domingo, 19 de outubro de 2008

São Gabriel da Cachoeira

Não tive como escapar. Quatro fatores me levaram a falar de São Gabriel. Primeiro que o Duda sempre escreve sobre lá no seu “crônicas da floresta”. Na semana passada li mais um artigo do Drauzio Varella que por lá sempre anda. O maior seqüestro da história do Brasil das meninas de Santo André –SP, que serviria de base para a minha crônica de hoje. Terminou de maneira trágica, então perdeu totalmente a graça. E já é mês de outubro e as águas do rio negro estão baixando desde o mês passado o que me deixou extremamente saudoso.

Quando lá cheguei pela primeira vez, sobrevoei aquele “mar verde” das florestas mais lindas, bem preservadas e intactas do planeta. Lá durante os anos que morei, nunca vi uma queimada, cerca de arame ou algum tipo de agricultura, que não fosse às roças principalmente de mandioca, feitas através da técnica rudimentar da coivara.

A primeira sensação que tive, foi a de calor intenso. Calor úmido, que te faz ficar ensopado o dia inteiro, como se estivesse em uma sauna úmida global. Esta quentura creio que só fazia bem mesmo ao organismo das palmeiras, que tomavam conta da paisagem. Fazendo-me lembrar de cidades praianas, não sei porque cargas d’água, lembrei de Miami, sendo que nunca estive lá. Esta receptiva mistura climática fez-me contrair uma inédita bronquite e a conhecer o hospital local, logo no primeiro dia.

De setembro a março. O rio negro, rio oligotrófico, de águas escuras devido a decomposição das folhas, ácido, empedrado, encachoeirado, cheio de redemoinhos, que nasce logo acima na Venezuela e forma a maior bacia de águas pretas do mundo. Entra em período de vazante e chega a descer 10 metros em relação ao maior período de cheia. E formam-se ao longo de seu percurso, milhares de praias virgens de areias brancas, destas que gritam, quando agente pisa pela primeira vez. Tornando-se um convite diário para um mergulho e depois sentar e ficar em silêncio observando os botos, os pássaros, o barulho do rio e as raras cadeias de montanhas, que se elevam, perante a planície amazônica,. Uma destas a emblemática “bela adormecida” (foto).

Que saudade do beiju, seja ele de tapioca ou de farinha, duro ou mole. Da farinha grossa feita dos vários tipos de mandioca brava, do aracu, da pirauba, da pirarara, do cacuri, da quinhãpira, da mujeca, da caldeirada, do xibé, da cucura, do tucumã, do tucupi, da xicória, do açaí feito na hora, do patauá, da bacaba, do ucuqui, do cubiu, do buriti, do murupi, do japurá, da carne de paca e caititu (não se espante lá não é crime é cadeia alimentar), da pupeca, da jiquitaia, da pupunha, do caxiri, do ipadu, daquele abacaxi doce como o mel, do muquiado, da samaúma,da lotação, da falta de luz, do conde, do jurucê, do jovaneli, da hollemback 3s, da voadeira, da larva migrans, da rede, do discman, do brega, das picadas de pium, do aroma do repelente, dos amigos, do neranha, da cerveja em lata, da carne em lata, da lingüiça calabresa, do tanaka, dos telhados de Karanã, dos centros comunitários, da ilha do sol, do morro da boa esperança, da palhocinha, dos igarapés, da lanterna, da barba grande por fazer...

A maior cidade indígena do País ainda está lá, com as suas quatro línguas oficiais ecoando pelas ruas da cidade. Com os seus crepúsculos coloridos e com suas rotineiras e refrescantes tempestades. O próprio Drauzio Varella já disse e concordo com ele: “Se antes de morrer me fosse concedido o privilégio da derradeira viagem, voltaria ao rio Negro mais uma vez. Viajaria de Manaus, rio acima, até São Gabriel da Cachoeira” e digo mais e por lá ficaria até que suas praias de areias brancas sumissem novamente.

E você kariua já foi lá? Não? Então tem que ir!.... Tem que ir!



Gilberto Granato.

SÃO GABRIEL ESTIVE LÁ...
(letra – G. Granato / música G.Granato e R. Toledo)



De andada pela rua é segunda-feira
E na calçada do comércio começo a lembrar
Que um povo milenar continua na espreita
E quem cuida da vida alheia
Da sua não pode cuidar


No Graciliano as ruas sempre cheias
E velhos automóveis estão a rodar
Muquiados, beijus e tb pimenteiras
Dabarú, areial serão seu lugar
Suas trilhas emburacadas, cheias de areia
E o povo recém chegado começa a lutar


Êta povo feliz que passa o dia inteiro sem se preocupar
Êta calor danado nas`águas do rio negro vou me refrescar


Fim de semana é uma beleza
E quem mora na aldeia pode chegar
De canoa, de rabeta ou de voadeira
Vendendo peixe, visitando parente
Correndo na praia em todo lugar


Êta povo feliz que passa o dia inteiro sem se preocupar
Êta calor danado nas`águas do rio negro vou me refrescar


Em três estrofes não dá pra contar
A cultura e a riqueza deste lugar!!!

Um comentário:

Unknown disse...

Ê que saudade deste lugar, se pudesse voltaria a morar lá!!
Bela música Kariua! Hollemback 3s never die!!!
O que aconteceu em São Gabriel? Sequestro?! Mentira! Lá não tem nem roubo de galinha, somente suicídios.
Gil, faz um blog clone do seu no terra blog. Lá tem um ícone de estatísticas que controla o acesso e vc fica sabendo a quantidade de pessoas que acessaram o seu Blog no período., Somente nas duas semanas que abri um blog lá, mais de 70 acessos foram feitos. Serve também como incentivo que mais alguém além de vc está lendo suas crònicas.
Um abraço....