domingo, 27 de dezembro de 2009

Retrospectiva 2009

Relembra aí meu leitor. O que aconteceu de marcante neste ano? Será que foi a crise financeira mundial que começou lá nas terras do Obama, primeiro presidente negro Yankee? A gripe suína e sua interrogação? As falcatruas do senado e do governo de Brasília? A morte do rei do pop Michael Jackson? Aquele golaço do Diego Souza do palmeiras de primeira no meio de campo? O início, meio e fim do complexo de inferioridade com as olimpíadas do Rio 2016? A cantora da jovem guarda Vanusa cantando de forma anti-patriótica o hino nacional? A reação épica do Fluminense que já tinha 99% de chances de rebaixamento? Não lembra mais nada não? Deu blecaute? Pois é deu também.

Na verdade, o fato marcante do ano aconteceu aqui em casa. E agora te conto. Foi bem na casinha de pássaros feita de galhos de café que comprei lá em Linhares, que fica no quintal, de onde sempre esperei a hospedagem de algum passarinho qualquer. Mas que nunca foi efetuada realmente. Provavelmente porque é um local de risco. Pois aqui tem um gato predador, uma cadela esbaforida e nós, que inventamos a gaiola. Seria difícil algum voador desabrigado querer passar por tantos riscos, sendo que não lhes faltam telhas ocas por aí para um ninho. Tanto que fiz uma reforma de expansão para colocar canjica e água, e assim pelo menos, poder observá-los todos os dias.

No fim de ano, já notei que é a época em que os canários vão procurar um abrigo para colocar seus ovos. Então é normal que a canjica que coloco todos os dias, seja menos apreciada neste período, já que eles têm mais o que fazer; E nem filhote de canário e nem eu comem a derivada do milho. Mas tudo bem, tem as rolinhas mal educadas, que comem por elas, por eles e por mim. Mas estranhamente, notei que até mesmo elas estavam sumidas, ainda sei pouco sobre a vida delas, só sei que são parentes dos pombos, mas desvaneceram-se. Será que era o fim da minha casinha de pássaros? Que nada. Foi quando notei que um casal de canários diariamente levava fios e mais fios para dentro do buraco. Devem ter inteligentemente passado anos estudando o nosso comportamento, para só agora resolverem prospera ali. Passavam o dia todo a espantar outros pássaros e a buscar gravetos e palhas. Tinham a canjica e água toda deles. Que fiz questão de só colocar, nos raros momentos em que não estivessem por ali, a fim de não incomodá-los, tive medo que mudassem de idéia. Mantive o gato bem alimentado, a cadela na coleira, e minha curiosidade de lado, pois seria a prova de que onde moro é um lugar seguro, confiável, cosmopolita meu leitor.

Não demorou muito, e percebi que só ficava a fêmea de tonalidade mais escura a noite sozinha no ninho. Era óbvio, já devia ter colocado os ovos, estava chocando. Só aí, em um momento oportuno, fui dar uma espiada pelo buraco e dei de bico com três ovos, que beleza! Mais um tempo e notei que ela não vinha mais à noite, mais uma espiada e... Lá estavam três filhotes de olhos bem fechados. Os pais atenciosos passavam o dia a caçar e a trazer insetos para saciar a fome de existência deles. Foram ficando grandes, os gritos por comida mais altivos, o gato começou a sacar que ali teria um fast-food, a cadela algo para seu amadorismo e eu prevendo um fim trágico. Seriam presas simples no primeiro assomo. Que nada. Dia destes notei que um dos pequenos canários saia de sua toca e olhava o céu. Aproximei-me. Era chegada a hora da doce partida, um breve vôo e uma aterrissagem segura no mato sob a supervisão cuidadosa dos pais e pronto, não interferi, o gato também não, de barriga cheia e sem o risco dos churrasqueiros de esquinas, dormia, a cadela sem o perigo da carrocinha, só espiava. Fui observar se os outros ainda estavam lá dentro e só aí percebi que estava presenciando a partida do último dos irmãos. O fim do ciclo. Agora posso dizer que a partir deste ano...

Minha casa também é dos pássaros.

Feliz 2010!



