quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Os Discos Voadores

Eles não estavam no céu, mas vi um. Uma vez na infância. Estava brincando de pique com os guris e ele fez a curva lá no céu escuro, foi o único que vi, corri até a esquina e não o avistei mais, passei por mentiroso, mas que eu vi, eu vi.

Agora estou com uns aqui nas mãos analisando a textura, arte gráfica, encartes, veja só este aqui custava 2.190,00 cruzeiros, este outro avisa que também está disponível em cassete, este está quase perdendo a capa, olha este pedindo desculpas, pois repetiu a mesma faixa duas vezes e sugere substituição. Você que nasceu antes da década de oitenta, já sabe do que eu estou falando; Dos discos de vinil, do conservador e tradicional Long play o LP.

Foram neles que ouvi minhas primeiras canções. Ia com a Mãe lá na Mesbla do centro de vitória, que hoje anda sem chinelos. Era uma ação lúdica ver aquele monte de capas de discos, tornava-se quase uma exposição de arte. E para ouvir? Com o maior cuidado para não arranharem e com o máximo de sinergismo nas agulhas, por favor. Tirava-se dos plásticos e prontamente exalava aquele cheiro de novo, de coisa nova, de novidade. E aqueles estalos! Igual pipoca estourando, antes da primeira faixa? Deixava-nos ansiosos pelos primeiros acordes, será que seria a bateria, o baixo, um teclado ou o vocal mesmo? Comprava-se um e todo mundo já sabia o que você ouvia, não tinha como esconder um objeto de 30 por 30 centímetros. Tinha o processo arquitetônico de fazer o lado “A” conceitualmente diferente do “B”, ou colocar os Hits no “A” e as mais alternativas no “B” e várias outras vantagens para os que valorizam o passado, assim como eu.

A maioria das pessoas foram se desfazendo deles, dos aparelhos, sem olhar para trás. Antes que fosse tarde comecei a gritar aos quatro cantos e minhas sempre generosas tias, sabendo do meu apelo, ouviram e me deram os seus sem uma ponta de ressentimento (pelo menos aparente) o que me deixou com menos remorso, mas pelos menos elas sabem (ou acho que sabem) que estou cuidando da história, de nossas histórias, de suas histórias. alguém tem que fazer isto? O primeiro, da Gogóia já está recuperado, tinha uma colônia centenária de formigas no seu motor o outro da Terezinha ainda precisa de “umas borrachinhas” que estavam ressecadas, que só devem ter lá na capital. Ganhei discos dos tios, dos amigos lá das Gerais (mineiro já é mão aberta, parente então), peguei aqueles que estavam lá em vitória, que ficavam sempre com o Chico Buarque na frente me olhando com seus olhos claros e os trouxe todos para aqui, lá no porão, já sem as baratas, junto com a piscina de desmontar, a bateria, os brinquedos de criança ainda nas caixas, o violão, atabaques, casaca, zarabatana, sob os olhares atentos de uma índia Karajá, quadro pintado por Idjahuri Karajá lá da ilha do bananal.

Sentei e comecei a descascar e a emendar fios, minha companheira cadela ximbinha ia comendo os pedaços que caiam no chão igual a chicletes, não deixando sujeira aparente. Olhei atrás do aparelho e olha que beleza, apenas quatro orifícios para serem conectados, assim fica fácil, não precisa ligar para ninguém com dúvidas, apertei o power e ele começou a rodar lentamente, deu para ouvir o seu esforço nas caixas. Abri o primeiro e com vontade de espirrar, a “garganta diferente” e com os olhos já avermelhados pelas colônias de ácaros, que também faziam suas história ali naqueles discos. Ouvi os primeiros acordes de “Homeward bound” de Simon e Garfunkel e deixei chegar até o refrão por duas vezes, pronto já havia recuperado algo perdido, algo esquecido, mais uma responsabilidade para meu Otto tocar em frente. Abri outro “A burguesia fede/A burguesia que ficar rica/ E enquanto houver burguesia/ não vai haver poesia” Cazuza disparando seus rojões na sociedade antes de partir. Ouvi Egberto Gismonti, Nélson do Cavaquinho e “kátia flávia” de Fausto Fawcett e os robôs efêmeros, que estava na trilha da novela “O Outro” de 1987, com a Luma de Oliveira exibindo o seu corpinho escultural com uma roupinha de ginástica bem calhiente na capa.

A festa já está pronta. Aguardo os convidados!

Uma ode aos discos de Vinil
Uma ode ao futuro
Uma ode a minha alergia novamente!


Gilberto Granato

domingo, 26 de outubro de 2008

De olho na caça

Que calor infernal fez hoje!
Groenlândia segura as pontas!

Após uma tarde sem sexo, sem mentiras e com videotapes, resolvi efetuar o meu último ato desta noite de domingo, por sinal bem esdrúxulo. Cortar o cacho de banana.

O meu pé de banana, minha bananeira, fica aqui mesmo em casa e me é generosa. Lembro do dia em que fiz a sua cova bem profunda, até onde meu braço não alcançasse mais, coloquei adubo, terra apropriada e a enterrei para a vida. Uma espécie geneticamente modificada conhecida como prata-mirim. É uma bananeira que não cresce muito e é bem fértil.

Após o plantio, fazia questão de mostrá-la com orgulho ainda pequena para todos os visitantes. Ela ainda miúda, despertava risadas do tipo: um pé de banana no quintal? Vai ficar pequena é? E quem vai cuidar? Esse cara não é normal. O tempo passou e hoje todo mundo acha docinho quando come, acha exótico ter bananeira no quintal, fazemos doces, doações e sobra até para os pássaros frutíferos. Todos adoram minha banana, ou melhor, minha bananeira.

Acabei de cortar mais um cacho, grande tem mais de 140 bananas e têm mais dois que daqui uns meses vão amadurecer. Cortei com precaução para me esquivar da nódoa, que já me manchou algumas roupas, deixei o arame pronto para prendê-lo lá no boteco, cortei, pesado pra cacete! E fui levando, gastando minhas últimas energias do fim de semana, pendurei com muita dificuldade, coloquei um jornal (classificados é claro) embaixo para neutralizar seus vestígios, sentei em um banquinho de jatobá do cerrado e fiquei a pensar com altivez as futuras doses de potássio que serão fornecidas para a minha família, agora o que era um boteco, virou uma mercearia, quem sabe amanhã eu também não compre uns pacotes de biscoito, umas mariolas, uns pirulitos...

