigode (com vários sentidos, por favor) do presidente do senado e da seleção canarinho, que é sempre notícia independente da nuvem cósmica. Mas saturno? Foi demais, como é que tem gente neste mundo, que se preocupa com este planeta gigante, que de tão longe e difícil de ver, só agora conseguiram encontrar o seu anel também gigante (o que era presumível), que ficou lá quietinho no anonimato, por mais de 400 anos desde a invenção do telescópio?

Teve gente que se espantou com a demora, veja só! Mas graças a mudança do ponto de vista dos astrônomos e a falta de pressão da desatenta sociedade civil, fizeram com que tivessem bastante tempo para esta magnífica e instigante notícia de meio de semana. Dizem que agora animados com o feito, vão importunar outros planetas ainda mais, na busca de algo novo em pró da ciência. Confesso que fiquei surpreso meu leitor. Não é possível que nas minhas conversas com os amigos, familiares e traunsentes não tenhamos mencionados saturno entre um gole e outro. A última vez que proferi esta palavra foi na escolinha, onde a professora nos obrigava a decorar a seqüência dos planetas por ordem de distância do sol. Será que mercúrio ainda é vivo? Com este sol do jeito que está? E Vênus? Que dá nome ao vestuário masculino, Júpiter? Minha nossa! Já devo ter mandado alguém pra lá (com educação, por favor), Urano e sua cor azul esverdeada, Netuno, que tem nome de Deus romano dos mares e Plutão que jamais será esquecido e que será lembrando por toda uma carreira de sonhos infantis, já que agora não faz mas parte da ordem dos planetas (sorte dele que não será mais importunado por nenhum cientista, professor ou escritor).

Boas lembranças da época em que a distância entre mercúrio e plútão...

Era de um quarteirão!

Coisas do sistema solar.



Gilberto Granato, tem um telescópio em casa que há muito tempo não vê a lua.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Manual do betume

Você meu leitor. Leva a família novamente para um passeio de carro pelo Brazilzão. Andar pelas estradas verdes e amarelas requer cuidados, tem MST e tem também suas letras isoladas, lama, saco plástico, ponte caída, quase caindo, balsa, atalho, boi, policial (nas horas sem sol) e bicho morto pra dedéu. O que acontece é que você que vive em um grande ou meio-centro, quanto mais distante você se distancia dele, da sua cidade matriz, do seu sofá, do controle remoto, mais diluída será a força centrípeta da razão, a aplicação dos seus impostos e maior é aquela buraqueira que aparece no asfalto, ou melhor, betume como propõe o título. Esta doença incurável que assola todos os pontos cardinais do país. E que para você leigo neste material aglutinante escuro e reluzente, de estrutura sólida, constituído de misturas complexas de hidrocarbonetos não voláteis de elevada massa molecular, será de grande valia para conhecer melhor esta patologia sem vacina.

O causador desta lambança toda são os patógenos, ou micróbios como preferir. Os pertencentes à classe das chuvas, ventos e sol escaldante são perigosos, mas o mais agressor é o caminhão com excesso de todo tipo de peso. Que gera com o passar do tempo pequenas trincas, fissuras, brechas na superfície daquele derivado do petróleo bruto, que se não cuidada através de um simples selamento, vão se tornando maiores e mais infectadas, podendo levar o condutor desde a um leve desentendimento com a consorte, uma troca de pneu furado, ou até a uma visita precoce aos céus ou a fonte do petróleo lá embaixo. Portanto para a recuperação do alcatrão, desculpe, asfalto, é necessário primeiramente a remoção das áreas desapoiadas ao seu redor e em seguida adotar uma boa limpeza do buraco, removendo todo tipo de impurezas, como pedras, lama, papel de bala, guimba de cigarros e gomas de mascar usadas. Logo após, faça a texturização em todo o trecho com o retentor do kit de máquinas específico (que também contém o amassador e o aplainador). Depois passe duas camadas generosas de piche líquido e deixe secar (enquanto isto espere embaixo de uma árvore, ou ajude a atrasar o trânsito com uma bandeirinha). Feito isto, finalmente coloque o material obturador novo, de preferência do pré-sal (se você lê isto no futuro) e se possível sem superfaturamento, para não impedir novas intervenções em outros locais sem a força da gravidade, siga a sequência do kit de máquinas conforme o manual do fabricante e dias depois de o polimento fazendo as faixas centrais e laterais da rodovia. E prontinho, pode sorrir à toa.