Gilberto Granato, já teve periquitos.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Ivete sanghalo

Recordei meu leitor. Recordei. Do dia em que estava em uma festa, que já transcendia a noite que lhe é peculiar. Era estudante deste meu primeiro ofício. Devia estar com aquela expressão de quem troca as férias nas montanhas frias, pelo carnaval nas ruas de Olinda. E como bom folião, estava à procura de uma fêmea que me completasse, não por completo como as consortes, mas que resolvesse a situação por hora e sem pagar, pois o dinheiro era curto! Nunca fui de avançar no sexo oposto. Sempre esperei a hora certa. Que quase sempre era a errada. A fêmea se cansava, ia embora por causa da carona, ou só pra me ver arrependido atendia aos apelos de algum rival qualquer. Sempre foi assim, primeiro vinham os amigos, depois as “amigas”...

Neste dia fui premiado. Coisa que não acontece todo dia, como todo apostador sabe. Na minha escola tinha uma menina, ou melhor, mulher, mulherão! E que mulherão! Tinha semelhanças físicas com a cantora aí do título, mas tirando a fama de lado, era superior em qualquer quesito da beleza coloquial. Alta, cabelos morenos, pernas torneadas, os amigos a chamavam nos bastidores carinhosamente de “cavala”, pois é, uma cavalona! Bundona, seios fartos e intumescidos, que abrigavam os sonhos de milhões. Boca carnuda, cílios avantajados, um templo da perdição, um maracanã lotado, uma pororoca estrondosa que fazia barulho em qualquer canto que chegasse. Inatingível!... Era destas difíceis, difícil mesmo! E que tinha um defeito, a sua preferência amorosa. Geralmente por nanicos de cabelinho cortado toda semana, que andavam em carros da moda rebaixado, metido a brigões, que ficavam de vigília e com os pais dando condições para um ótimo presente depois de uma briguinha boba.

Mas sempre achei nesta vida, que mulher gosta mesmo são dos homens que são homens, ou como já disse em outra crônica do “omi que é omi”, que fica com a barba grande, que toma todas com os amigos e se esquece delas, que é capaz de surpreendê-las com algo que elas nunca esperariam, sem precisar usar o cartão de crédito. E que as façam sair da rotina de vez em quando, bem diferente, destes que tem por aí... Mulher gosta mesmo é do Paraguaio Legítimo! Pronto é esta a definição, Paraguaio Legítimo. Mas voltando ao desfecho da história. Meus olhos bateram certinho com os da Ivete, até aí tudo bem, o pior foi que os dela brilharam no meu, meu leitor. Sinal verde, coração acelerado, tambores em ação! Era o dia do triunfo, a maior volta ao mundo já dada, o golaço no ângulo na prorrogação. Fui até sua direção, tava tudo certo, alvará, passaporte, saco de dormir. Não precisaria nem falar nada, que nem cinema mudo, era só chegar e beijar a mocinha cavalona e seus lábios carnudos. Mas aí apareceu o vilão... O nanico que de longe vigiava a tudo. Era o “ex” dela, ferido, chorando, rastejando, com as asas quebradas. Acabou o clima. Ficou para uma próxima reencarnação.

Voltei para beber com os amigos.

Poderia estar ferido, rastejando, com as asas quebradas por aí...

Foi um bom resultado.



Gilberto Granato

domingo, 13 de dezembro de 2009

Omi que é omi (continuación)

Tem crônica que vem até você. Aparece igual aquelas assombrações do passado na fila de hortifruti ou no check in do avião. Estou ouvindo os chamados desesperados e indecifráveis em duas sílabas. A primeira era a tônica, que dava pra entender o Á..., a segunda esforcei-me, mas era impossível. Podia ser Dario, Mario, Malcom... Sei lá, não importa (vai que o vizinho é meu leitor). Só sei que os chamados foram se tornado mais avigorarados, insistentes, chegando ao melodrama. Sem ver, percebi que se anunciava um roteiro trágico da vida entre os sexos.