Nesta de ficar olhando. O meu gato ximbico estava lá, deitado em cima da bancada exausto observando tudo. Hoje foi dia de banho com um novo xampu super clareador segundo o fabricante, mas não relatou nenhum efeito colateral do tipo leseira total. Engraçado o gato toma banho e é aí que ele se lambe mais, ele não deve gostar do banho, do cheiro do xampu, se bobear nem de mim, mas gosta da casa, disto tenho certeza.

Estava lá, deitado, rabo mucho, pupilas semi-dilatas, quando inesperadamente um belo grilo de tamanho diminuto e de um verde musgo aterrizou no chão. O gato prontamente ergueu a cabeça, dilatou as pupilas e seu rabo começou a dar umas sapecadas, típica de predador na espreita de sua caça. Prontamente tentei desviar a sua atenção com o tradicional psspsspsspsspsspss!..... Ele desviava sua atenção e me olhava, relaxava e o grilo sem saber do perigo que estava ao seu redor, dava outros pulos e ximbico já levantava as patas e já figurava posição de ataque, por sinal, foi ele o afugentador da fauna desta casa, os sapinhos coloridos sumiram, as mariposas também e os beija flores já não são tão (olha que junção de aos!) mais imaturos como antigamente.

E continua... psspsspsspss!.... e o grilo pula.... psspsspss!.. e o grilo dá mais um salto, até que resolvi apagar as luzes e me afastar do local, o gato fez o mesmo, cansou de tanto desvio de sua atenção, foi procurar um lugar mais macio e com menos gente chata como eu...

E eu? Sou o salvador da noite meu leitor, salvei a vida deste jovem grilo verde

Agora meu caro inseto, quando eu estiver precisando de sorte, lembra o que eu já fiz por você tá?

Boa noite.



Gilberto Granato

sábado, 25 de outubro de 2008

Ao dia de Pierre Fauchard

Cedo nesta época e mais fresco do que a dias atrás, devido ao opinado horário de verão. Tudo propício para uma bela consulta matinal com a TV passando reportagens de reivindicações de moradores dos bairros das terras capixabas.

Um senhor com nome de mês entrou hoje no consultório. Que não nasceu em Agosto e nem é parente do Setembrino, muito menos do Outubrino. Chegou dez minutos antes do previsto. Era o meu primeiro cliente. O senhor “nome de mês”, chegou às três horas da manhã em Castelo, dormiu pouco. Tinha ido a capital trazer adubo inflacionado para um agricultor da região, mesmo assim, encontrou animo e achou importante ir cuidar de sua saúde bucal, que já estava precisando de uma reforma, já há algum tempo, ele sabe disto e não se preocupa, pois chegou a sua primeira consulta “fagocitado pela esposa”, se não fosse ela, ele não estaria ali antes das oito da manhã de um sábado de sol (A bondade das mulheres sobre os homens!). Já nas outras consultas sofreu mitose e foi sozinho.

O que o senhor “nome de mês” gosta mesmo aos sábados e de tomar umas cervejas e creio que durante a semana também, como já disse é um senhor, tem netos, anda como quer, já plantou suas árvores, já entende bem a vida, faz dela o que bem entende, é feliz. Deitou-se na cadeira e durante uma hora permaneceu serenamente boquiaberto, enquanto eu restabelecia o desgaste de uma vida mordida, doída às vezes, mas em que ele se manteve em pé, firme até aquele instante. Com certeza seus genes passarão para as próximas gerações, é um Darwiniano.

Após uma hora o senhor “nome de mês” levanta-se bem melhor, animado, já pensa na sua cerveja lá no seu boteco favorito e foi de lá que durante uma hora, lembrou de Ananás, que não é parente do abacaxi, muito menos do tupi guarani, apenas seu companheiro de boteco. Ananás como bom Castelense, vai ao boteco pelo menos quatro vezes por semana. Homem com poderes monetários, que segurou a esposa enquanto era munido de tal poder, fofocas baixas de boteco.

Certo dia, Ananás achou que era hora de recompor o seu sorriso, já era um homem só, precisava de outras formas de conquista, as mulheres sem o atrativo monetário, são mais exigentes. Foi ao dentista e colocou uma bela perereca, que não é o anfíbio, muito menos aquela que você está pensando agora. E voltou a sorrir. Foi o comentário do boteco, os dentes novos de Ananás!

O senhor “nome de mês”, passou a observar que o velho companheiro de esquina ao tomar a sua cerveja gelada da marca favorita, sempre a retirava antes, ela a perereca, colocando-a no bolso da camisa ou da calça, dependendo do traje. E aí voltava a ser o velho Ananás de antigamente ( com redundância por favor). Passaram-se dias, pois a conversa no botequim vai ficando “gasta” e ele resolveu perguntar o porquê de tal ato contraditório. Talvez a dentadura o machucasse? Não estivesse acostumado ainda? Tradicionalismo? Loucura?

Não, nada disto. O senhor Ananás apenas disse que desta forma, sentia melhor o gosto da cerveja!

Viva as cervejas de boteco, que fazem mais sucesso, que certas mulheres de boteco!

Ao Dia do Dentista!



Gilberto Granato

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

O tempo não para

“Tem pequenas coisas que nos fazem falta, assim como, tem grandes coisas que não valem à pena”

Ele estava lá, em cima do criado mudo, impressionante esta palavra, não sei nem se ela existe mais, agora deve se chamar “dumb servant” e custar um pouco mais caro. Será que era uma forma de retaliação aos criados dos antigos casarões que se arriscavam a tecer um comentário sobre o tempo? Que falavam do gosto da comida? Ou que respondiam de canto de boca aos chiliques das esposas dos senhores de engenho? Ou ele exercia a mesma função do criado, porém mais taciturna. Bem não importa, só sei que ele estava lá, tinha uma cicatriz de uma queda bem no meio da testa, do tempo que servia a uma prima minha lá na capital, coincidentemente era mudo também, a não ser quando a empregada com todo o seu carinho tifonês (Deus grego) mexia em suas articulações, aí ele emitia um sinal típico de TV fora do ar, mostrando o seu desconforto e descontentamento.

