terça-feira, 25 de novembro de 2008

A carta

Chegou uma carta na minha casa.

Fiquei desconfiado de início. Hoje ninguém manda mais carta. A não ser os cobradores de água, luz e os bajuladores sazonais (conselhos profissionais, políticos em véspera de eleição, lojas...) Então pensei: “O que tenho a temer?”. Abri o envelope cheio de coragem. De cor rústica e aparência antiga, sem selos (adoro os selos) sem endereço e remetente, não aparentava ser nenhum trote. Provavelmente quem pôs, fez isto pessoalmente, ou mandou um pombo correio aposentado.

Abri a carta e a passo para vocês na integra a missiva contida nela meus preocupados e interessados leitores:



Estimado Gil,

Este fim de semana foi muito difícil e ao mesmo tempo prazeroso para mim. Ao assistir uma matéria na TV aberta no domingo de manhã, lembrei-me inspiradamente, instintivamente e instantaneamente de você meu querido amigo. (Desculpe-me a insistência nos “ins”, mas foi o que jaziu ao meu limitado linguajar agora).

Do tempo em que andávamos juntos e nós dois éramos praticamente um só corpo, inseparáveis, indissociáveis, insolúveis (lá vem meu linguajar necessitado novamente), praticamente irmãos, irmãos de vida. Lembro dos seus cabelos ainda meio loiros, sua aparência jovem sem espinhas, das suas bermudas de tactel, das camisas regatas, dos chinelos alcochoados, do RG novinho em folha, dos poucos pêlos, das partidas de vôlei improvisadas nos postes da rua que hoje praticamente seriam impossíveis, lembra “a rua”? Era assim que chamávamos o nosso local de estripulias juvenis. Das peladas de travinha, das partidas de beti (taco), dos campeonatos de futebol de botão, da coleção de bolinhas de gude, de selos, basquete de rua, polícia e ladrão, surf na praia no segundo píer em época de ressaca e depois subir nos pés de cocos para matar a sede, de ficar olhando as mulheres nuas nos altos dos edifícios, os primeiros porres, as primeiras namoradas, o seu primeiro beijo, lembra? Todos ficaram a assistir lá na esquina daquela casa que tinha um gasto fila brasileiro bravo. E as festinhas americanas? Embaladas a passos ensaiados e a tênis de cano alto. Das Mães denodadas dizendo que já era tarde e que era hora de ir dormir. Dos portões dos prédios abertos, não tinha muito problema, agente até brincava nos matagais e como tinha matagal, não faltavam mamonas para as estilingadas noturnas nos transeuntes desavisados, tudo isto embalado pelos primeiros discos rock pesado de primeira, lembra?

Mas bom mesmo era quando saíamos juntos a rodar pela cidade. Onde tinha asfalto é claro, lá estávamos nós! Juntos com o restante da turma, não tínhamos limites, que fôlego, cruzávamos bairros, municípios, fronteiras... Aonde as ruas e praças perpetravam curvas inspiradas em Niemeyer, era prato cheio. Pura emoção! Uma nova construção era sempre bem vinda, pois trazia matéria prima gratuita para nossos projetos arquitetônicos, que envolviam a todos da rua. Até os mais velhos, ficavam a dar palpites e a ajudar nos cálculos. Serrote, pregos e fita métrica e dias depois a nossa “obra” estava pronta para a deliciarmos, para ficarmos mais pertos do céu, transpormos os nossos limites, nossas energias e aumentarmos os números de cicatrizes e hematomas pelo corpo. As meninas ficavam a olhar e a fazer comentários nos ouvidos das outras. Quando o que fazíamos era bonito, todos gritavam: YEAH! Coisa de americano eu sei, mas foram eles que inventaram não é? Sei que você ainda tem fotos desta época e as guarda com carinho. Soube até que já “velho” ainda cogitou utilizá-lo como forma de transporte nas ruas onduladas, abafadas e úmidas, porém asfaltadas da floresta. Éh... Este espírito repleto de adjetivos e que não volta mais. Foi o que sempre nos regiu meu caro amigo.

E hoje na Tv ao ver esta tal da “Megarampa” que inventaram não tive como não lembrar de você. Fiquei meganostalgiado!

Um grande abraço.

Do eterno amigo que nunca te esqueceu.

Subscrevo-me

Seu skate de rodinhas ‘moska” rosas, rolamentos NSK, truck simis e shape Lifestyle “Beto or die” do final da década de oitenta.



Gilberto Granato

domingo, 23 de novembro de 2008

No meio do calçadão de Copacabana

No meio do calçadão tinha um homem
Tinha um homem no meio do calçadão
Tinha um homem de óculos
No meio do calçadão tinha um homem

Nunca me esquecerei deste acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fadigadas
Nunca me esquecerei que no meio do calçadão
Tinha um homem
Tinha um homem de óculos no meio do calçadão

No meio do calçadão tinha um ladrão!
Que pela sexta vez furtou os óculos de nosso poeta
Peguem este ladrão de calçadão

No meio do calçadão tinha um ladrão
Tinha um ladrão no meio do calçadão
Tinha um ladrão



Gilberto Granato
(homenagem a Carlos Durmmond de Andrade e seu poema “No meio do caminho” Que pela sexta vez teve seus óculos de sua estátua de bronze roubados no calçadão de Copacabana)

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

A astronauta

Vocês viram?