Os berros agora deixavam as duas sílabas bem tônicas e se tornavam mais freqüentes. A moça estava prestes a ter um “piti”, teria que fazer alguma coisa e logo. O tal sujeito meu vizinho de duas sílabas, fingia que não era com ele. Estava no seu quintal ouvindo música caipira (que mais tarde estranhamente viraria racionais). Lembrei do caso do “Pedro me dá meu chip!” que fez sucesso recentemente na internet, pensei em pegar uma câmera, mas vendo que a consorte já preparava uma ação instintiva, adiantei-me e fui até a rua ver o que era. Ao chegar encontro uma bela moçoila, morena, magra, com as “coisas em ordem”. Devia ter passado a pouco pelos ritos de passagem da juventude. E vendo sua aflição dei a pior sugestão possível que alguém sã poderia dar: Pula o muro! Ela espantada retrucou-me: Não posso, tem cachorro. Eu mais estupidamente ainda falei que o som lá atrás estava alto, porisso não devia ouvir os seus sussurros (com eufemismo, por favor). Pronto, pra que. A pequena se pôs a chorar. Chorar lágrimas e mais lágrimas da inocência e obviamente confidenciou-me: Ele não quer falar comigo! Calei-me. Já tinha ido longe demais com a minha psicologia tapa buracos.

Fui à rua comprar duas cervejas pra mim e angu com molho para o meu passarinho que dormia. Na volta, lá sentadinha, ainda se encontrava a pequena Potira. Agora mudando a tática, quietinha igual felina esperando para dar o bote. Omi que é omi da espécie solteiro, numa ocasião dessas chamaria a pequena para um “chazinho” e daria uns bons conselhos tapa buracos. Mas omi que é omi tipo eu, corre em direção ao controle remoto, seu porto seguro.

Um tempo passou e molhando as plantas ressequidas pelo “El nino”. Notei que Ximbinha insistentemente latia, fui averiguar e surpreendentemente vi a bela mulatinha descendo a ladeira. Só lhe faltavam os saltos altos e a purpurina, para explodir o repique e abrir um belo desfile de samba. Descia conformada, ou talvez pensando em algo mais maquiavélico para mais tarde. Fitou-me e educadamente pediu desculpas bem assim: Desculpa moço! Meiguice da fase. E foi embora como se nunca tivesse chorado ou se decepcionado com uma paixão desproporcional. Pois mal sabia ela que as rugas e as dores do amor ainda estariam por vir... Pois sabe como é...

Tem coisa que “Omi que é omi” não muda muito não.



Gilberto Granato.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Omi que é Omi

Pegando carona no Veríssimo. Resolvi fazer uma reciclagem do “Omi”. Não que eu seja um renascentista, estudioso no assunto ou boiola (nada contra eles). Mas foi a única idéia que me veio. O mini-tratado não é sobre aquele macho de bigode, que não trocava as cuecas, fazia sexo no escuro e depois só pegava os filhos no colo depois dos seis meses. Falo do “omi” deste século, que mudou, menos que o clima, mas mudou. Anda por aí de sandália, peito raspado e orelha furada, opa! Peraí, este de orelha furada, se não for cantor de rock, não é omi não. Omi que é omi tem tatuagem, mas depois dos trinta já se arrepende. Omi que é omi não tem medo de lobisomem, peraí! Isto aí é outra história, desculpe. Pois o Omi que é omi tem vontade de quebrar o carro do secretário da prefeitura com uma bordunada, mas não faz, fica só na vontade. Omi que é omi continua com o instinto selvagem apurado, tá sempre de olho e no cheiro das fêmeas que passam pra lá e pra cá, mas prefere a vida calma com a consorte e filhos. Omi que é omi não falha com os amigos em hipótese alguma (a não ser que eles falhem por demais com você), não toma sopa, não pede pra fazer, faz. Pede desculpa quando erra (o português também), só corta a unha do pé, quando a mulhé aterrorizada com o tamanho da queratina esbraveja.