Era cinza maduro, retangular, emitia uma singela luz amarela e tinha uma inteligência fenomenal, não perdia a hora, nem os segundos, que organização. Eu, um semi-organizado convicto me baseava na sua luz, para não me perder no tempo, no sono, no esquecimento, no compromisso, na vontade de chutá-lo, mentira, nunca quis chutá-lo sempre o tratei bem ao contrario de quem fez aquela cicatriz na sua testa, um covarde, um desleixado, um chutador barato. Ele era a minha segurança, confiança, me dava boa noite e me cobria antes de dormir e eu em contrapartida caprichava nas prosopopéias. Era o primeiro ser que eu olhava ao amanhecer. Às vezes, em noite de apagão, ele acordava piscando, emitindo um sinal de alerta, pedindo socorro, ajuda e eu em retribuição, dava e voltava tudo ao normal, ufa!

Um dia o seu maior inimigo. Aquele ser invisível, que anda por dentro dos fios e se propaga por meio da reordenação dos elétrons, sofreu um fenômeno físico parecido com um curto (o eletricista não conseguiu se fazer entender), uma baixeza, um golpe rasteiro, uma sacanagem mesmo a qualquer ser inanimado do bem, no meu amigo do bem e ele parou, nunca mais propagou sua luz, apodreceu, cheirou a queimado. Foi-se o meu retangular companheiro.

Fiquei uma semana inquieto, ausente, com um vazio dentro de mim. Ele foi para a UTI ficou lá muito tempo, não me davam notícias, perguntava a minha esposa a todo o momento e ela só remediava o meu esdrúxulo sentimento, como se já soubesse o fim. E foi o fim. Não voltou mais, nem para doação de seus parafusos para um outro ser, nem para um despedida muda, silenciosa, nem para um segundo a mais.

Esta semana chegou um parente seu, do mesmo local, da capital. Prateado, com aerodinâmica moderna, embalado em uma bonita caixa. Coloquei-o em cima do servo criado, que durante este período, permaneceu como sempre sem emitir uma palavra, de luto. Ao conectá-lo aos inconfiáveis orifícios do ser invisível sorrateiro, meu espanto maior, foi ver a sua vitalidade, típica da jovialidade mecânica, do início. De madrugada ao olhar para ele, enviou-me uma intensa luz vermelha rubro de três algarismos, que ficou gravada em minhas retinas e que até agora ao fechar os olhos ainda faz-me lembrar dos números.

Ainda estamos nos conhecendo, nos acostumando. Tenho certeza que faremos uma boa amizade. Afinal de contas dependemos um do outro.

Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
Eu não vivo mais sem um rádio relógio
Eu não sou louco!


Gilberto Granato

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Tratado da ociosidade

Há muito tempo eu já precisava debater um pouco sobre o complexo título. Tem uns amigos meus, na verdade dois grandes amigos da onça maracajá, que desde que voltei da terra do nunca, proferem esta palavra, que confesso não a entedia muito bem e a achava extremamente ultrajante.

Vamos lá, vamos ao dicionário; Ociosidade: sf falta de trabalho, desocupação, folga, porra pesado! Não condiz muito com aonde quero chegar, mas acima está Ócio, que não é parente do bócio, que já anda meio controlado pelo iodo, nem do equinócio astronômico, muito menos daquele negócio que você esta querendo fazer a muito tempo e anda meio sem tempo, ou melhor, sem ócio para fazer. Mas voltando ao dicionário é: descanso, folga, lazer, vagar, opa! Já melhorou, podemos começar.

Meu primeiro impacto gramatical foi na minha viagem à vitória a uns dois anos, para a festa de aniversário de um destes doces companheiros. Chego lá, revejo os parceiros e chega um transeunte e me joga esta – À, este que é o tal do ocioso? Caralho, quem é esse cara? Minha pobre e humilde reputação já tinha chego na minha querida ilha do mel de forma um pouco deturpada e por um deturpado. Olhei aquele pobre coitado cheio de doutorados e problemas psicológicos graves e apenas fui atrás da máquina de chope.

Mas o cidadão em questão me fez chegar até a concretude de meu pensamento atual e procurar uma solução empírica do problema metafísico-teológico que me perseguia. O habitante principalmente da cidade, não consegue se livrar do cinto de segurança, que o prende de descobrir a si mesmo. Ninguém poder parar, se parar, lá vem o mané... que moleza hein? Folgado, à toa, improdutivo, estático.... A nossa sociedade, principalmente erguida e muito bem erguida na base da enxada, não suporta descansos, muitos se foram, sem olhar para dentro de seu coração ou contemplar ao seu redor as inúmeras possibilidades que a vida nos dá. Não tiveram tempo para isto.

Nesta semana, devido a incrível dilatação abdominal de minha esposa, agora sim uma melância provocada por um pequeno e lindo ser de duas consoante e duas vogais, proporcionou o aumento do meu turno de trabalho, sim do meu primeiro trabalho, que é o de dentista, que me dá prazer, pois o faço com alegria, que passará a ter uma carga horária de 11 horas diárias, mais as manhãs dos sábados ensolaradas, beleza, tudo bem, mas o que me preocupa é o meu ócio. Como ele ficará? Triste? Sem atenção? Sem evolução? Sem empolgação? Sem utilização? Sem ção Meu ocupado irmão? É nele que eu procuro as novas ferramentas do meu dia a dia, é nele que eu encontro uma outra razão para fazer os outros sorrir, para me fazer sorrir, para despertar as minhas habilidades, para melhorar os meus conceitos, para melhorar o mundo!

Vi na Tv estes dias na plenitude do ócio uma entrevista, nestes canais “B” com um sábio sexagenário ator. Ele foi perguntado quais eram as 10 coisas que um ser humano deveria aprender nesta vida. Em uma delas disse: Viver o ócio sem culpa. A repórter até se espantou, e ele frisou a frase novamente com mais veemencia. E sabiamente definiu o sinônimo de ócio: criatividade, isto mesmo é no ócio, que o ser humano busca novas alternativas para ser mais completo, mais inventivo, mais inteiro, mais multifacetado. Teve um outro escritor, que comparou o ócio ao prazer, “É preciso a sociedade sentir prazer para as coisas andarem melhores em todas as ciências”. Já eu defino da seguinte forma, o ócio é como uma prateleira cheia de pacotes de miojo, ou você passa batido, ou você pega um, ou você vai experimentando lentamente cada sabor novo a cada ida ao supermercado e vai conhecendo desta forma mais os sabores vida.