Na estação espacial internacional, uma astronauta não identificada pelos meios de comunicação, cometeu um erro típico do sexo não masculino. Ao destravar um painel solar, espirrou graxa, vê se pode! Na sua roupinha branca de “Astrogirl” espacial e a bolsa cheia de ferramentas siderais e mais batom, presilha de cabelo e remédios de dor de cabeça, foram para o ar, ou melhor, para o espaço mesmo. A sorte é que essa turma que gosta de ir a lua, é bem prevenida e tinham outra bolsa mais enxuta para repor. Ao analisar este episódio comecei a pensar no verbo perder.

Fui ao dicionário. Não aquele de papel, grosso, compacto, maciço, que era feito para atender a estudantes, professores e aos consulentes em geral da língua portuguesa falada hoje no Brasil. Ao qual sempre necessitei da ajuda da minha Mãe (catálogo telefônico ainda careço) para me ajudar a encontrar palavras. Agora fui ao da internet. É rápido, te conjuga o verbo se você quiser, imprime, envia para um amigo e te da ajuda sem cobrar depois. Hoje em dia, mais moderno, também atende a pessoas com insônia, curiosos, mulheres providas de cabelo cor loiro médio, dourado, claro, mel, servidores públicos, astronautas e cronistas de meia tigela...

E lá, o significado de "perder" traduzido para a nossa protagonista é:

Ser privado de coisa que possuía, (é difícil recuperar as coisas no espaço!)
Deixar de ter, (a bolsa)
De gozar, (será que tinha objeto vibratório lá dentro?)
Não aproveitar, (agora quem manda na estação são os homens e não se fala mais no assunto)
Deixar fugir, (o futuro na carreira espacial)
Dar cabo de, (?)
Dissipar, (o dinheiro investido nas ferramentas)
Destruir, (o churrasco da família no retorno da nave)
Causar a ruína de, (ela mesma! Oras!)
Conduzir a perdição, (o chefe da missão)
Corromper, (a harmonia da equipe)
Desgraçar, (a futura ida de mulheres ao espaço)
Desmerecer, (promoção e aumento de salário)
Descair no conceito, (dos escritores que fingem ser machistas)
Sofrer dano, (de astronautas fundamentalistas)
Quebra ou diminuição de, (sua estrutura óssea uai! não está no espaço? Oras!)
Esquecer-se de, (pedir desculpas em público)
Deixar de observar, (os homens fazendo o conserto)
De seguir, (dando palpites)
De prestar atenção a, (aula que é dada aos astronautas antes de decolarem poxa!)
Empregar sem proveito (o tempo, o esforço etc;). (isto mesmo etc... etc... e reticências...)

Até aí minha cara astronauta não identificada, tudo bem. Foi só um conselho do dicionário virtual, ou melhor, espacial neste caso. Mas se por acaso um destes objetos também não identificados vierem a cair em cima de minha cabeça ou nos meus pés de alface no quintal, aí não vai ter colher de chá não! Eu não irei mais ao prático pai-dos-burros on line. Vou é procurar o meu advogado espacial on terra!

Te cuida!



Gilberto Granato.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Mister Antônio

Antônio e Laura. Eram casados a mais de vinte e cinco anos. No ano passado celebraram suas bodas de prata em uma viagem inesquecível a Santa Lúcia no mar do caribe. Ele engenheiro de uma grande multinacional, já prestes a se aposentar. Ela arquiteta que executa projetos indie para celebridades de televisão. Tinham dois filhos estudando em faculdades longe dos pais, se amavam e levavam uma vida confortável e honesta.

Certo dia. Laura comentou que uma grande amiga Núbia, fiel companheira da época em que faziam o ensino superior em Fortaleza ligou, pois estava voltando para o Brasil no próximo fim de semana, depois de passar cinco anos morando em Glastonbury uma pequena cidade em Somerset, Inglaterra, situada a 50km (31 milhas) ao sul de Bristol. Era inverno no Brasil, então resolveram fazer uma bela recepção para a amiga, que Antônio insistia, mas não conseguia lembrar de sua imagem ou semelhança.

Durante a semana, até o dia da chegada. Laura revia fotos, mandava emails, planejava uma bela recepção de comida japonesa, lembrava das boas risadas que dava com a amiga, tomava o elichir da juventude diáriamente e Antônio indiferentemente apenas lia seu jornal sempre a noite, antes de colocar comida para os pássaros e dormir.

No sábado pela manhã. Tomaram banho, aprontaram-se e foram para o aeroporto, onde tomariam o café da manhã. No trajeto, Laura recebeu um telefonema de sua amiga, de que o vôo atrasaria em uma hora. Eles já empolgados e contagiados com a chegada, resolveram aproveitar o tempo e comprar flores para a recepção. Os pais de Núbia moravam em Córdoba na argentina, há quatro anos e ela já tinha se separado do marido antes de ir, tinha um filho, que morava com o pai em Lucas do Rio Verde, Mato Grosso, para onde iria na segunda-feira, para em seguida ir encontrar seus pais.

Depois de mais um atraso de mais uma hora. O avião chegou e foi aquele saudoso encontro. As duas não paravam de se abraçar e de passar as mãos nos cabelos da outra, como se fosse o encontro de duas espécies diferentes, porém amistosas. Antônio apenas sorria de canto de boca e instantaneamente se prontificou para levar as malas.