Omi que é omi, não faz dieta, nem toma refrigerante com gosto de dipirona sódica, come o miolo do pão e toma cerveja, ou melhor, adora uma cerveja gelada. Omi que é omi tem vidro de perfume em casa, que dura anos, pois só passa em ocasiões especialíssimas, que dificilmente acontecem. Omi que é omi joga bola, se não joga é porque tem problema no joelho, tá perdoado. Usa a camisa do time mesmo quando perde. Omi que é omi vai de sunga “tom pastel” pra praia (o que vai de short é o macho de bigode do passado e o que vai com a colorida é o boiola). Omi que é omi, não tem twiter, orkut... no máximo um blog sem muitos adeptos e sem dados pessoais. Omi que é omi manda no cachorro, no controle remoto e só deixa a mulhé mandar na casa, que é pra não arrumar atrito. Pois omi que é omi, não gosta de confusão. Omi que é omi entende de política. Os que falam que político é tudo igual e não assistem nem jornal na TV, não são omi, são os ignorantes mesmo. Omi que é omi, não passa da meia-noite fora de casa (e não tem nada a ver com o lobisomem). Omi que é omi, quando tá calor, dorme no colchão e quando é pra ver fotos, vê duas no máximo e se dá por satisfeito. Omi que é omi verifica se a casa tá fechada, não lê horóscopo (a não ser que seja por motivos literários) e não mergulha na piscina tampando o nariz. Omi que é omi já morou na floresta, cagou no mato, tomou banho de rio e dormiu na rede. Omi que é omi não fala mais de um minuto no telefone (só fala a mais quando é a Mãe). Omi que é omi não deixa mais a toalha jogada, pendura pelo menos no box, deixa os chinelos juntos (não tem nada a ver com a Mãe morrer) e não deixa as roupas no chão, agora joga-as na área de serviço. Omi que é omi serve o suco pra família na hora do almoço, não derruba mais árvores (esses que fazem também são da classe dos ignorantes), tira a camisa no calor (mesmo sendo gordo). Omi que é omi, não dirige mais depois que bebe (a mulhé já sabe dirigir pra ele).

Omi que é omi, tá por aí. Em constante evolução. Se você esbarrar com um “Omi que é omi” na rua, pode cumprimentar, ele vai franzir a testa e balançar a cabeça positivamente em sinal de resposta. Agora se ele fechar a cara e fizer de conta que não foi com ele, desanima não.

Omi que é omi á assim mesmo.



Gilberto Granato, é omi.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Ecólougos

Arnaldo apenas descansava. Solitário, igual à delegação do Irã em assembléia da ONU. Debaixo de um frondoso e florido Flamboyant em uma praça retirada. Entrara de férias, após um ano de muitas horas extras e reclamações sem fundamento. Fez o que queria. Repousar sob a copa de uma grande árvore para ler um livro. Não tinha hábito de leitura, mas pretendia começar, mesmo já tendo passado quarenta anos sem ler um prefácio se quer. Foi a uma biblioteca, perguntou quais eram os mais locados e escolheu pelo título que mais lhe despertou a atenção. Agora, repousando a cabeça no caule, estava pleno, mesmo não tendo passado da página dez do “Quincas Borba” a mais de uma hora. Não importava. Ele queria fazer aquilo e tinha conseguido, mas estranhamente notara a vigília de um estranho...

Que de hora em hora, passava próximo a praça. Olhava de longe para Arnaldo, coçava a cabeça, ás vezes a orelha e saia novamente em disparada com fumaça pelos cabelos. Passado alguns minutos com a repetição da cena, Arnaldo abandonou definitivamente a página 12, pois a concentração já tinha se esvaído pelas raízes dos pés e lixiviado o solo, com aquela importuna e angustiante presença misteriosa. Pôs-se então, apenas a contemplar a árvore, sua sombra, seus arbustos, as volumosas e imponentes raízes, divertia-se com o chocalhar das vagens cheias de sementes que depois de muito tempo caiam no chão e como uma criança, contava a queda das majestosas flores vermelho-alaranjadas daquele ermo descendente africano. Voluptuosidade pura.

O enigmático homem da cabeça enfumaçada, mais uma vez surgiu. E desta vez não se contentou em apenas observar aquela cena lúdica e partiu a grandes passos em direção ao Flamboyant, ou melhor, Arnaldo. Que de olhos esbugalhados, apenas encurvou-se levemente e sentou-se esperando pelo pior. Poderia ser um louco, um assaltante, uma dívida esquecida, um marido traído confuso? Colocou o livro como escudo e começou a lançar pedidos de ajuda divinos. O invasor ao chegar, estranhamente ficou a dar voltas na árvore sem tirar os olhos de sua presa, ou melhor, Arnaldo. Depois de alguns minutos de estudo e de observações mútuas, um silêncio angustiante pairou e o estranho ofegantemente proferiu as seguintes palavras em voz alta, muita alta, um berro pra dizer a verdade...

Seu aproveitador da natureza!

E correu, correu muito pra dizer a verdade.