Que fome
Que filosofia ociosa
Que saudade do meu ócio
Que ócio!



Gilberto Granato

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Oscarito Soares

Oscarito Soares, também conhecido como Oscar é fruto dos desfruto. É fumo de rolo, é pedra no sapato dos hipócritas, é Kumu, é vendedor da humanização na prática de saúde pelo país a fora, pois se fosse na época ditadura ele já estaria mesmo era fora.

É artista sombrio, enigmático, pragmático, profano mesmo melhor dizendo. É renascentista, ou melhor, não é não, não se vê como o centro do mundo. É naturalista, sim naturalista, daqueles que se pudesse andava nu cossando o saco mucho. È comediante, é folk é um tomador de cerveja e não liga para os rótulos. Seu lugar na história seria o sul da mesopotâmia, mais precisamente na babilônia criando e confundindo. Seu lugar hoje é seguir a massa de ar quente, quente por melhoras, por atenção, por um copo de água sem parasitas.

Oscar foi, ou melhor, é, pois está longe de morrer ( já tirou o apêndice!) inspiração para os trangressores, para os corretos, para os éticos, para os bêbados e para as almas penadas de nossa comunidade. É o ator protagonista de uma série de belas crônicas de seu novo paradeiro o Acre. Terra do esquecimento, dos pontos de ônibus descobertos e dos fãns de Euclides da Cunha. As belas crônicas, que na verdade estão bem agudas ainda, foram enviadas recentemente para minha esposa e acabei de ler, não me contive, não pedi autorização e também não pagarei direitos autorais, pois ainda não recebi a minha insalubridade....Vou colocá-las aqui para que não se percam neste mundo cheio de backspace.

Grande Oscarito, grande amigo, grande Pai, grande médico, grande artista da periferia....

Á, já ia me esquecendo. Ele tem cheiro de fumaça!


Gilberto Granato.


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PINÁCULO

Nossa vida no Acre.
O inverno está chegando. O bolor já se anuncia.
Ontem escutei alguma personalidade dizer que o Acre é o centro da América latina. Sabe que é verdade, está bem no meio mesmo. No fundo, no fundo, sempre pensei que isto fosse lá pelas bandas de Cuiabá. Mas pega bem admitir que o centro é aqui. E, reparando melhor, o centro, bem centro mesmo, está aqui no meio da nossa casa. Esta casa não se inclina de jeito nenhum. Se o Rio de janeiro for para baixo e Lima subir oito metros, como uma gangorra, aqui em casa não acontece nada, no máximo o copo desliza alguns centímetros sobre a mesa. Se uma massa migratória subir para o México tentando um coyote que os conduza por Tijuana, lá pela Argentina vai faltar neguinho e o nosso vasilhame quase não se moverá. Se muito escorrega um pouquinho para o outro lado da mesa.
Eu oriento as crianças a não ficarem muito tempo num canto da casa ou evito que brinquem juntos por tempo demasiado uma vez que há risco de afundar Bogotá e elevar Montevideo, podendo inclusive represar a foz do Rio da Prata. Se tua casa aí longe se inclinar muito podes crer que eu e minha mulher estamos namorando por aqui ou colocamos as compras no lugar errado. Mas a ordem e disciplina das coisas por estas bandas foram abaladas. Minha mulher entrou numas de colocar uma cortina horrorosa separando a sala com a cozinha. Alega que assim o ar condicionado não escapa e o conforto da sala de jantar melhora. Horrorosa esta maldita cortina, parece meretrício. Pois bem, lembrando da física, sabemos que o ar frio é mais pesado que o ar quente, então o centro da américa latina se desloca. Assim, para compensar, eu tenho que me contentar ficando refugiado na despensa, lá nos fundos, sentado num banquinho de pau. Eu e meu vira-latas, o Filé. Dois vira-latas anônimos lutando pelo equilíbrio desta terra.
Aposto que você nem sabia disto.
Se vieres ao Acre deixe alguém no seu lugar.
(êta, balancinho bom!)





QUASE

Nossa vida no Acre.
Quando chegamos na cidade um circo estava por lá, ou, melhor, por aqui.
Um circo poído, velho, meio godê, assim, assim, meio caidaço. Pois bem, reparei que o seu staff também não tinha lá o seu glamour. Um trapezista meio raquítico, a atendente do mágico com suas meias de liga com uns furinhos evidentes, o mágico meio bêbado, o dono bem gordão, a mulher do dono com a maquiagem borrada, o palhaço meio com cara de trapezista, o bilheteiro meio com cara do dono, a atendente do mágico meio com cara de mulher do dono, o dono meio com cara de mágico, o vendedor de balas meio com cara de palhaço, o palhaço meio com jeito de tratador de animais, os animais meio com cara de bilheteiro, o tratador de animais também é a cara do dono. Enfim, eles nunca estavam juntos no mesmo alcance visual do espectador. Pera aí, espera aí. A mulher do mágico é a mesma mulher do dono. E o dono também é a cara da mulher do mágico.
(...)
Passada a temporada o circo foi-se embora com suas matuletagens sobre o capô da Kombi ano 76 e apenas um motorista meio familiar, levando isto tudo. Nunca mais vi o dono.
O norte é assim, tem que ter coragem e muita vontade para lapidar o diamante da vida.
Tudo isto é o espetáculo.
Traga seu circo também.
Te espero.
(você seria uma excelente mulher do mágico)


INFÂNCIA


Nossa vida no Acre.Vivo em uma região de florestas e rios. Meus filhos começaram bem a se adaptar no novo mundo longe da vida antes de apartamentos e shopping center. Já a minha mulher tem dificuldades para se adequar a um lugar com profundas limitações de trabalho, facilidades e conforto.Realmente não é fácil viver num local estranho.
Outro dia ingressou na nossa família um pequeno cachorrinho vira-latas de pouco mais de um mês de vida. Como a nossa casa fica em um sítio que tem outros cães, pareceu elementar que ele seria triturado pela alcatéia feito filé mignon. Seu nome então é Filé. Mija e caga pela casa inteira. Tritura sapatos e chora a noite toda.
A casa é uma bagunça, bonecos, bonecas, carrinhos, canetinhas, xixi e coco de cachorrinho.
É uma casa de infâncias.
Infância dos homens.
Infância canina.
Infância minha.
Adoro isto.






