sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Belicosidade

Isto mesmo. Não sei o que é. E não tenho a menor idéia do que seja. Mas meu primo, priminho, filho do meu primo, sabe. Escreveu no alto dos seus dez e alguns anos a mais, em uma poesia. E bem no segundo verso da segunda estrofe lá estava ela. Fruto, ou melhor, furto da língua portuguesa, que me deixou prosaico, absorto, encafifado mesmo, para não parecer que estou querendo covardemente revidar na mesma moeda.

Recusei-me a ir ao pai dos burros. Achei melhor decifrá-la por minha conta e não foi difícil não, era óbvio! O leitor já fez nhoque alguma vez? Pois é. Tente fazer, sabadão à tarde, se aventure, vai ver que é um negócio dos mais difíceis, até mesmo para os que acham que sabem cozinhar. Pois o segredo do nhoque é o que? Hein? A belicosidade oras. Na hora de juntar a maçaroca de batata ao trigo, para dar a liga, passo fundamental do processo, se for trigo demais, vira nhoque de trigo e se vai de menos vira uma pachaca entre os dedos. Portanto para os mais sabidos. O nhoque caseiro para chegar ao ponto ideal é necessário que o operador encontre a belicosidade perfeita. Resolvido?

Talvez não. Meus leitores são exigentes e não se convencem à toa. Pois saibam que o termo era utilizado na década de cinqüenta, aqui mesmo no Brazilzão. Toda moça que naquela época queria casar-se, era fundamental manter as aparências, portanto além da educação e da descrição, a forma contribuía muito para fisgar o bom partido, porisso era injurioso ter uma barriguinha. Èh! Aquela que sai um pouquinho da cinturinha e às vezes cai pra fora da vestimenta, constrangindo a pobre coitada e que hoje perdeu a inocência e virou rotina no litoral na época do verão. Que no homem se chama pança, que na moda se chama bojo, que na gostosa da academia de ginástica se chama pneuzinho, que na gravidez se chama ventre e que naquela educada década se chamava belicosidade.

Matei a charada.

Muitas belicosidades pra você!

E por favor, não consulte o dicionário.


Gilberto Granato.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

FAX

Depois que Graham Bell inventou o telefone, daí pra frente virou bagunça. Hoje a evolução dos aparelhos telefônicos impressiona e assusta, fazem de tudo. Confesso que o último grande susto que tomei (pois hoje não entendo mais nada) foi com os aparelhos de Fax. Que avanço! Até hoje não sei como um aparelho daqueles passava um texto, uma imagem, um rabisco pra outra cancha em que tivesse um similar. E depois só pra confirmar tinha aquele telefonema pra perguntar: E aí chegou? Pois era intrigante imaginar por onde todas aquelas letras sairiam e chegariam a jato, por aquele fio fininho engatado na parede.

Na infância ter Fax era coisa séria. De empresa séria, gente séria, coisa de adulto... sério. Quem tinha um destes em casa, era porque tava em plena ascensão social. Ficava ali na sala, para que as visitas pudessem ver, em cima de um móvel próprio, feito sob encomenda e com uma flanelinha marrom a postos para um limpeza imediata em caso de poeira. Era a chave da esperança. Se você quisesse arrumar um bom partido, era só interromper a conversa e dizer: Preciso passar um Fax! Pronto era casamento na hora. Pra conseguir um bom emprego era só balançar a cabeça positivamente, quando viesse a pergunta: Sabe passar Fax? Os carteiros temeram pelo pior, os colecionadores de selos também, os burocratas nem se fala. Com o tempo o termo foi sendo hostilizado, e hoje passar um Fax, é o resultado final do que comemos.

A última grande invenção realmente foi o Fax. Hoje nada mais me impressiona. Nem terremoto, Tsunami, dinheiro na cueca, preço da cerveja na praia, playboy da Flávia Alessandra, leite com abridor, meu filho tentando subir na mesa... Tanto que comprei um. Contra a corrente da internet e dos anos 2000, contra as previsões meteorológicas e astrológicas, contra os ecologistas e a todos, que diriam: Fax pra quê? Sem nenhum sentimento. Um marco na minha história, o obelisco da minha infância, a baliza final da minha psicologia mal resolvida.