Já em casa, tinha um sushi-man que já estava mandando ver. Laura em cima da hora viu que faltariam mais alguns condimentos e foi a mercearia do bairro comprar. Antônio e Núbia ficaram a conversar sobre o frio, a política e sobre o Brasil, enquanto tomavam caipirinhas de saquê.

Quinze minutos se passaram e ao regressar, enquanto colocava a chave na fechadura. Laura teve a nítida impressão de que Antônio conversava em inglês com Núbia. Ao entrar, os dois interromperam o assunto e Núbia prontamente trouxe mais uma dose para Laura. Ela achou que era coisa de sua cabeça e foi matar a vontade de comer sushis.

Mais tarde já com os estômagos orientalizados e a mente ocidentalizada, enquanto Laura ainda perguntava sobre a experiência da amiga em outro país. Núbia proferiu:

- Mas que inglês ótimo que seu marido fala? Poderia muito bem se passar por um bretão.
- O quê? Antônio nunca falou uma palavra em inglês em toda sua vida! Ele devia estar brincando ou já bêbado.
- O que é isto Laura! Vai dizer que você não sabia que seu marido fala inglês?
- Não é que não sei. Ele não sabe, assim como eu!
- Então tá. Deixa pra lá...

As duas ficaram mudas. Antônio já roncava no quarto e a conversa foi diminuindo até que Núbia disse que pela manhã, já estaria de partida. Laura sem hesitar concordou. Ao alvorecer, Núbia partiu de táxi e apenas deram um abraço nada caloroso. Não combinaram nenhum outro encontro e não trocaram telefones. Foi a porta fechar para Laura começar a lançar a sua desconfiança:

- Antônio! Desde quando você sabe falar inglês?
- Mas eu não sei querida! Você não sabe disso?
- Eu ouvi você conversando com a Núbia e ela me confirmou isto ontem.
- O quê? Estavamos a falar sobre a vida na Inglaterra, mas palavras em inglês? Onde já se viu, não sei nem dizer obrigado em outra língua?

Laura não se conteve e a partir deste dia investigou suas coisas, revirou suas cuecas, perguntou aos amigos de empresa, parentes, chegou a procurar seu analista de um ano atrás, foi a escola em que estudou para analisar a grade escolar, revirou, futricou e infernizou a vida de Antônio atrás de uma informação do misterioso conhecimento da bendita língua inglesa.

Daquele fatídico dia em diante, não houve um só dia em que Laura não questionasse o pobre marido. Só disse que voltaria a colocar o café da manhã na mesa, a devolver suas chuteiras e a assitir juntos aos documentários de domingo na TV, quando dissesse a verdade. E a verdade era em outra língua. Antônio ficou mudo. Triste e mudo.

Depois de três meses de tortura e angústia. Ele escreveu um bilhete e deixou em cima da mesa da sala, apenas se despediu dos filhos e partiu. Só sei que no fim da carta estava escrito o seguinte:

Querida Laura. Aposentei-me e fui para Inglaterra aprender inglês, quando estiver sabendo tudo volto. Não me procure.

De quem sempre te amou.

Antônio.



Gilberto Granato

sábado, 15 de novembro de 2008

Festa dos Machado

Opa! Dia lindo! Vou à festa da família aí do título. A avó da minha esposa é dessa família, meu companheiro de América do sul Norival também. Então vamos, vai ter os caras que vão repudiar! Você não é machado? O que me importa, que me importa o seu preconceito que mimporta!.... Como diria Renato Texeira... E fui....

Cheguei e prontamente fui ao banheiro. Mijei e respinguei logo de cara na bermuda. Não por vontade própria, mas por falta de arquitetura na inclinação do mijatório. Cerveja a um real, beleza! Estavam lá os tataravôs, bisavós, avós, de uma família baseada no trabalho duro das lavouras de café. Passou um tempo e fui ao sanitário novamente. Ao desentortar a torneira para educadamente lavar as mãos, a agua do ralo da pia caia no meu pé! E tomei uma bela respingada na canela. Voltei e conheci vários membros deste importante clã. Os mais velhos demonstravam suas alegrias e os mais novos suas precocinomias. Até que chegou a hora de voltar ao WC. Desta vez, estrategicamente, fui a uma cabine reservada, destas típicas daqueles que querem fazer o 2, ou têm vergonha de mostrar o pinto (desculpa o palavrear coloquial, mas não tive outro vocabulário). Mas deu na mesma. Alaguei o tênis. E cidadão como sou, não tive coragem de dar a descarga! Fui embora com os membros inferiores novamente encharcados de uréia.

Mais algumas rodadas. Cerveja a um real? Todos são ricos, não faltam gentilezas... Antropologia vai e vem e tenho que ir ao bathroom novamente. E agora aonde ir? Novamente na cabine do “Ele”. O que esperar? Nada mais do que partículas de um composto orgânico cristalino e mais ou menos incolor de fórmula; CO(NH2)2, com um ponto de fusão de 132,7 °C. Tóxica, a uréia forma-se principalmente no fígado, sendo filtrada pelos rins e eliminada na urina ou pelo suor, onde é encontrada abundantemente; constitui o principal produto terminal do metabolismo protéico no ser humano e nos demais mamíferos.

Quer saber?

Vou pedir a saideira e tomar um belo banho de bucha lá no banheirinho da minha casinha...

Tchau pra vocês!

Seus mijões...