DEUS

Nossa vida no Acre.
Hoje é domingo, acordei cedo para ver meus pacientes no hospital .
Retornei para casa e vi meus dois filhos deitados em meu lugar na cama junto à minha esposa. Uma pintura renascentista. Não há o que descreva. Os olhos fechados, cabelos revoltos. Nunca achei que o universo se resumisse tanto em algo tão simples.
Apenas velar o sono dos meus.
Um segundo no céu.
Vitória da vida.



TAXONOMIA

Nossa vida no Acre.
Moramos em um sítio. É esperado que, à noite, muitos bichos se anunciem porque o lusco fusco das luzes da casa atrai qualquer ser vivo que por isto se encanta. As criaturas da noite. Procuram luz aonde secar o peso de tanto sereno. Mas chega de roubar a letra de uma música perdida que pouca gente sabe o que é.
Pois bem, certa noite uma cigarra amazônica, repito, a-ma-zô-ni-ca, imensa, desculpe a redundância, começou sua ladainha na lâmpada fluorescente da sala de jantar, e a sua ladainha, meu amigo, é uma senhora ladainha. Minha filha olhou aquele bicho que tinha um imenso cabeção e olhos esbugalhados e já definiu seu nome: é um inseto-sapo, papai!
Meu filho, por sua vez,diante daquela buzina que o animal fazia definiu ainda melhor: é o inseto-incomodativo!
Outro dia a minha prole foi bisbilhotar uma galinha que orgulhosamente chocava os seus ovos sobre o ninho. O bicho não gostou da intromissão e deu-lhe uma bicada no rosto do menino. Assim surgiu a galinha-raivosa. Depois veio o cachorro preto-perigoso, a lagartixa-tigre, a formiga de bunda-amarela, o besouro-transparente, a aranha peluda-imensa, o cachorro marrom-medroso, a galinha-do-bico-preto, o lagarto-espinhoso, o bicho-cabeludo-elétrico e outros tantos mais.
Rezamos para que um simpósio de biologia ainda vá anunciar toda esta nova taxonomia, mais simples, mais pura, mais precisa e ,quem sabe assim, possamos esquecer toda aquela parafernália-astronômica de nomes em latim.
(que, por sinal, nem sei direito meu nome na escala animal).




HENRY


Nossa vida no Acre. Fui o primeiro a chegar e fazer o ninho.
Procurei habitar perto do hospital, já que num hospital eu tiro meu ganha-pão, mas o hospital é longe de tudo, principalmente das pessoas pobres, e é um hospital para pessoas pobres.A culpa não é minha. Cheguei e já era assim. Porém as pessoas pobres circulam onde circula o dinheiro que eles nunca terão, porém circulam...no centro, bem longe do hospital, acompanhe a equação, please. Estou longe do centro, habito e trabalho longe do centro e para chegar no centro, onde várias coisas me são essenciais, inclusive os pobres, que são essenciais para o Brasil, que se alimenta deles, e não dá muita coisa para eles, desculpe a filosofia, mas para chegar no centro existem inúmeras lombadas do padrão tibetano e mais de seis kilometros a percorrer. Em síntese, me fodi. À pé, estou fodido.
Comprei uma bicicleta. Depois de uma semana, quase enfartei. Bicicleta tri-boa, mas as lombadas, convenhamos, lembra que eu falei padrão tibetano. Tenta e me diz. Não dá, né?
Com um amigo, compramos um chevete ano 1981. Mais velho que o meu colega de trabalho. Não to mentindo, não. O colega existe e tem 24 anos e é , de fato, mais novo que o chevete. Mas o carrinho é bom. Velho, ranzinza e bom, confiável. Bem, quase. As primeiras lombadas do padrão tibetano ele não subiu e no centro eu fiquei, confinado com a lata-velha. Percebeu a equação, eu tinha ido mas não conseguia voltar. Tudo bem.
Limpamos o carburador e ele voltou a ser feroz. É um bólido marrom claro. As meninas da cidade chamam de buriti-do-amor, só para fazer troça. Ele é velho e carrega um cirurgião já desgastado, sem tambor de freio e que começa a engordar. Eu e o chevete fomos feitos um para o outro.
Meu filho diz que o automóvel é horrível, acabado, terrível porém muito valente.É um carro valente . Me sinto valente também, por conduzir o sentido anacrônico em pleno mundo pós-moderno.
Compre um também.
Recomendo.
(sobre o título, infelizmente o chevete não é da Ford)




GEOGRAFIA

Nossa vida no Acre.
Todos os estados do Brasil se fizeram numa relação de dependência de suas cidades frente às capitais, e o motivo é simples. Os rios correm para as capitais e se um rio não chega lá, pelo menos uma grande rodovia ou ferrovia ou outra via qualquer chega lá, sim, como um dreno que suga as pessoas para onde o progresso antes desponta. No Acre não é assim. Sabemos que as cidades da amazônia brasileira têm estreita dependência dos rios, uma vez que estes são, e continuarão sendo, por muito tempo, a grande via de transporte. Pois bem, no Acre os rios correm para a capital do estado ao lado, o Amazonas. É, pois, um estado com seu escoamento perpendicular ao eixo das suas intenções. É um estado que não era para ser . Era para ser Bolívia, mas ficou brasileiro. Chegou tarde na ordem do país e seu desenho é um anexo, um remendo no mapa, sem muito planejamento, um terreno sem frente nem fundos, apenas com entrada e saída por um lado.
O Peru é ao lado com uma grande cidade há apenas duzentos kilometros daqui, porém nenhuma estrada vai até lá, de forma que o acesso ao oceano pacífico seria muito facilitado e imagina você o quanto ambos os países ganhariam com isto. Mas não há estrada, nem rota de via aérea legal, e tudo indica que assim é, por interesse dos proprietários de balsas que abastecem as cidades deste estado com produtos vindos de outras capitais.Ganham muito.
Da minha porta vejo, enquanto escrevo estas palavras, e contemplo o horizonte onde o sol se põe, logo ali, no oceano pacífico, de frente à mim. Estou no Brasil bem de frente ao oceano que não banha o Brasil. Escrevo olhando o Peru, jogando barquinhos de papel no rio Juruá para que cheguem em Manaus e alguém, quiçá, entenda minha escrita.
O Acre é um território esquisito.
E eu também.
Amém.