Agora já posso pensar com carinho naquele fazedor de suco instantâneo.



Gilberto Granato, ainda não passou nenhum FAX.

sábado, 9 de janeiro de 2010

VHS

Gostas de um bom filme meu leitor? Pois é, me too. Geralmente espero um mês ou mais, para que dê tempo de chegar algo interessante aqui no interior. “Interessante” aqui, além do estado gravídico do dicionário, é aquele filme que não vai ser um sucesso de locação, mas é original, com conteúdo, autêntico, que não se preocupa com que as mega produções de Hollywood vão dizer. E que o dono da locadora traz sem querer, por causa do ator ou atriz conhecido. O cara da locadora adota o chamado “cine-coronelismo”, ou seja, seleciona o filme que lhe convém, nem pensar em sugestão interessante, sob o risco de ser editado. Hoje fui pegar um drama, gênero que aprecio, de uma dupla de atores bem conhecidos. Achei o filme na sessão de comédia. Tupitudo, perguntei por que não estava na sessão drama. O mesmo respondeu que nesta sessão não teria locação, pois saiu um cochicho na cidade que o ator do filme é gay e aqui no interior o povo não entende bem essas diferenças não sabe. Então colocou o filme na sessão comédia pra levantar o ibope do protagonista, deu pra entender? Complicado né. Um outro grande filme diz que não vai trazer. Pois segundo ele, é nota 6 (já percebi também que quem dá a nota é ele mesmo) e por aí vai...

Tá vendo meu leitor. Se vieres rodar um filme estrangeiro aqui no interior, deixe pra lá este negócio de “interessante”. Venha e faça um curta-metragem pra não dar sono, trace um roteiro adaptado, coloque mais terror no jeitão, um pouco de comédia na fala, use o figurino convencional, abomine os efeitos especiais, faça tudo bem dublado e a trilha sonora... Por favor, o gospel. Falou?

Bilheteria garantida!


Arawãkanto’i Tapirapé, escreve aos sábados.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Vovó

Era daquelas da antiga. Diferente das de hoje moderninhas, que dançam axé no meio da festa e usam o máximo que podem dos recursos estéticos da medicina. Vovó Carmem fazia questão de dar um trocadinho para os netos, mesmo que fosse às escondidas, pois os filhos achavam não ser necessário, cumplicidade de Vó. Estava sempre com aqueles vestidos discretos em tons pastéis, lisinhos, lisinhos, bom de ficar encostado no meio das pernas, proteção garantida. Não abandonava o terço, a igreja e a fé em hipótese alguma.

Era daquelas que matava galinha com as mãos, catava piolho com os olhos e não perdia um programa Silvio Santos. Não conhecia os palavrões, os cochichos e o outro lado do mundo. Mas conhecia a praia. E adorava. Ia cedinho para evitar o sol quente, caminhava com seu fiel companheiro pela areia, até que a lembrança a fizesse voltar para iniciar os rituais do almoço. Ato sagrado. Podia ser um quiabo, um tutu ou um angu, não importava era tudo bão! Depois, oferecia quase como súplica a sobremesa generosa, não dispensava um repouso, que podia ser na cadeirinha de palha da varanda e um gracejo com os netos. Tinha cheiro de avó, cabelos de vovozinha, atitudes de vó. Minha vó, foi daquelas que fez tudo certo. Deu seu belo exemplo de vida para que os mais atentos se espelhassem. Deu amor e carinho a todos. Deu sem querer nada em troca.

Certo dia achou que já era hora de largar a cadeira de rodas, o egoísmo do cotidiano e a falta de tempero das cozinheiras contemporâneas e foi descansar. Talvez em alguma aldeia indígena dos seus antepassados, cheia de indiozinhos magrinhos para ela poder ficar o dia inteiro por conta deles.

Descanse em paz minha avó querida!

Que Deus a tenha.

Subscrevo-me


Gilberto Granato.