Gilberto Granato

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Pensando na velhice

Hoje, ou melhor, há umas semanas atrás. Tive tempo de matutar a velhice, sim aquela fase, que vem depois da envelhescência que além do sufixo é muito parecida com a adolescência, pois segundo o Mario Prata, é a idade entre os 55 e 70 anos, que é uma preparação para a velhice. Nesta fase os futuros avelhantados se comportam igual aos jovens: Os dois gostam de meninas de vinte anos, ambos são irritadiços, se enervam com pouco. Acham que já sabem de tudo e não querem palpites nas suas vidas. Os dois acabam sentando na poltrona do dentista e no divã do analista, ambos bebem escondidos, adoram usar tênis e por aí vai...

Fui encarar a previdência social e ver como andam as coisas. Cheguei cedo e já peguei uma mini-fila na entrada, até aí tudo bem, tinha uma gestante e uma mãe de um bebê de quatro meses, aproveitei e aumentei os dados da minha rica enquete: o parto da senhora foi normal ou cesária? Ao entrar, não tem mais fila, tem gente que agenda o atendimento, mas tem que esperar igual a consulta de médico de SUS e final de campeonato. Entrei e todos estavam mudos, as cadeiras cheias, com apenas uma vaga, educadamente me apoiei na parede branca e comecei a revezar o número quatro, não entendeu? Não pedem para fazer o quatro quando se está bêbado? Para esperar também, até que a parte anterior da coxa começa a doer, depois a posterior e depois vem aquele sopro profundo de descontentamento lá das paredes semi-virgens do pulmão. Sentar na vaga? Tinha dois velinhos que estavam de pé? (e olha que todos ali querem é mesmo é se encostar!), mas não queriam sentar, são mais educados do que eu então pensei, não, deve ser as hemorróidas da idade, repensei. Ali dentro só tinha em sua maioria seres idosos, deficientes de muleta, doentes crônicos, mães com crianças de colo, eu e uma jovem perdida, se eu fosse dar a vez aos mais velhos, como diz a lei da vida, nunca iria sentar, me sentei.

Comecei a questionar a futura comedora de minhocas, encostante jovem do governo ao meu lado. Tinha chego uma hora na minha frente e sua senha estava muito longe, pensei, o bicho vai pegar! Tinha senhora que a todo o momento tirava o santo do bolso, para avançar na fila? Doença? Tinha senhoril de chapéu panamá, chapéu de palha, de bigode, de bigodão, nos cartazes nas paredes só desenhos de personagens senis, achei-me um estranho no ninho, mas com a boca bem aberta a espera das minhas minhocas da velhice. Alguns senhores olhavam para mim e eu lia os seus pensamentos: Devia ter vindo aqui na época deste jovem? Tinha um senhor que ficou por muito tempo em pé, impressionante sua resistência, mas não quero ser assim, quando a idade me pesar, quero sentar, quero que me dêem o lugar, do ônibus, do cinema, da fila da vacina, do tira gosto grátis do supermercado, quando chegar lá quero boa vida, não vem com essa de “quando a pessoa envelhece não consegue mais ficar sem trabalhar” tem muita coisa melhor para se fazer na vida, que não é o primeiro trabalho, porisso estou aguardando calmamente chamarem o meu número, para eu ver quanto tempo tenho que ralar neste trabalho ainda, para me dar mais alento, mais um escopo, mais minhocas para meu encosto.

Não me contive claro. E puxei um papo com o companheiro de mau hálito do meu lado, a da frente nitidamente de fora na mesma hora, se adentrou no assunto e a falação se deu início, quando percebi, todos ao redor já estavam a trocar conversinhas. A mesma moça de cabelo esquisito começou a falar de nome de carro, da vida alheia e a falar de mais, resolvi desviar a minha atenção e continuar no meu silêncio, apenas olhando o visor das senhas e pensando nas minhocas.

Fui atendido. Sai com minha fome de adulto jovem ainda, sem braço enfaixado ou dor nas costas, apenas nos glúteos (ainda sem espinhas) de ficar sentado, hígido. Ao chegar em casa tomo aquela dura da minha amada passara mãe: esqueceu aquela minhoca, não perguntou aquilo?... e blá, blá, blá...

Porisso, hoje bem cedinho tive que voltar lá de novo. Um pouco mais velho é lógico, mas ainda sem muletas. Fui com tudo bem escritinho, para não correr o risco de um ensaio sobre a cegueira acontecer, foi rápido, os funcionários já nos conhecem, “a grávida e seu marido esquecido”. Só deu tempo mesmo, de ouvir a queixa de mais um senhor enfermo: Éh, o negócio está feio pro meu lado! Alegando um problema ainda não bem identificado, segundo eu bem entendi.

Agora! Meu caro leitor em processo de envelhecimento!... Ih! Pera aí? Olha minha esposa agora me gritando: Gil, quando você subir traz o remedinho que tá do lado do filtro por favor! Coisa de velho não é?

Acho que vou me olhar no espelho...

Até...



Gilberto Granato

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Salve o Corinthians

Há um ano atrás, depois do fatídico um a um com o habitué grêmio, pensei em desistir, abandonar o futebol, chutar um cachorro, não falar mais sobre o assunto, fiquei no fundo do poço, no xilindró, na vala, na trincheira da vergonha...

Mas ergui a cabeça, pois o mundo dá voltas (mas não tantas como o Bahia futebol clube está dando) o tempo passou, não teve tapetão que nem outros times já desenrolaram, mas teve paixão, teve garra, bom futebol e canto de Rei no final... Eu voltei, agora pra ficar, pois aqui, aqui é meu lugar... Há uma semana atrás tínhamos retornando para a série hígida do futebol, série sã, onde não têm doentes, apenas uns gripados com o nariz escorrendo, com tendências pneumonicas nas quatro últimas colocações, a séria A - dose única.