SENSO-COMUM

Nossa vida no Acre. Caos. Absoluto caos. Não há leis de transito. Não há lei qualquer. Uma turba de gente mecanizada com automóveis, bicicletas, motos, urubus. Os urubus ocupam o centro, já os seres moventes emissores de gases do efeito estufa estão em toda a parte. Nas ruas há três mãos. A que vem, aquela que vai e a sei-lá-entende.Por sinal, a massa condutora prefere a sei-lá-entende.Uma maravilha.
Minha mulher é de QI mediano assim como eu, bem mediano, por isto nos casamos e nos toleramos; no entanto, ela, sem estudar, acertou quase a totalidade das questões teóricas sobre direção segura para renovar a carteira de motorista. Usou apenas o bom-senso e pimba. Foi aprovada com louvor! A maioria restante fez este exame com cursinho preparatório e reprovou. Portanto concluo uma trágica evidência: os novos pretendentes à motorista não têm bom-senso. Feito isto, somado à rua de três vias e a falta de respeito a qualquer lei de trânsito, temos o caos, absoluto caos. Selvageria.
O mais interessante é que você ao longo do tempo vai sendo vencido e começa a se tornar um deles, sem bom-senso .Mas o bem-bom é que você evolui e começa a não esquentar sua cabeça com estas coisas e passa a entrar nas estatísticas, senão, de outra maneira, se transformaria como este texto e ficaria todo em três vias.
Uma que vem , outra que vai e finaliza no sei-lá-entende.
Relaxa baby ,relaxa.
(Sai da frente, caralho!)




TARDE

Nossa vida no acre.
Só o Acre coube na medida que o meu pé delicado tem. Calcei. Agora quero usar até que o couro esgarce e fique poído. Por alguns anos, pelo menos. Foi difícil achar algo assim.Do que falo? Ora, pois é simples. Depois que lutei nas guerras do norte e sobrevivi nas trincheiras sinto que é hora de um pouco de comunismo. Não. Não o modelo ou seita daqueles tarados de Cuba, ou da China, ou do Lênin, ou do Chaves ,ou do Morales, ou do caralho-a-quatro, como o PT. Não, nada disto. Comunismo, derivado da palavra comum. Bem comum mesmo. Paraguaio, bagaceira, latino. Diluído na imensidão.
Hoje recebi a notícia que a nossa maior luta declarada como derrota de outrora, agora vingou, como a mágica redentora de um dia-após-o-outro. Nossos inimigos de antes se envenenaram e morreram, sozinhos, por conta e risco.Ruíram. Desta forma um dos reis desta nação revogou seu veredicto e ,exausto, pediu que nossas tropas retomem os postos.
Saudei meus colegas de luta.Um abraço à todos. Parabéns. Mas não quero mais.
Parei de acreditar. Agora eu quero roubar, sonegar e mandar meus filhos para a França.
Quero ficar no Acre uns tempos, esquecendo tudo. Aqui, bem pertinho do Peru, virando bolor. Será que eu vou morrer de dor?
Boa sorte irmãos. Sigam, bem comuns. Atentos.
Já é tarde para mim.
Beijos.



ENIGMA


A nossa vida no Acre.
Evolua, por favor, evolua. Se não evoluíres, serás extinto como os dinossauros. Grande ditado. Siga em frente, não pare. Assim formamos as ciências e ofícios e a ladainha da sociedade inteira, no ocidente. E vai adiante o santo, dando um premio àqueles que seguem na frente a romaria dos homens evoluídos com o candeeiro e o cetro. Pois bem. Sacou, né?
Eu não evoluí.Me fodi, porra! Fiquei pra traz com a cachorrada toda, aos chutes e latidos.
Como assim? Vamos lá...te explico, calma.
Sou um dejeto da cantilena médica de um país de terceiro mundo. Não tenho mestrado, nem doutorado ,muito menos pós-doutorado, é óbvio, nem especialidade, nem faço tratamentos inovadores, nem conheço quem faça, mas fazem, e eu não faço, nem uso terno, nem uso gravata, nem tenho cabelo penteado, muito menos sapato fino, nem sou distante, nem me aparto, nem sou desejado e nem me querem muito.
Viu só? Fodidaço, doutor! Um merdão.
Mas vou te dizer o que sou. Sou um mestre-especialista em miséria.
Poucos são, muito poucos são. Aliás, somos a nata que a Sorbonne nem sonhou ter.
Ontem recebi um paciente que remou quatro dias para chegar até o atendimento que eu prestei. E ele estava com a perna podre, benzida por uma serpente sorrateira, mais honesta que todos nós somos. Mas ele remou. E perdeu o pé. E eu não fui capaz de fazer mágica. Perdeu ele , perdi eu. Ganhou a nação que não sabe nada disto e segue a ladainha do candeeiro e o cetro lá de cima. Mas e o enigma do título? Qual enigma é este?
É o enigma do que direi para os meus filhos.
O enigma do que realmente vale a pena.
O enigma de chegarmos aos oitenta anos.
Pense. Pense doutor, pense.
(Vá à merda!)