Ah! E não esqueça de voltar ano que vem para a revisão

È que sabe como é...

Pode dar um probleminha!

(Ao dia mundial do dentista e ao dia do dentista)



Gilberto Granato, é dentista de vez em quando.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Intimidação

Cena 1

No jogo do meu time contra um dos seus rivais. Tô lá vendo o zagueiro do time adversário (por sinal um bom zagueiro) carregando a bola em direção ao goleiro do seu time (ato extremamente perigoso no futebol). Até aí tudo bem, ele é um bom zagueiro como já foi descrito, vai dar tudo certo, não tem porque a torcida se preocupar, a chance de errar é quase nula. Ele só não contava com o atacante do meu time (por sinal fenomenal), já ganhou copa, melhor do mundo algumas vezes, embaixador de algumas coisas nesta vida, hoje meio fora de forma, mas é ele, vivo, e respirando fundo atrás da bola. O zagueirão se atemoriza com sua presença, esquece de olhar pro goleiro, esquece de fazer o que sabe, não lembra de mais nada, vai ver a noite na reprise do futebol a besteira que fez, recuou a bola errado e o meu atacante colocou pra dentro. Tá vendo meu leitor, este é o poder da intimidação.

Cena 2

Na disputa de País sede dos jogos olímpicos de 2016. To lá vendo o Brazilzão (por sinal um belo país, dizem que é do futuro) carregando a esperança de milhões de pessoas, (menos algumas que nem sabem o que está acontecendo). Vai dar tudo errado. È país colonizado, cheio de pobreza, corrupto, nosso presidente não tem um dedo, dificilmente é quartel para algo mais importante neste mundo, assim como seus primos subdesenvolvidos, a chance de ganhar é quase nula. Ainda mais que o super-man yankee presidente da América, confirmou presença, o cara é foda, ou melhor, fuck! E vai lá na Dinamarca acabar com o pagode (o Brazilzão se atemoriza com a sua ida), todo dia tem notícia dele por aqui, dos seus cabelos brancos, da sua ida a lanchonete, da sua tia... Estamos de frente pro mar tentando enxergar o que ele faz lá em cima e de costas para os “cousins” daqui debaixo. Sempre foi assim, always! O que acontece no globo, perguntem ao “yes, we can” lá de cima da linha do equador, eles resolvem tudo, sempre foi assim, don’t worry, vai dar tudo certo, mais uma olimpíada pra contabilidade, afinal de contas “yes, we can”! Só que desta vez a bola tava murcha, o Brazilzão surpreendeu, começou a fazer o que sabe, know-how puro! Cansou de jogar na zaga e agora quis o meio de campo, andar umas jardas pra frente e o atacante não contava com isto, se deu bad! Tá vendo meu leitor...

This is not intimidation!



Arawãkanto’i tapirapé, vai as olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Elefante

Vocês viram no noticiário? Aquele elefante assustado, que disparou em direção a uma multidão que participava de um festival religioso na Índia? O seu treinador disse que o motivo, foi um forte stresse causado pelo badalar de uns sinos que indicavam o início de uma procissão. Mas para mim foi muito mais que isto meu leitor. Na verdade este pequeno elefante (a reportagem disse que só tinha três anos) foi o mártir literal da semana.

Procuro escrever textos e tento manter certa regularidade, para não me acomodar demais e acabar arrumando outro hobby menos trabalhoso, mas ultimamente do meio pro fim dos meus registros a coisa não vai, não tem ido, emperra, acaba a luz! Não encontro um final para as baboseiras que escrevo, ou melhor, até encontro, mas acabo achando uma porcaria e arquivo o treco. Não tenho treinador, para me dar uma força, ou quem sabe umas chicotadas na paquiderme, comecei este negócio de escrever, sozinho, ninguém me obrigou, porisso ao ver o amigo elefante tentando terminar, acabar, colocar um fim aos dias de trabalhos forçados alheios à sua natureza. Achei que aí estava a inspiração que me faltava para concluir uma crônica de uma vez por todas e sair desta maré de falta de entusiasmo criador, de maus resultados, de simba safári fracassado. Que me deixaria mais uma vez parado neste parágrafo.

