quinta-feira, 9 de outubro de 2008

A Kombi branca

O relógio do vídeo cassete quatro cabeças já marcava meia noite e olha que geralmente ele fica sempre cinco minutos atrasado. Acho que ficou assim depois das mudanças de fuso horário da região norte para sudeste, além do horário de verão, que nos faz quebrar suas cabeças. Mas hora a parte, achei que também já era hora de parar de assistir aos comentários de técnicos e jogadores no vestiário, após o fim das partidas de futebol da quarta-feira, para ir me deitar e aproveitar uma boa noite de sono ouvindo o ronco gravídico da minha esposa e a cantiga de ninar da chuva fina que caia lá fora.

Levantei-me e fui fechar as persianas, quando notei que lá embaixo na esquina subia uma Kombi, isto mesmo, a clássica Kombi branca. Há quanto tempo não via uma. Um carro que nasceu na bossa nova, foi protagonista do movimento hippie dos anos 60, viveu os anos da ditadura e agora estava ali subindo o morro da formiga embaixo de uma chuva, já depois da hora do lobisomem?

Fiquei a observar por entre as frestas da persiana o subir do “pão de forma”. Aqui em frente é o trecho mais ingrime desta jornada e quem não tem muito costume neste terreno, joga a destreza e as esperanças todas no acelerador. Ele vinha bem, veloz, imponente, majestoso, histórico mas não contava com um “quebra água” pelo caminho, isto mesmo, nas cidades de asfalto tem os “quebra molas” para conter os carros, aqui no morro tem o “quebra água” para conter as águas da chuva. E foi nesta passagem, que desacelerou. E em vez de parar e calmamente continuar sua missão, acelerou mais ainda e ferozmente, o que o fez patinar, acordar a cadela e a prender minha atenção.

Começou a partir daí uma série de barbeiragens, que culminaram com o seu deslizamento até a vala do meio fio oposto, cheia de destroços de construção. Pronto, o carro não saiu mais, o motor foi desligado e rapidamente saiu o motorista, um jovem senhor, bem trajado, aparentou estar voltando de alguma reunião, culto ou festa. Foi respeitosamente até a traseira do carro e começou a colocar objetos embaixo do pneu. Na escuridão, no lado do carona observei que um vulto de cabelo volumoso a toda hora olhava preocupada em minha direção (é maneira de dizer eu estava camuflado) e então caiu a ficha.

O morro da formiga, além de pouco habitado e pouco urbanizado, é muito freqüentado pelos bovinos atrás de pasto, pelos incansáveis pipeiros e pelos amantes da cidade. Não aqueles que amam seu município, mas sim, por aqueles que amam amar, não amar no sentido de bom coração, mas no sentido mais animal da palavra, ou seja: copular, ligar, unir, acasalar, ter cópula...

E quem sobe o calvário não são casais da categoria casados. Estes a meia noite de uma quarta-feira vão para casa e dormem, são outros, das categorias: iniciantes e amantes. E estes davam toda a pinta de serem da segundona, ou melhor, da segunda divisão da cópula. A mulher não descia e demonstrava inquietação, o homem estava nervoso, apressado e preocupado e já era pra lá de meia noite. Estes que sobem correndo acelerando então, são os que têm mais culpa no cartório, não querem deixar pistas. Porém, as deixam todas lá em cima: seus DNA’s nos bicos das garrafas d’água e de cerveja, nos lenços de papel e nas camisas de Vênus, despreocupados, porém prevenidos, não sabem cometer uma cópula sem deixarem pistas.

Já os da categoria iniciantes, se normalmente não se preocupam nem com o dia de amanhã, imagina com as primeiras adesões físicas? Já vi subirem a pé. O rapaz vai na frente e a menina vai depois “despistando”, sobem de moto, bicicleta, carro do pai com as janelas abertas e encarando, do tipo: Não posso copular não? E só aceleram quando o tempo é curto ou a testosterona impulsiona os músculos também da perna.

Depois de alguns minutos de tentativas e literalmente conseguir sair da vala. O senhor com pinta de pastor entrou no carro novamente e o episódio por si só, foi suficiente para desanimar o casal, afinal de contas, foi muita orgia para uma noite, ou melhor, uma meia noite. E de ré a Kombi desceu até a esquina e partiu em retirada, assim como um espermatozóide que não encontra o óvulo ou um pólen que não encontra o carpelo.

Realmente, a Wolksvagen tem a razão. A Kombi é o veículo mais trabalhador da história!



Gilberto Granato

Um comentário:

Unknown disse...

Quer dizer que o morro da formiga é a praça do Papa de Castelo? Dá até para fazer uns vídeos e colocar no you tube!!! rsrsrsrsr!