E neste fim de semana fomos campeões antecipados, com quatro rodadas de antecedência, o que dizer? Só posso recomendar o remedinho. Uma boa dose de 365 miligramas de segunda divisão, para o seu time que anda anêmico, com calos, arritmias e com problemas de fôlego. É um ótimo medicamento, leva o time a lugares onde nunca foi, faz mais torcida muscular, as doses são administradas em dias diferentes, não tem outros doentes rivais, organiza a flora intestinal e melhora a aparência física. Mas é bom lembrar, ele só deve ser usado por no máximo um ano, se não, pode levar a efeitos colaterais desagradáveis como: dependência de segunda ordem, diminuição da pressão, queda dos cabelos, vista embaçada, fadiga, astenia, náuseas, vômitos, diarréia, que pode levar a necessidade de utilizar outro medicamento muito mais forte que só existe em forma de supositórios o Terceirona divisão 730 miligramas... pois apenas uma dose de 365 é muito pouco nestes casos mais graves.

Tem torcedor, que nunca viu o seu time ganhar um título de expressão. Eu já não sofro deste mal, já que deus é testemunha, que estava no meu quarto aos pulos em vitória vendo o gol de tupãzinho no São Paulo em 1990. Que estava aos berros em 1995, no quarto da república unisex lá na Gil de Góis em Campos, assistindo ao gol de Marcelinho carioca no grêmio no Olímpico. Que estava palpitante em 1998, voltando de salvador vomitando, parando em todas a cidades, ligado no rádio e ouvindo Marcelinho carioca novamente e Edílson acabarem com as esperanças da raposa mineira. Estava embriagado da memória ao não lembrar do empate com o Galo em 1999, mas devia estar torcendo sozinho em meio a torcedores pés de cana de times cariocas com certeza. Aos brados com o oportunismo de David contra os Candangos Brasilienses em 2002 na casinha de madeira cheia de buracos na floresta. E verdejante (opa verde não!) com a raça portenha de Carlitos na campanha de 2005, já em terras castelenses, sem falar no mundial em pé junto com os urubus flamenguistas contra o Vasco lá no norte capixaba e os paulistões da vida....

Este ano também poderia ter tido a chance de realizar um grande desejo. Que é assistir a um jogo do timão. O quimérico, o ideal seria no Pacaembu lotado, todos gritando...não para, não para, não para..... Timão! Mas é que os times capixabas, que neste ano caíram para a novíssima UTI do Brasileiro, ou seja, a série D. Vão jogar em campos de terra, alagados, cheio de sanguessugas, com traves de madeira, buracos e bandeirinhas com os exames de vista atrasados. Estão em estado de coma, em quarentena, não há remédios no mercado, não tem cura! E que se continuarem neste ritmo, vão acabar vendendo seus campos para igrejas fúngicas do apocalipse ou shopings bacterianos oportunistas e serão apenas peças de museu em algum necrotério ou sala desocupada por aí. Se tivesse pelo menos um time decente utilizando a segundona eu teria ido lá ver o todo poderoso, nem que fosse preciso me vacinar antes, comprar uma vela na vila rubim e fazer um plano de saúde completo.

Mas o problema do corinthiano é que ele já é doente, não destas patologias que precisam de antídotos e fármacos de última geração como já vimos, mas de uma doença muito mais grave, incurável e insana. Aqui, por trás deste computador meu caro leitor, não corra não! Volte aqui, não é vírus não... Leia até o final, dont be afraid! Pois aqui só tem um louco poxa!

Louco por ti corinthians! E para aqueles que acham que é pouco, eu vivo por ti corinthians, eu canto até ficar rouco, eu canto pra te empurrar, vamo, vamo meu timão, vamo meu timão não para de lutar...

Segura nóis ano que vem.
E não me venham com camisas de força!



Gilberto Granato

domingo, 9 de novembro de 2008

Laelia

O nome dela é Laelia. E ela é minha garota, já faz parte do meu ser, me alimenta as retinas, me embriaga os sentimentos. E antes que você (e minha esposa) pensem que ando me apaixonando por outras, explico. Laelia é minha orquídea favorita, seu sobrenome é Lobata e ela é alba...

Supõe-se que a história das orquídeas tenha começado no oriente (Japão e China) há 4000 anos atrás. No ocidente a referência mais antiga era de um aluno de Aristóteles chamado Theophrastos há 300 anos antes de cristo, daí pra frente se difundiu igual a aquecimento global, ou melhor, crise econômica mundial e algumas espécies egoistamente vieram parar aqui em casa.

Aqui no morro da formiga, ela passa a maior parte do ano despercebida, assim como suas primas: tímidas, acuadas, inexpressivas, quase um monte de mato. Tem os preconceituosos que chegam e chamam-na de parasita, vê se pode? Parasita é ele que suga o oxigênio que ela emite todo dia sem ao mínimo agradecer. Têm outros que tiram as remelas dos olhos grudados e perguntam: Ah! Isto que é uma orquídea? E tem os transeuntes que conhecem tudo, ou quase tudo de suas funções na terra, mas não entendem que ela está ali, bem ao seu lado, esperando por atenção, por elogios, por uma cantada barata. Até mesmo as Lobatas gostam de um gracejo...