E assim como o amigo herbívoro, que se atirou no meio do povo, eu resolvi me atirar mais adiante vencendo definitivamente o maldito segundo parágrafo e utilizar minhas presas para escavar uma conclusão, sem pensar, sem voltar atrás, sem backspace, ou arquivamento, sem encolher a tromba. Apenas mentalizando a persistência do pequeno revolucionário de orelhas grandes, em tentar colocar um ponto final à sua inquietação. Tenho certeza de que o povo indiano verá sua revolta com bons olhos, já que lá ele é um animal sagrado, e talvez daqui pra frente tenha um pouco mais de compreensão, de água fresca, sombra, quem sabe até algumas melancias a mais de alguma ONG protetora dos animais. E uma savana! isto mesmo, bem fresca, cheia de gramíneas verdes, para encontrar uma fêmea, ou macho (a reportagem desprezou o seu sexo), acasalar, ter filhotes, andar em manadas e continuar devorando alguns arbustos até que seus molares caiam daqui uns sessenta anos decretando o fim de sua história heróica, sublime e que serviu de inspiração para toda a humanidade, ou pelo menos para a minha... falta de habilidade.

Namastê, meu amigo.

E finalmente...

Fim



Gilberto Granato, lembrou do “Jotalhão” da turma da mônica, que tinha uma forimga apaixonada no seu pé e era o protagonista de uma marca de extrato de tomate.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Claudinha

Archimino estava irradiante, soberbo, com o olhar confiante daqueles que sabem que fizeram a coisa certa. Tinha tirado a sorte grande dentre muitos apostadores. Investiu muito para conseguir o seu prêmio milionário, é bem verdade, e agora só lhe faltava o lucro, a benesse, o pé-de-altar que só viria mais tarde no Churrasco dos “peladeiros de domingo”. Seria lá que contaria o seu grande triunfo. O de que finalmente tinha comido Claudinha, a mais cobiçada dentre as frágeis, a miss universo das redondezas, a supra-sumo dos sonhos masculinos. E para isto deveria esperar o momento certo para a grande revelação. Não quis contar logo de inicio, pois não seria nobre de sua parte. Apenas aguardava o desenrolar das conversas para narrar o melhor roteiro do regozijo em detalhes. Era só o assunto dar uma brechinha...

- Pega o ventilador pra acender a churrasqueira lá!
- È só jogar álcool rapá!
- Tem pouco carvão, quem foi que comprou?
- Esta carne não tem gordura não?
- Cadê o fósforo? Que zuragem, o pré-sal é nosso caramba!
(...)
- E o trabalho como é que tá?
- E a família?
- E o...
- E a....
- Como é mesmo o nome dela?
(...)
- Que golaço foi aquele na quarta meu amigo!
- Se viu meu passe pro Nazareno?
- Porra o cara não joga nada, fica em casa!
- Quanto se deu nessa chuteira?
- E o Rubinho Barrichello hein, agora vai!?!!...
(...)
- Sei não, o Brasil tá se metendo a besta em Honduras!
- A minha encomenda não chega mais!
- O correio tá de greve, não lê jornal não?
- Bicho tô desanimado, vão aumentar o número de vereadores de novo virge maria!
- Que explosão foi aquela no ABC de São Paulo meu?
- Quem manda agora é o G-20, aumenta o som aí!
- E o disco novo do Black Crowes, tu ouviu?
- Cadê o Toninho? não veio não?
- Que cerveja quente é essa meu Deus?
- Quem foi que comprou a cerveja jesus do ceú?

(não houve brecha)



Gilberto Granato

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Nû-kaganha

Você já viu esta palavra? Não? Pois os seus antepassados tupi-guaranis já. Era um instrumento de pesca, que não levava anzol, nem chumbada, nem conversa fiada. Apenas uma armadilha feita por mãos hábeis, através do trançado de uma fibra muito comum nas matas dos leitos dos rios. Onde a colocavam no fundo dos rios, preso a uma pedra e pronto. Dez minutos depois lá estava um saboroso peixe das profundezas. Acreditou? Claro que não né. Então deixa eu te explicar melhor.

Na verdade esta palavra se trata de um animal. Isto mesmo, e do cerrado. Seu nome científico é “Tapira Ciscus” é um mamífero que pesa entre 30 e 45 quilos, encontra-se com maior freqüência em subsistema de veredas, ambientes alagadiços e matas ciliares. Apresenta três dedos nas patas, orelhas compridas e rabo grande. Alimenta-se de pequenos roedores e tem o habito noturno. A fêmea se difere do macho apenas por ter o rabo mais comprido e pelo maior número de pintas no corpo. São solitários, só são vistos juntos durante o acasalamento. Não é isto meu leitor? Resolvida a dúvida? Que nada né. Só estou tomando o seu precioso tempo. Então deixa eu desvendar este mistério logo.