CELULITE

Nossa vida no Acre.
Veja só. Uma pequena porção de tecido vivo, redondo, se encontra com outra célula redonda, e puuf...viram uma unidade maior, redonda. Depois mais outra redondinha, com outra esferóide e mais outras tantas bolotinhas minúsculas, e pim...uma bolotona!
Assim é o meu tecido celular sub-cutaneo, fazendo a celulite.
Com tanta cerveja entorpecente, bandida. Celulite pura e legítima.O que me deixa puto é que escrevem tanto livro de auto-ajuda e Paulos Coelhos, que ninguém dedica tempo maior à seqüência de efeitos das bolotinhas como eu fiz.
As mulheres iam amar... ou não.
Aqui no acre, dá.
Aqui estou sendo fagocitado .
Estou sendo esquecido
Estou virando jibóia.
Dá licença?
(Beijos)



ESCRITOR


Nossa vida no Acre.
Por seis meses no ano, por aqui, chove pencas de água do céu, à ponto de tudo virar um inferno. As estradas fecham e apenas se entra e sai com barco ou avião. Pense agora um moranguinho ou uma alface fazendo isto. O preço que isto tem. Vindo tudo de avião, senão, de outra forma, estes vegetais chegariam mumificados. Sim ,um morango vindo sentado na janela...ou corredor, comendo barrinha de cereal. Pague por isto.Pense. Nesta época do ano um repolho custa mais que um kilo de filé mignon, e não estou inventando, não.
Os mercados vendem produtos que já venceram seu prazo de validade há tempos, tudo bolorado. Olhe bem a data no fundo do pote ou na tampa.
Mas a água do céu continua escorrendo divina e prolífica, aos borbotões. E a chuva segue inclemente sem parar fazendo o rio Juruá subir muito acima de seu normal. E já fazem seis meses que não para de chover e o bolor vai subindo pelas paredes, cobrindo as massas, as bolachas, a seção de produtos de limpeza, vai pegando os ratos que tentam fugir, as borboletas amarelas que já não voam mais e no fundo do corredor da padaria inundada vejo chegando ele, com sua cabeça branca, acima do peso, já velho mas inconfundível. Garcia Marques sorrindo. Estende a mão e me diz: bom dia e aprecie a cena! E segue adiante abanando para as pessoas, todas elas sem saber quem é ele, com água pelas canelas. Então percebo o sinal. Também eu era inconsciente.Estou em Macondo. Vivo no absurdo.
Estou mergulhando em cem anos de solidão.
(preciso me cuidar)





NOUVEAU

Nossa vida no Acre.
Ontem ,para sacudir um pouco o status quo, postulei um outro sentido para se estar aqui.
Surge no Brasil uma forma nova de se ganhar a vida. A vida de médicos itinerantes. Sim. Pegue a velha fórmula de nossos pais estabelecendo um lugar para criar raízes, firmar o nome, ganhar clientela e jogue fora. Não há mais. Foi-se o tempo de cinema com Mazzaropi, Johny Weissmuller, vila sézamo, Sonia Braga pelada, calça de brim-coringa e breck-mirabel. Foi-se, meu filho. Isto aqui é século 21, sacou? Wake up!
Pois bem, somos, inconscientemente, a nova raíz do futuro.O que vem por aí.À galope.
Trabalha-se hoje aqui, gastasse o dinheiro acolá e para cá vem os de outras bandas e os destas bandas vão achar um nicho temporário mais adiante. Não se desespere. Há muitos lugares para ir. Basta querer. Somos um batalhão desajustado. Especialistas em horrores. Fazemos o que poucos sabem fazer. Miséria, meu querido. Somos doutores de misérias.
E o Brasil é generoso em prover.
Te espero.
Um beijo.
(chore, não)



FOLLIE-AUX-DEUX

Nossa vida no Acre.
O sol do meio dia é inclemente. Às quatro da tarde, também.O lençol quente da atmosfera que flutua sobre as ruas não ascende ao céu pois sobre ele há mais calor e por sobre, mais calor ainda.O verão acreano se extende por seis meses e ao contrario dos meses chuvosos, não permite uma gota sequer que venha do céu. Os rios desabam em suas margens e a frondosa floresta verde agoniza seu viço. Dizem que antes não era assim. Agora,porém ,tornou-se goiano ou mineiro.Mas algo me chama a atenção, destoando disto tudo.
Uma vaca solitária, amarrada, foi largada ao lado do passeio público para que depois alguém a busque, se muito, ou talvez porque ali tem algum pasto na margem da rodovia.
O animal agoniza no inferno do sol perpendicular sobre sua sombra. Quer beber água, quer sair, quer mais espaço, não quer estar ali. Com as patas extendidas, em riste, puxa contra a tensão da corda que a segura e fixa no lugar. Luta contra. Quer sombra. Não tem.E puxa e puxa e puxa a corda. Sofre o animal. Ninguém se importa. Nesta batalha com o cizal se desvia para o meio da rua. Os carros são insanos. Os motoristas são insanos. Os urubus aguardam. Mais outro carro desvia. Então, me identifico. Eu sou esta vaca. Eu sou louco. Louco por espaço. Puxo a soga que me incomoda, tensiono o fio. Quero água. Não tem. Quero sair. Não posso. Sou louco. Minha baba escorre pegajosa, o chão está oscilando, as imagens têm um brilho de espelho rente ao chão. Minhas narinas se dilatam, batem, ofegam.Os cascos quebram contra a pedra. Sangro, e muito sangro. Giro a cabeça para as aspas se livrarem da linha que aprisiona.Uma vaca. Eu sou a vaca-louca. Sou agônico. Sou profano. Outro carro corta o asfalto, tirando um fininho. Estou nem aí. Minha luta é com a corda. Fodam-se os carros. Que incomodo, que calor, que horror, meu Deus. Os urubus estão me olhando.Os urubus.Os urubus estão me olhando É o fim, é o fim.
Eu sou a va...
(dedicado a Reinaldo Moraes, pela cópia).




D.M.T.

Nossa vida no Acre.
Como eu cheguei primeiro para fazer o terreno e então os meus virem depois, fiquei cinco meses com uma vida de solteiro. Desta forma as horas pesam muito e é preciso preencher o tempo e a solidão. Voltei a ter uma certa vida social mais ativa, misturada, menos sociopata e agorafóbico como eu costumo ser.
Assim estávamos num domingo à tarde, juntos, eu , Gabiru e a pintora quando Elvis chegou. Foi logo mostrando o ouro que trouxera.Duzentos mililitros do chá poderoso da seita dos amalucados. Sim, apenas duzentos mililitros. Porém, o suficiente.
Elvis era mais experiente no assunto e nos passou os primeiros passos sobre o que sucederia. Primeiro uma dormência, depois algum tremor e por fim sentiríamos que as cores e os sons tornariam-se mais evidentes. Que deixássemos isto acontecer, sem medo. Talvez alguma imagem ruim ou animais ameaçadores pudessem aparecer e ,caso assim pintasse, que abrisse os olhos e buscasse a razão lembrando que tudo seria apenas uma alucinação. Mas no final de quatro horas tudo seria apenas um sonho ou uma experiência engrandecedora, pois coisas boas, espirituais, sei lá, entende, poderiam valer o esforço, afinal é um chá religioso de uma seita que mete até o Jesus Cristo no meio. Sim, pasme, mas é verdade, tem sede no Japão, no Peru, na Etiópia .E é séria, dizem também.Eu duvido, é só desculpa.Há doido para tudo, eu inclusive.
Um pouco em cada copo e cada um bebeu o seu . Gosto estranho, pavoroso. Parecia dipirona. Meia hora se passou e apareceu o tremor e as luzes e os sons começaram a se misturar e foi que então tudo começou. Um caminho sem volta.Acelera aí...pense!