Esta em especial fica pendurada, ou como dizem alguns dependurada (o que não é apropriado). Mora em cima de um xaxim antigo, com musgos, que quase já não dá conta de apoiá-la. Tem uma suculenta intrusa que cresce no cantinho do vaso sem incomodar. Tem orquidófilo que diz que tem florescimento difícil, complicado. Li em outro lugar que só floresce em determinados lugares, balela de teóricos mãos de tesoura. Ela floresce aqui em casa, todo ano, pega um vento desgraçado, constantemente dou umas cabeçadas nela, minha empregada umas vassouradas e tem uma aranha que adora fazê-la de suporte para sua teia predadora. Sacode o ano inteiro, feito máquina de lavar e no mês de novembro, meu mês, que será de meu filho também, ela vem com suas hastes (opa vai dar flor!), que saem de dentro das folhas, um fenômeno. E para ver se os pendões já está quase saindo é só colocá-la contra a claridade da lâmpada a noite e verá sua imagem lá dentro, ainda um embrião de flor.

Com os pêndulos fora da haste, leva alguns dias para abrirem e aí vem aquelas linda flores de pétalas e sépalas brancas e labelo branco levemente amarelado, o seu cheiro é deleitoso, prazeroso, difícil descrever, que além dos insetos também atrai a minha esposa. Ela fica alguns dias nos dando o privilegio de contemplá-la e depois murcha, cai no chão. As que vejo recolho-as e as coloco no solo de alguma outra planta, para servir da adubo, de inspiração, de incentivo, para não desistirem, pois um dia também em flores estarão.

Estou tão sensibilizado, que agora coloquei um arame apoiando o seu vaso na pilastra, afinal de contas, ela merece mais repouso, mais sossego. Veio de algum lugar do mundo, talvez seja uma chinesinha, uma japonesinha e agora está aqui com a gente. Só dou água e alguns nutrientes e ela me dá satisfação em dobro.

A vida deveria ser assim, deveria ser lei, projeto de lei, emenda constitucional, tudo o que déssemos a alguém receberíamos em dobro, já pensou, que beleza? Dar seria o verbo mais requisitado e conjugado do nosso planeta, sem duplo sentido é lógico. E assim todos seriam milionários, era dar um, para receber dois e assim por diante. Uma grande corrente e todos ficariam ricos. Pelo menos de espírito.

O boa-praça Barack Obama que me desculpe, mas o principal fato histórico da semana foi a minha Laelia.



Gilberto Granato
(Barack obama foi eleito o primeiro presidente negro da história dos EUA)

sábado, 8 de novembro de 2008

Uma tarde de chuva e sol em São cristovão


-Joga o bolinho...
-Ele não está prestando atenção no jogo!
-Tem que ficar aqui na beirada!
-Não raspa no chão, não!
-Joga a outra passando um pouquinho mais pra cá!
-Fez o ponto!
-Joga muito!!!
-Amarrou o jogo!
-Joga na parede
-Duas só?
-Joga no fundo
-Joga em mim!
-É três bolas!
-Menos força!
-Joga pra chegar!
-Joga a mais!
-Verde bola!
-Joga mais uma, é você!
-Cadê o juiz?
-Tá de quanto?
-De novo errei!
-Tá suja, deixa eu limpar todas as bolas!
-Foi fraca mesmo
-É sua sim!
-Encosta nela, passou...
-Nossa Senhora!
-O campo não tem biela?
-Ai, foi forte!
-Ai, foi forte de novo!
-É duas cada uma?
-Tem que jogar no meio para não cair...
-Agora mais fraquim um pouquim...
-Em cima da linha, puta merda hein?
-Cuidado Aê, vai bater a bola hein!
-Se não chegar não tem problema!
-Tenta parar perto...
-Fez!
-Duas...
-Três...
-Quatro Bolas!...
-Quase que perdi a canela rapá?
-Falta uma bola!
-Eu acho que ela vai dar um pulo ali?
-Joga em cima daquela verde lá...
-Aí, ó!
-não disse?
-Só porque eu falei que ia ganhar!
-Bati Hein!
-Fechou?
-Fez dez já?
-Próximo...


Nada como uma tarde jogando bola de massa!



Gilberto Granato

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

A gestação

Uma gestante ou mulher que tem em si o embrião. É coisa de Deus, é divino, é inacreditável. Faz o perfeito sincretismo da ciência com a divindade. Primeiro é a confirmação do ato, euforia total, você dá voltas ao redor da mesa, dá telefonemas, pensa no futuro, sonha, liga a tv no Discovery Health, compra livros, vai na internet e procura entender um pouco mais do assunto. Senti-se mais macho. Começa a comprar os infinitos insumos necessários para o bebê e as primeiras consultas são marcadas. É um carnaval! Olê, lê... Olá, lá...

Depois vem a ansiedade pela barriga, cadê a barriguinha? O primeiro ultra-som pura emoção, aí vem os enjôos, as azias, as cólicas, a necessidade maior por alimentos, a primeira percepção dos movimentos, nossa que perfeição, quando não se sente, os pais ficam preocupados, não estão acostumados, depois se descobre o sexo, se constroe um nome. Aí vem o book de grávida, a construção arquitetônica do “espaço criança”, insumos e mais insumos, mais exames, mais sonhos... Laiá... Laiá...