Você deve se lembrar da Birmânia não lembra? Hoje Nyanmar entre a índia e a China? Pois é. Este é o nome da sexta maior cidade que fica no sudoeste do País. Capital da divisão de Tenassarim, situada ao sul de Yagon ex-capital, com população de 319.063 habitantes, vive de indústrias madeireiras e da lembrança de cronistas sem terem nada melhor pra escrever. Tá explicado? Convenci? Bulufas né! Então vamos encerrar de uma vez por todas esta falta de respeito com o atribulado leitor.

Sabe aquele trabalhador (ou cronista) metido a jogar bola, que toda semana insiste em calçar as chuteiras e maltratar o gramado? Pois é. Ele se esforça, grita com os companheiros, chama a atenção do juiz, perde o fôlego, acaba com a elasticidade dos meiões e no final daquela confusão toda, o resultado no placar é sempre negativo? Pois bem. Aí vem o adversário e diz pra ele que: “Ele nû-kaganha uma pelada”. Pronto, Tá explicado meu leitor. Nû-kaganha!


Com neologismo, por favor.



Gilberto Granato

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

O poema do ano

Quatorze dias se passaram
E novamente os gametas se encontraram
Folículo maduro sabe o que faz
Expele o óvulo sem voltar atrás

Quatorze dias se agüentaram
E novamente os gametas se encontraram
Espermatozóide maduro sabe o que faz
Sai em retirada sem olhar pra trás.

O ponto de encontro o de sempre
A noitinha, à surdina,
Na trompa uterina.
Um zigoto!
Que Feliz, rindo á toa.
Não pestaneja a procura de um porto

E Fica lá vai,
Fica lá quietinho.
Até o dia da gente poder brincar juntinho
Quatorze dias se passaram...



Gilberto Granato será Pai pela segunda vez.

domingo, 13 de setembro de 2009

Santo

Não entendo muito de santo não. Confesso que nem deveria entrar neste assunto, mas depois de uma semana cheia de sintomas esquisitos de uma “gripeviróticabronquiatiticastrética”, pois é este o neologismo que encontrei para estas enfermidades que médicos também desconhecem. Que desta vez começaram em forma de uma força centrífuga atacando meus pulmões em direção ao centro da terra, depois indo pros rins e que subiram até a nuca, de onde resolveram ir mais adiante pra cabeça deixando-a totalmente febril e oca de idéias. Não meu leitor, não usarei este trocadilho barato para falar da história do “santo do pau oco”, ou este ensejo patológico, para dizer que fui salvo pelo intermédio de algum santo e que se fui, fico muito agradecido pela intervenção. Mas prefiro continuar leigo no assunto, que é sinônimo de “laico”, o contrário de “clérigo” (cristão que não pertencia a hierarquia da igreja) coincidentemente a ver com o que li na coluna do Veríssimo hoje. Mas vamos direto aos fatos.

Para o cristianismo, são santos todos aqueles que foram convertidos e salvos por Jesus Cristo. Em Igrejas como a Católica, a Ortodoxa e a Anglicana, pessoas reconhecidas por virtudes especiais podem receber oficialmente o título de Santo. Esse título é uma espécie de "certificado de garantia" de que a pessoa está na graça de Deus (no céu), mas a falta desse reconhecimento formal não significa necessariamente que o indivíduo não seja um santo. Prestou bem atenção neste parágrafo meu leitor? Se não releia, pois ele é fundamental para o seguimento.

Domingo de manhã é dia de pegar a motoca, comprar o jornal e seguir para o clube. Onde tem a pelada mais disputada da cidade. No caminho é de praxe passar pelas faixas de segurança, onde é de obrigação e boa vontade do condutor parar para a passagem de pedestres. Até aí tudo bem, só que quando passo em frente a Igreja bem na hora do fim da missa, todos cidadões e cidadãs que daquele antro de fé saem, atravessam as ruas por todos os lados possíveis, de preferência fora da faixa e de forma lenta meu leitor, bem lenta, como se ainda comungassem, não chegam se quer a olhar para os dois lados para ver se vem algum veículo. Alguns ficam a esperar seus cumpadres bem no meio da rua e você que não para não pra ver a cara feia!

