quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Há tempo

Pra tudo nesta vida. Pensei isto, depois que uma amiga daqui do interior, fez suas malas e partiu pra floresta chuvosa. Foi trabalhar com os índios. Assim como fiz há uns anos atrás. A vida como ela é. Cheia de orifícios por onde vazam os que são mais delgados. Há tempo pra tudo: pra andar de cuecas no calor, pingar soro nos narizes dos guris por causa da secura, pra achar que agente é esmerado quando neva em alguma cidade do sul, ou pra levantar tudo por causa da enchente. E sempre assim. Pauta de matéria pronta pra qualquer jornal iniciando. Tá na Bíblia: “há tempo de nascer e morrer, há tempo de chorar e tempo de rir, há tempo de buscar e tempo de perder, tempo de guerra e tempo de paz...”. Já houve até tempo de reforma agrária neste país, hoje vivemos o tempo do bolsa família. Há quem acredite que o destino manda no tempo, e há os outros. Rebeldes sem causa, logicamente. Há tempo pra descer no escorrega, tomar o primeiro porre, casar e ter filhos, e depois aí sim, fazer tudo novamente, não necessariamente na mesma ordem. O tempo melhora ou piora as coisas, mastiga os segundos e rima com o esquecimento. O problema do negócio do tempo é não acertar o tempo. Igual a jogada de vôlei saca? Cê pula e quando vai ver a bola já foi. Diz que vai dar sol com pouca nuvem e na hora de estender a toalha começa a relampear no horizonte. Ceticismo puro. Quem anda fora do tempo é sujeito passional, a toda hora procura a máquina do tempo pra se lançar fora desta série interrupta e eterna de instantes, que é o tempo. Tem que estocar munição pras batalhas, pros embargos, pra bater boca com os imperialistas. Vai virar gênio (depois de morto) e vai estar sempre refletindo se seguiu a rota certa, olhando os mapas, consultando a bússola do tempo.

Não perca tempo.



Gilberto Granato, é filósofo fora de tempo.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O Humano ser

O ser humano. Que tal? A única espécie conhecida capaz de criar o fogo, cozinhar seus alimentos, vestir-se, além de utilizar várias outras tecnologias. Só se esqueceram do pão com ovo. Pois o ser humano é o único que come pão com ovo.

- E aí gosta de pão com ovo?
- Assim, só o pão com o ovo?
- Isto mesmo. O pão é o ovo apenas.
- Como não. Com a geminha mole...
- Com a geminha mole é bão! Mas ela dura também tem seu valor.
- De qualquer jeito é bom. pão e ovo é casamento perfeito.
- Se é.
(...)
- Mas pera aí! Um pão com ovo e uma rodela de tomate com alface no meio fica divino!
- Nossa nem me fala, um pepininho...
- milho verde.
- Palmito bem fininho.
- E o queijo? Uma fatia de mussarela.
- Uma não, duas e derretida.
- Com cebola fininha!
- Batata palha torradinha!
- E aquela carninha que sobra do almoço?
- tem seu lugar no pão com ovo.
- Bacon?
- em rodelas.
- Um presuntinho defumado...
- De peru é mais gostoso
- É. Pão com ovo é uma delicia!
- Nem me fala.

(Também é a única espécie que não se contenta com pouco)


Arawakanto’i tapirapé, já comeu ovo de tartaruga.

domingo, 8 de agosto de 2010

Bem que podia

Estava de chinelos. Dedos sujos à mostra, sujo mesmo! Daquele jeito em que ao redor das unhas fica tudo preto. Não deve sair mais não, só com especialista no negócio. Era visível que o chinelo não dava conta de manter a extremidade dos membros daquele animal terrestre limpa. Digo animal com eufemismo, por favor, pois o homem de chinelos e dedo sujo foi o que bateu no meu carro. Logo eu, que ando na linha, ou melhor, entre elas, sempre com o farol aceso, cinto, olho nos retrovisores e nos cruzamentos e prestes a chegar ao meu objetivo intacto: a capital. Pois foi em uma inofensiva reta, sem ninguém na minha frente, ouvindo um rock dos bons, que veio da minha direita este assombrado mamífero, forçando tarso, metatarso e aqueles dedos do pé sórdidos contra o acelerador de seu carro, vindo a colidir com a lateral do meu, susto meu leitor, dá um susto. A sorte, se é que podemos dizer assim. É que pegou principalmente no pneu, o que ajudou a repelir o bagaceiro chinelão e a não ferir por demais a lataria. Fomos a Polícia rodoviária federal fazer o BO (boletim de ocorrência) e o cidadão depois foi embora, sem pedir desculpas e sem a polícia federal o multar por dirigir sem calçado e ainda por cima com aquele tipo de pé.

Depois da demora. Esperando um sinal abrir exatamente em frente á sede da prefeitura municipal. Notei que entre os fios de eletricidade da rua encontrava-se um par de tênis amarrado pelos cardaços, um no outro, em uma altura inatingível nem pelo ser humano mais alto deste planeta. Fiquei a pensar o motivo que levou aquele par de tênis, em bom estado, diga-se de passagem, a visitar a fiação: O seu dono andava pela rua e... uma gangue violenta passa por ele e o derruba, dá uns cascudos na sua cabeça, chama ele de um monte de palavrão cabeludo, deixa-o de cuecas (furada por sinal) e no final tira o seu par de tênis que ele gostava tanto e joga na fiação só de sacanagem, pro cidadão ficar ali, descalço, de cueca furada, pensando no que fazer da vida...

Bem que podia meu leitor,

Bem que podia ser o tênis daquele barbeiro de pés sujos que bateu em mim

Bem que podia.



Gilberto Granato

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Joelho

Ah joelho arteiro
Que em mais uma jogada
Fez-me refém por inteiro
Eu sei amistoso joelho é falta de zelo
É arranca rabo antigo
Do seu fêmur e a dona tíbia
Um estalido certeiro.
E vão se embora os sentimentos,
Os ligamentos, os cruzamentos...
Ficam os ressentimentos

O joelho arteiro, quando arteiro.
Tira-nos das quatro linhas
Nas mãos dos companheiros
Leva-nos ao parquinho com os filhos
Estreita a relação entre o homem e os patos
Flexiona-nos ao boteco aos domingos
Faz-nos ler com calma o caderno de economia
E a procurar aulas de inglês
E assim diminuir o risco
De importunar mais uma vez o menisco

Até que chega a hora, a melhora.
Volta a flexão, a extensão,
Só lembranças remotas da contusão
Pobre desilusão.
Que agora sim vai chorar as mágoas
Nos receituários dos médicos
Nas mãos frias das fisioterapeutas
E nas lembranças daquele tempo
Em que dor de joelho era coisa de gente mais velha
Que nem sabia o que era patela.


Gilberto Granato, torceu o joelho pela terceira vez.