Até que chega à Fase do último mês. Ela já não consegue respirar, é uma luta a cada inspiração e expiração contra o diafragma, vai perdendo as forças, a natureza é coerente, as forças têm que ser poupadas para o nascimento. Dormir? Fica no passado. O marido acorda de manhã e vai procurar a esposa aonde dormiu? Tem dor nas costas, senti caimbras, calor em dia fresco, respira fundo, se der uma folguinha e o silêncio vir ao mundo, vai tentar repousar em algum canto, pode ser o chão mesmo, é que nem gato sempre procurando um novo lugar. Ela fala Ai! E você diz Ui! É agora? Não é só o bebê dando mais um soco na virilha da Mãe. Imagina uma pessoa saindo do nível do mar indo para a altitude do altiplano andino? Pois é assim que a grávida fica no último mês... Como será uma Lhama grávida? Utererê....


Eu acho que tá chegando a hora...
(me deu um frio na barriga!)



Gilberto Granato

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Na hora marcada

Xavier e Silvia, não se conheciam, nunca se viram, não cogitavam a hipótese de algum dia serem apresentados a pessoas com tais nomes, mas se esbarraram e suas vidas nunca mais foram as mesmas...

Já era fim de expediente e o advogado Xavier acabara de atender sua última cliente, que enfrentava problemas com inquilinos desordeiros. No seu relógio, comprado na praia de piúma no último verão, já marcava dezoito e dez, hora do habitual happy hour de quinta com os amigos em um tradicional boteco da cidade. Local onde morigeravam os casos da sociedade, discutiam a política e exorcizavam seu problemas. Lá pelas oito da noite, Xavier como de costume, se retirava e ia para casa encontrar sua esposa e seus dois filhos um de cinco e uma de três anos. Já era casado há 15 anos e levava uma vida honesta, simples e confortável, mas a partir do fim de tarde daquele dia o ventos mudaram de rumo e a o seu platô de prumo.

As 18:13 daquele dia tocou a campainha do escritório uma mulher de altura mediana cabelos loiros lisos, olhos castanhos, corpo tonificado, pele bem cuidada, dentes claros, tênis nos pés e uma pinta em cima do lábio esquerdo, não dessas cabeludas, uma simples pinta, parecida com estas feitas com lápis, trajava roupa de ginástica. E ao abrir da porta, ofegante e transpirando falou:

- Dr Xavier?
- Pois não?
- Me desculpe chegar a esta hora, mas é que no meio da minha corrida lembrei que tinha uma consulta marcada com o senhor.
- Qual é o seu nome?
- Silvia, Silvia Lunes.
- Me desculpe, mas a consulta era as 16:00 horas e no momento a secretária já foi embora.
- Me desculpe eu, (nesta hora começou a amarrar o cabelo) mas é que meu dia foi um sufoco e só pude vir agora antes da aeróbica.
- Mas não era corrida?
- corrida para a aeróbica. Será que o senhor poderia pelo menos me ouvir?
- Tudo bem, mas eu tenho um compromisso para agora.
- Não vou me alongar, apenas me ouça (e pegou de leve na sua mão).

Silvia contou que estava vivendo um problema judicial de herança na família, herança de seu avô, um grande e tradicional advogado da região, falecido a pouco. Depois de 20 minutos de conversa, Xavier aceitou a causa, marcou a consulta para a próxima semana e agora já sua cliente foi em direção à saída, mas antes ao passar na frente do espelho da recepção, não se conteve e olhou para o seu físico e perguntou para Xavier:

- você se exercita?
- Não, porque?
- Pois deveria, Faz bem para os membros...

Xavier apenas sorriu meio sem graça e correu para o bar, contou o episódio para os amigos, ouviu as inevitáveis piadinhas e depois de uns chopes foi para casa e seguiu sua rotina patriarcal, beijou a esposa, brincou com os filhos e o cachorro, tomou seu banho quente e dormiu sem ao menos ligar algum aparelho eletrônico.

Uma semana se passou. E no dia da confraternização dos amigos ao se despedir de seu último cliente que estava deprimido em processo de separação, quem chega? Silvia, de roupa de ginástica branca, batom vermelho e um perfume para mexer com o olfato de qualquer mamífero. Chegou com lágrimas nos olhos e já contando todos os problemas familiares ao redor da herança. Xavier apenas ouviu atento, sentado na sala de recepção mesmo. Já pela metade da conversa, ela se aproximou e sentou ao seu lado. As pernas do joelho para baixo de ambos ficaram encostadas e Xavier começou a sentir as coisas diferentes do normal, a chamou para dentro do consultório e conversaram por 40 minutos, depois disto nova consulta marcada e ela novamente ao sair, olhou para o espelho, virou de costas e olhou para toda parte posterior de seu corpo, como se quisesse investigar até o calcanhar, Xavier não conseguiu desviar o olhar e admirou toda aquela encenação pelo próprio espelho. No momento pensou que a melhor coisa que tinha feito em sua vida, era ter colocado aquele espelho na sala de espera.

Na semana seguinte foi a mesma coisa. Silvia desfilando seus trajes de ginástica e Xavier faltando as “horas felizes” com os amigos e chegando em casa cada vez mais inspirado, olhava fotos antigas, jogava vídeo game com os filhos, comprou um canil novo e mais confortável para o cachorro. E falou com a esposa que iria começar a correr na próxima semana, se não chovesse.