Eles acham que são santos!



Gilberto Granato é ateu não praticante.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Sharapova

Fiquei alguns minutos a ver uma partida de tênis feminino. O jogo em si é bem ruim (com eufemismo, por favor). Mas o que mais me prendeu àquela perraria, foi a russa siberiana jogando. De vestidinho rosa-lilás com detalhes em verde, combinando com o chapeuzinho, dá pra ver que a produção ia além daquela gritaria toda pra lá e pra cá. Cara de menina, semblante de mulher, corpo transcontinental, olhar menchevique, cabelos loiros bem amarrados. Se fosse uma mais desprovida da beleza não dava o mesmo ibope, não tinha revolução. Não consegui ver o seu sorriso um só instante, o jogo estava difícil, suado, torcida contra, estádio lotado, apesar de ser adepto do “fair play” impossível não olhar para o levantar de sua sainha cor de rosa a procura do estreito de bering a cada saque, porisso abusou dos segundos serviços, sabe que tem audiência, só não contava com alguém vendo e escrevendo sobre isto daqui do interior do Brazil, onde não há quadra de tênis, não se toma vodka e as ruas são de terra.

Do outro lado uma americanazinha cara de barbie. Não sabe aonde fica a Rússia, menor de idade não liga pra audiência ainda. Devido a este fator, dispensarei meus comentários esdrúxulos, deixa ela entrar no ranking primeiro (sem duplo sentido por favor), aí eu analiso melhor. Fez questão de dificultar o jogo, torci pra ela, como é normal do ser de bem torcer pelo mais fraco. Mas a minha atenção era toda Prussa, ou melhor, Russa, apesar do grande território. Mas depois de vinte duplas faltas (coisa que nunca vi em uma partida), um monte de erro não forçado, passadas (de todo o tipo), winners de devolução a vontê e aquela cabeça baixa da derrota no final, a coisa muda meu leitor. O negócio fica bizantino, ou melhor, bizonho. Confesso que todo aquele meu entusiasmo russo do início de jogo, se esvaiu rapidamente com o seu fim, minhas costas quentes no sofá de tanto ver desacertos, dariam até pra derreter uma geleira siberiana.

Quer saber?

Aquele anônimo desprovido da beleza que inventou o termo “Beleza não é tudo”.


Tem razão.




Gilberto Granato é comunista, de vez em quando...

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Ei, você do futuro!

Olá meu leitor do futuro (se é que terei algum). Espero que você ainda leia e que José Saramago não tenha razão sobre o seu ensaio, pois tenho um argumento para esta crônica, mas só saberei se ele terá fundamento, se pudesse palpar a mecânica clássica para saber o que está por vir a uns dez anos adiante, que talvez não seja tanto tempo assim pra nós aqui do passado, mas pra você aí, lendo isto do seu minicomputador que sai do porta luvas do seu carro voador, já deve ta fazendo falta, basta se olhar no retrovisor se for mulher e para a barriga se não.

Você já deve estar sabendo quem ganhou três copas do mundo (vai que a argentina é penta!), das evoluções do aquecimento global, se Irã e Coréia do norte continuam planejando algo pitoresco para o planeta, de mais algum conflito tribal na África, se Chávez não larga o osso na Venezuela, se temos a primeira mulher imposta na presidência da república, se realmente choveu e melou o próximo feriado, se Michael Jackson foi realmente enterrado, se já inventaram um shampoo realmente bom pro cabelo, um carro mais inteligente, se o primeiro mundo continua mandando lixo em containeres pra nós, se Roger Federer ainda é o melhor, se a minha dor nas costas aumentou, isto é claro, caso você me conheça leitor do futuro. Ah! E por sinal o compact disc acabou?