(Arnaldo vendeu as férias)



Gilberto Granato

domingo, 6 de dezembro de 2009

1/3

A vida é um terço!
Você dá dois.
Sobra um terço.
Você dá mais que a metade
E recebe menos que 50%
Coloca o sinal de igual e fica no negativo
Menos de um terço.

Pode ter sido erro de cálculo.
Calcula de novo,
Vai,
Repensa,
Desconsidera,
Pensa no criador,
Mesmo assim você fica com um terço na mão.
Não tem jeito
Você é assim mesmo,
Sua Mãe é assim
Igual a você
Ela mudou,
Você ainda não.
Preciso de dois terços
Pagasse bem!


Gilberto Granato.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Receita da felicidade

Para a massa:

- muda de coqueiro anão
- Esterco de curral bem curtido
- cloreto de potássio
- Pá de jardim
- vontade (à vontade)

Para o recheio:

- 1 Facão
- 1 filho (ou mais)
- 1 sobrinha (ou mais)
- A parte do freezer da geladeira
- 1 jarro de vidro

Modo de preparo:

Em local bem escolhido (de preferência que receba o sol e a chuva) faça uma generosa cova. Acrescente o esterco e o cloreto de potássio junto a terra e coloque a muda de coco anão no local, deixando sua haste para fora. Molhe abundantemente. Reserve e aguarde quatro anos. Passado o tempo, retire três frutos já maduros do pé e abra uma tampa no terço inferior com o facão, tenha cuidado com os dedos (neste momento seu filho e a sobrinha acompanham a tudo admirados). Coloque o sumo dos cocos na jarra de vidro e deixe no freezer uma hora. Enquanto isto encha a piscina portátil com a mangueira e brinque com os guris até que cansem bastante. Depois chame também a empregada para o “gran finale” e sirva aquela água de coco doce, gelada, refrescante que você mesmo plantou no quintal.


Gilberto Granato

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A era do bronze

Tenho um peculiar habito. De anotar tudo em papéis. Inclusive os filmes, discos e livros que me interessam. Vou colocando cada achado no seu devido papelzinho. À medida que o pedaço de A4 vai ficando pequeno e a grafia começa a virar um hierógrifo incompreensível, escrevo em outro e subtraio aquilo que já fiz, li, ouvi ou assisti. Desta forma não fico refém da memória e do esquecimento. Posso dormir tranqüilo, sabendo que tenho a possibilidade de imortalizar tudo que está grifado, assim como os que pensaram isto há 4000 anos antes de cristo.

Tinha uma carteira. E nela além dos documentos, ficavam meus papeizinhos. Nunca teve dinheiro. Carteira sem dinheiro se não for de couro legítimo, perde valor, começa a dar bolor. E foi isto que aconteceu: bolor. Agora sou um homem sem carteira, sem dinheiro, mas com meus papeizinhos, minha riqueza, meu espólio. Passei todos para uma gaveta ampla. Que começou a ter suas terras invadidas pela agenda da consorte, o santo expedito, os carnês do FGTS, as consultas do pediatra do meu filho e por último uma bandeja de fibra lotada de chaves (como existem portas na minha vida), que começou progressivamente a querer ficar em cima deles. Pestanejei! Já era demais. O perigo do sumiço era eminente. A única alternativa democraticamente imposta foi uma pasta transparente de elástico, tipo estas de escola, que foi colocada lá no fundinho, quase caindo naquele abismo que fica atrás das gavetas, onde dizem que há um monstrengo e os que ali caem, só são resgatados se tiverem muita sorte, ou melhor, limpeza. É difícil para um homem já depois dos trinta abrir uma pasta destas, o elástico e algo melhor manejado pelas mulheres, mas aceitei. O bom marido aceita tudo, tudinho, pois a próxima alternativa seria fatalmente os bolsos das bermudas, que perigosamente vivem sobre constante risco de inundação. Pra completar, esta semana uma calculadora chinesa e um pote de moedas resolveram ficar permanentemente de vigília em cima dela, evitando qualquer tipo de visita íntima.

È o século vinte e um meu leitor. Primeiro são os papeizinhos, depois te levam a carteira, o dinheiro, a moedinha de um centavo, o cartão, a toalha felpuda, o lugar na mesa, a outra metade da cama, as duas fatias do pão, o carro, a casa, o gato...

Inércia masculina!

Bem diferente de 4000 a.c.



Gilberto Granato, ainda é conjuminado.