A coisa foi aumentando de proporção. E em mais uma semana, já prevendo a sua falta a reunião no bar, contando as horas no relógio ansiosamente, dispensando a secretária neste dia sempre meia hora mais cedo, alegando bons serviços prestados e com a barba e a colônia pós barba em dia, ela chegou, desta vez toda de vermelho, uma roupa curta, curta não, curtíssima, que ele jura ainda ter visto uma espécie de cinta liga na parte posterior da coxa, seus cabelos estavam molhados e o cheiro do perfume nunca tinha sido tão forte. Ele abriu a porta e ela o pegou pela nuca e apenas falou sussurrando no seu ouvido: Na próxima semana serei toda sua!!! E foi embora sem dizer mais nada, como alguém que fala alguma coisa e fica envergonhada logo depois.

Xavier foi embora alucinado, em clima de final de campeonato, eufórico, acalorado,
Bem disposto, a partir dali deixou de contar os minutos para contar os segundos para o próximo encontro, o maior encontro, a grande celebração, o Dia D. Não dormia direito, sua esposa fazia chá de camomila, mas nada tirava da sua cabeça a próxima semana, começou a correr todo dia, pela primeira vez na sua vida fez as unhas em um salão e abriu aquele saco de cuecas coloridas novas que tinha ganho de sua sogra no natal passado.

No tão esperado dia. Atendeu seus clientes com entusiasmo, nunca brincou tanto com a secretária, foi mais de dez vezes ao banheiro. Os amigos de bar? Nem ligava mais para eles e a recíproca também era verdadeira. Ele só tinha um objetivo em sua vida: Que o relógio passasse das dezoito horas.

Foi quando deu 18:15 e a campainha tocou. Ele saiu com pressa, quase derrubou o vaso de cerâmica chinesa que ficava no corredor e viu que de roupa amarela e azul na porta, era o carteiro fazendo entregas atrasadas do sedex depois da hora, pegou a encomenda nem abriu, sentou no sofá da recepção... deu 18:30,19:00,19:47, pensou: “vou esperar até 20:30” e nada, nunca mais Silvia apareceu, nunca mais foi vista, nunca mais conheceu alguém chamada Silvia, nunca mais olhou para o espelho novamente.

Neste dia Xavier foi para casa, beijou a esposa, brincou com os filhos, colocou a sua cabeça embaixo do chuveiro quente e deu berros de felicidade, gritos lenitivos e suspiros de conforto. Pois Nunca em toda sua vida tinha se sentido tão aliviado!



Gilberto Granato
(Homenagem a Nelson Rodrigues)

domingo, 2 de novembro de 2008

A história da família Figuras de Linguagem

Esta família habitava uma região do interior do Brasil, mais precisamente nas margens do Rio Páramo, onde hoje é o município de Casca de Macaúba, entre o Espírito Santo e Minas Gerais. Figuras semânticas e sintáticas, foram um dos primeiros colonizadores vindos da Itália que ajudaram a fincar raízes e a prosperar a muito custo aquela região.

O Patriarca desta família era senhor Metonímia, grande homem, um trabalhador nato, “sobre o seu teto não faltava educação e disciplina”. Sua esposa Metáfora, sempre esteve ao seu lado, cuidava da família com mãos de santa. Seus filhos eram: Catacrese, que durante a infância tinha o estranho hábito de quebrar os pés das mesas, casado e vivendo entre o amor e ódio com Antítese, quase não eram vistos juntos. Antonomásia, que nasceu ainda na terra do macarrão, casada com Diácope que ele apenas ele, reformou o casarão da família. E Sinestesia, que irradiava luminosidade durante os trabalhos diários com a maciez do barro na confecção dos utensílios da família, entrou num convento de freiras que anos mais tarde abandonou e ficou a cuidar de seus pais.

Seus Tios eram por parte de pai, Hipérbole, que por mais de mil vezes ajudou a família a se refugiar das cheias do rio Badaró, casado com Apóstrofe, mulher muito religiosa, que fazia questão de dizer durante o dia : “Oh Deus! tem piedade de nós”. Hipérbato que coincidentemente também tinha o mesmo costume, a sua era: “das minhas coisas cuido eu”, casado com Gradação que sempre que chegava de alguma viagem distante parecia não conhecer ninguém, ficava quieta, depois de um tempo começava a conversar e alguns dias mais tarde já estava a dançar sozinha pelo velho casarão. Silepse adorava literatura, para ele “Os lusíadas” glorificou nossa literatura, casado com a excelente Dona Ironia mestra na arte de judiar das crianças. Pleonasmo era o mais ausente, sua ausência era sentida nas reuniões matinais da manhã por todos da família, tanto que morou sozinho e não se casou.

Por parte de Mãe tinha Dona Anáfora que era uma ilha cheia de graça, ilha cheia de amor, ilha rodeada de gente envolta, viúva de Eufemismo que foi morar com Deus depois de tentar cruzar o deserto de Braga. Prosopopéia que se portava como um jardim, olhando as reuniões da família sem dizer uma palavra, casada com Assonância um mulato nato no sentido lato mulato democrático do litoral, o que na época era uma união incomum. E Paradoxo que sabia tudo de construção de canoas, mas não sabia nadar. E Tinha que aturar os roncos de sapo croâ, croâ, croâ!... de sua esposa Onomatopéia depois dos almoços de domingo.

Já o resto da família fica para uma outra história

Entendeu minha linguagem?

Seu figura!



Gilberto, Gilberto Granato é parente de Epizêuxis.