A minha indagação é porque nesta semana o nosso atual presidente, parente dos cefalópodes, que você “meu amigo, minha amiga” de memória longa deve se lembrar, voltou ao passado e montou um palanque eleitoral em pleno planalto central, para eleger a sua candidata sucessora ao trono e avisar a todo o Brasilzão, que vão colocar a mão na herança dos dinossauros. Que dizem que acharam no fundo do oceano, e é um montão! È o tal do pré-sal, que deve estar nos livros aí do futuro como o “ciclo do petróleo brasileiro”. Que nesta semana do passado, para o cidadão desprovido que viu na TV e que não prestou bem a atenção nas coisas, pareceu que amanhã já vai ter petróleo jorrando das torneiras e que só será preciso adquirir uma canequinha de plástico (se o governo não der) para ter a sua parte. E que agora sim, vamos abandonar este negócio de sub,3º, “em desenvolvimento” e finalmente calçar as chuteiras e ir para a primeira divisão da economia mundial. Diz que vão fazer fundo social, investir em educação, saúde, moradia, no futuro veja só! Só esqueceram de avisar que é uma dinherama das boas pra furar o tal do pré-ludio salino (que deve ser aquele duro do churrasco), que esquenta demais pra furá, meche todo e tá bem longe da cloaca, se é que podemos comparar com um ovo no fiofó da galinha, como nosso presidente gosta. Além disto, ele quer rapidez na aprovação do legislativo, sendo que ninguém nunca viu o sujeito, só sabe que ele é preto?

Não sei não leitor do futuro.

Nosso passado ainda nos condena!



Arawãkanto’i Tapirapé

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Gente fina

Você sabe o que é ser gente fina? Pode ser aquela pessoa, magra, delgada, tísica, de cambiches finos e músculos poucos desenvolvidos, que pode passar na basculante da casa na falta da chave, que não disputa com você o braço da poltrona do avião (avião, pois é mais rápido e a maioria dos meus unitários leitores já andaram), que se adapta facilmente a um fila, no enquadramento da fotografia, ou leva fama por estar com o bolso cheio.

Já foi nome de novela, pode ser nome de bar, ou até de SPA. SPA não! Pode assustar os seus freqüentadores é intimidador demais. Mais para mim ela é apenas uma expressão, que ao meu ver, foi criada em uma sexta-feira em alguma esquina carioca, por algum cidadão que ao pedir a saideira, recebeu duas, sendo uma por conta da casa e disse: Esse cara é gente fina! Os gente finas só dizem sim, concordam com tudo, não julgam, no máximo dão a sua opinião, dormem bem no chão ou na rede, tanto faz a comida um pouco fria, não trapaceiam, não furam sinal, gostam de pagode e de rock, sorriem o tempo todo. São assim pelo menos em público. Mas é uma categoria em extinção, pois não é fácil se manter gente fina o tempo todo neste mundo hidrogenado do jeito que está.

Mas tem um cara que eu sei que é gente fina. Talvez vocês até o conheçam. Sempre que tomo meu banho e em seguida coloco as calças para ir ao meu primeiro trabalho. O dono que fabrica uma das calças, coloca um botão a mais perto do fechecler, futrica um pouco a cintura quando estou sem camisa, é bem verdade, mas pelo meu entendimento, é para no caso do sumiço do principal, tem ali o reserva prontinho, igualzinho, bem condicionado só esperando para atuar. Olha que beleza! Não é preciso nem ir a rua procurar um mais ou menos parecido, ele já esta ali sem você ter pedido nada.

Este dono de calça é gente fina!

Ainda tomo a saideira com ele.

Faço questão de pagar.



Gilberto Granato

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Depois do strogonoff... Filantropia!

O telefone toca. Estou com a escova de dentes na boca, após um belo strogonoff de frango de terça.

- Alô?
- Alô! Poderia falar com o dono da casa?
- Alô? (a escova me atrapalhou)
- Alô!!! Meu nome é Adriana. Tenho um convite especial para o dono ou a dona da casa.
- Alô? (Saquei que era ser humano não identificado. Dei de bobo)
- Alô! Meu nome é Adriana. Tenho um convite especial para o dono ou a dona da casa.
- Desliguei o telefone.
(Nunca fiz isto. Algo está mudando em mim)


Gilberto Granato

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Dia D

Tomei uma decisão irrevogável, assim como aquele abstruso senador de bigode. Pois dizem por aí, que quem avisa amigo é! Então tomei uma dura irrevogação: vou abandoná-la de vez! Sim, de uma vez por todas, vou até colocar no “twitter” (assim que eu descobrir aonde fica) pra todo mundo saber. Mas não se preocupe meu irretocável leitor, não falo da consorte, falo da internet mesmo, tô achando que ela isola demais os seres humanos e compromete por demais os senadores de bigode. Veja só esta história que me veio, mas que deve acontecer em algum lar que tenha um eletrodoméstico destes e três filhos. O pai chega em casa do ganha-pão, com fome e cansado de dar duro pra fazer e criar a filharada, Cumprimenta o filho mais velho, que em resposta emite um som indecifrável sem tirar os olhos da tela. O outro mais novo faz o mesmo, só que muito mais abreviado, pois está de olho na hora em que o irmão vai sair pra tomar água e dar o bote na telona. E a filha? Tá na casa da amiga. Fazendo o que? No disgramado. Diz que é para estudar. Mas tem dois “amigos de turma” no meio (frase com amizade tem sempre duplo sentido). Trágico não?

A luz para a minha irrevogabilidade, veio hoje pela manhã ao ver um programa matinal. Meus olhos encheram de esperança ao assistir a turma dos “Amigos de aluguel”, ou se quiser sofisticar o troço apenas “personal friends”. Pelo que eu entendi é o seguinte: Você contrata um da turma e ele vai ao seu encontro, só vale local público (é irrevogável!), você decide quantas horas vai ficar com seu novo “amigo” e paga por hora, para ele ser o seu grande camarada. E não é barato não! Ter um amigo destes custa dinheiro. Vai que você vicia no amigo? Tira dinheiro da poupança, vende a cadeira da varanda, a vaga no senado pra bancar o amigo? Pega emprestado com outro amigo não muito amigo, ou chega ao fundo do poço e pede para o amigo ser seu amigo de verdade e não cobrar mais nada! Aí acaba a amizade.

Mesmo assim, continuo irrevogável. Quero um amigo só pra abandonar este microprocessador individual, que insiste em me afastar da convivência e a comprometer as Vossas excelências. Na hora que me vier alguma idéia frouxa para mais uma crônica, eu prontamente ligo pro amigo... mas pera aí? É melhor amiga. Aqui é interior, pode pegar mal esse negócio de sair com nego do mesmo sexo que ninguém conhece... Mas vem cá? Se for uma mulhé, vão achar que eu tô querendo pular a cerca elétrica (antiga cerca). Tá difícil ter um amigo de aluguel. Todo mundo acha que sempre tem algo por traz de uma amizade (Só confirmando que frase com amigo tem sempre duplo sentido).

Quer saber? Deixa pra lá. O senador de bigode mostrou que este negócio de irrevogável não vale nada, tá fora de moda, que quem manda é o presidente. Posso voltar atrás da minha decisão. Só não esqueçam de falar com o Aurélio que já pode mudar o seu significado no dicionário.

Bom eram os tempos em que...

O dito era feito.

E Amigos eram amigos e os negócios eram à parte!


Gilberto Granato, conhece a onça, mas não é amigo dela.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Bucólico 2

Continuando o meu tratado de pureza. Fiquei a pensar o que poderia ser mais bucólico, do que bucólico: Uma constelação, um campo florido ou o senado federal dia de sexta. Foi aí que venho complementar o real significado desta palavra.

Como vocês devem se lembram do caso do boi. Recentemente alguns imigrantes das ilhas Guernsey, na Grã-bretanha começaram a tomar conta do quintal, lá daquela esquina aonde pratico minha principal atividade, vieram em um grupo de quatro, isto mesmo, quatro garnizés, que ficam a ciscar e a piar o dia todo. Tem um bonito de penacho tricolor e que deve ser o chefe da trupe, pois sempre que me aproximo ele levanta a crista a minha afronta, tem a fêmea que já deve estar preparando um ovo, a filha mais nova que deve estar doida por um quintal mais agitado e o mais novo que ainda não sabe de nada, presa fácil, não sei o que eles comem ali, mas vou levar uma canjica para fortalecer os laços.

E o gato? É, todo peludo, cinza, da cara grande, ficava na calçada, agora está na porta do meu estabelecimento, embaixo do cróton ou em cima do tapete de entrada. E que ultimamente tem dado boas demonstrações que o seu próximo passo e fazer uma visita mais íntima, para amolar as unhas nos sofás.

E o Pit bull? Ele mesmo. À noite (muito educadamente) para evitar alardes, sai da casa do vizinho e pula um belo muro para brincar no meu quintal, sendo que o quintal deles é umas três vezes maior que o meu, o que me intriga bastante. Como eu sei disto? Já arrancou as telhas em cima do muro e sempre deixa o número dois lá ao relento.

A arca já está pronta!

Noé cadê você?



Gilberto Granato, não tem medo de dilúvio.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

La salvación

Minha vida em São Gabriel da Cachoeira. Rio Içana. Lembrei. Boa lembrança. Eu, um médico, uma gaita e uma cabeça de capivara em decomposição, subindo a mata ainda virgem de uma política de saúde séria no alto rio negro. Estava muito bem equipado: com uma cartela de paracetamol faltando um comprimido e alguns buticões de duas décadas atrás. Era movido pela empolgação típica da inexperiência e pela vontade de fazer o bem. Trinta dias de suor e pium massacrando. No regresso o óbvio. A demanda voraz foi centena de vezes maior que a medicina do branco, que a minha vontade, que o meu tirocínio. Quiseram me enforcar. Este médico matuto me salvou. Foi me dado alguns rounds a mais. Teve até homenagem no final. Agora estou aqui.

Já a cabeça de capivara não.
Não agüentou a soda cáustica!


Gilberto Granato
(citando “morfeu” de médico de selva)

sábado, 15 de agosto de 2009

107

- Por favor, queira se identificar.
- Meu nome e Vinícius Amora. Vou ficar no apartamento de Cláudio Amora meu irmão por uns dias. (Cláudio não usava o apartamento há mais de dois anos, era jogador de futebol, hoje meia direita reserva do Galatasaray da Turquia)
- Jóia! O senhor Cláudio deixou avisado, a vaga de garagem é a 107.
(Vinícius entrou com o sua Pick up ford novinha, novinha)
- Putz! Não dá pra entrar é apertado demais!
(Vai até o porteiro, pede para interfonar para o 106 encostar melhor o carro)
- Ninguém atende não. Vou lá ajudar o senhor.
- Pode vir... mais pra cá... não, não pra cá!
- Pode ir mais?
- Mais um pouco... um pouco... tá bom!
- Dá pra passar aí do lado?
- Desfaz tudo, desfaz tudo!
- Tá bom?
- É...? Tá.
(vínícius antes de subir faz um bilhete cortês e deixa no para brisa do automóvel 106 e vai dormir)
(...)

È de manhã e ao chegar na vaga, encontra a dona do 106 em vestes de praia escrevendo no verso do bilhete deixado e colocando-o de volta ao para brisa de seu Ford.
- Bom dia!
- Opa! Que susto. Bom dia, eu só estava...
- Não, não tudo bem é que o carro é meio grande e fica difícil entrar nestas garagens de prédios.
- Você é novo morador?
- Não, só ficarei uns dias resolvendo assuntos familiares, por sinal sabe onde fica a corretora Henry?
- Sei sim, fica no final da praia, quer uma ajuda?
- Nossa, seria ótimo!
- Então vamos... no seu ou no meu?
- Você é quem sabe.
- Então vamos no seu.
(neste momento a senhora do 106 desamarra a canga, mostrando seu biquíni preto, bem moldado em sua pele morena acostumada ao sol e coloca um desses vestidos de praia elegantes mais apropriado para um passeio)
- Nossa tem até cheiro de novo seu ford?
- É, tá novinho.
- É 4 por 4?
- Acho que é.
- Nossa deve ser o máximo sair por aí neste carrão! Você quer jantar lá em casa hoje a noite?
- É que...
- Vou fazer uma comida especial, para um vizinho especial como você.
- Ó-ótimo, a que horas?
- As nove. Pode me deixar aqui. A corretora é logo ali em frente. Até mais tarde!
- até...
(...)

Vinícius chega às nove em ponto. Toca a campainha. A mulher do 106 abre a porta, ele olha direto para seu vestido, longo preto e transparente, onde era possível ver a marca de sol do biquíni por baixo, desencontrando com a marca da lingerie muito menor que o habitual.
- Vamos entrar?
- Va-vamos!
(o telefone de Vinícius toca)
- Ai meu Deus quem será a esta hora. Alô?
(A mulher observa atentamente a conversa)
- Tá ok, pode ser a número 32, é janela? É parador ou vai direto? Ótimo, obrigado.
- Você é tão engraçado, chamar avião de parador é uma...
- Não, não, é ônibus mesmo, tenho passagem marcada para daqui dois dias.
- Mas porque não vai no seu ford?
- Ele não é meu, aluguei na rodoviária tava com preços promocionais.
- Nossa que bom! Você tem o telefone desta empresa?
- Tenho claro, tá lá no carro.
- Será que não seria pedir muito você pegar pra mim, por favor, tenho uma amiga que iria adorar saber disto.
- Claro! Já volto.
(Vinicius voltou como uma flecha, tocou a campainha sete vezes e ninguém atendeu)



Gilberto Granato