“”Os olhos se fecharam e as luzes invadiram minha imaginação, eu estando só e banhado num universo de cores brilhantes, flutuando no espaço, numa forma de caleidoscópio, no qual os vultos das sombras passaram a ter luz e eu era luz também mas de repente percebo que nada disto era alegria ,era apenas a física que estimulou meus bastonetes e cones, fundo na retina, que meu córtex cerebral guardou como memória ao longo das horas, dos dias, dos anos, cores da minha infância, cores vivas, cores mortas.Não há geometria, tudo é curvo, nada é mágico. É apenas o meu ser pensando, coletando, acumulando, inventando, refazendo o sentido das coisas, querendo Deus, querendo sexo, comida, rock`n`roll, querendo o Diabo, e apenas percebo então que minha solidão é a solidão de todos os homens e na minha vida os outros seres que sobraram estão aqui e são pobres, miseráveis, sem sucesso, sem ar condicionado. Sinto os meus pés na lama. Não verei outra vez Paris, nem o Cairo, nem sentirei os cheiros de hotéis ricos e finos. Dormirei para sempre com tudo que o mundo rejeita, e não quer. A dor, os desdentados, as tetas caídas, as ruas esburacadas,os urubus, o lixo, o Brasil que ninguém admite, Brasil que todos negam, e nem sabem o quanto existe. É Brasil, caralho! Todo iluminado, que nem eu, com velas, lamparinas, queimadas, Itaipu, tiros. As palafitas, as malárias, as feridas,os esquecidos, os violentos, os descrentes, as cachaças e gira ,e gira, e gira, num grande liquidificador que tudo mói e nos mistura todos num suco deselegante que deságua neste rio imundo e que, agora se transforma numa grande onda arrancando meus últimos suspiros. Que pega de banda, de lado. E que me afoga. E que me afunda no horror. E que agonizo. E... ponto!””

Passaram-se quatro horas.
Silêncio.
Tudo acabou, sem ter uma dor de cabeça ou ressaca mínima, sequer.
Di-metil-triptofano, Daime, Ayuhasca, Caapy, tanto faz o nome.Vão todos à merda.
Não me interessa, nem é isto o que eu procuro, de outra forma teria a minha religião.
Eu apenas vivi isto. Foi assim, foi bem assim.
Só me desespero um pouco em saber que nem tudo era só alucinação.
Uma dose só, basta.
(te amo, Brasil...apenas tu sobrou para mim!)


HARD

Nossa vida no Acre.
Ë tido como verídico que o termo “vira-latas”surgiu numa viagem de Fernão Garanhão ao Grão-Pará em idos do século 17. A grande travessia da nave portuguesa custou inúmeras visitas à lata de dejetos. Dejetos-reais, dejetos-marinheiros e dejetos-escravos. Reais nem tanto, mas dizem. Pois bem, Fernão mirou seu fio-fó luso no centro da lata e por ali deixou inúmeros fernandos que acabaram jogados ao longo do atlântico. Seriam mais, porém a preguiça se juntou com a burrice e a lata dos reais ficou por algum tempo à deriva no meio do convés. Tento conceber onde andava a lata dos marinheiros, já a lata dos escravos é inconcebível. Pois bem. Fernando também cagou no mar.
O colon é tido cientificamente como o nosso órgão sociável, pois lhe digo que através dele podemos reter dejetos sólidos , líquidos ou gasosos. Um depósito, por assim dizer (vide tratado de colo-proctologia de Hélio Fragosa, lá de Minas, edição de 1998).
Às vezes Fernando nem imaginava onde andava sua lata real mas a constrição voluntária e involuntaria, fez seu colon reter por inúmeras ocasiões os torpedos lusos, até que algum marinheiro ou escravo soubesse por onde se perdia a lata crostosa do navegador.
Sentiu o clima, né? Fernando e sua lata.
Na real, Fernando era um cagão.
Mas havia na maravilhosa nave um cino-vivente, um cão, um cusco para os menos refinados, que cheirava tudo quanto era coisa horrível. Cheirava as meias, as cuecas, os carpins, os queijos, as calcinhas (sim, Fernando tinha uma escrava), as raízes vencidas, os arenques...e a lata da cagança, tenebrosa, por sinal.
Não preciso dizer o que aconteceu, apenas resumo que o cãozinho cheirador ficou flutuando entre a Costa do Marfim e Salvador, depois que os resíduos lusos escorreram do alicerce superior até o mais inferior patamar da grande embarcação que ajudou a povoar o digníssimo e régio Brasil.
Assim o termo e espécime “”vira-latas”” é amaldiçoado das classes mais altas até às classes X, Y e Z do estrato social brasileiro.
Mas pasmem. O cino-cão, vivo, jogado ao mar, agüentou tempestades, comeu insetos-marítimos, bebeu água da chuva, dormiu nas ondas, baixou seu metabolismo, venceu tubarões e chegou no Brasil e encontrou inúmeras cadelinhas, vira-latinhas como ele.
Dizem que agüenta tudo e não duvido.
Viu só. Agora me defini, sem querer.
Sou vira-latas também.
Cheiro tudo por aí. Adoro calcinhas. Mas vivo e sobrevivo até nas piores tempestades.
(pequena crônica dedicada ao Filé, meu vira-latas de estimação)



Oscar Soares, é Médico Cirurgião Especialista na vida humana



domingo, 19 de outubro de 2008

São Gabriel da Cachoeira

Não tive como escapar. Quatro fatores me levaram a falar de São Gabriel. Primeiro que o Duda sempre escreve sobre lá no seu “crônicas da floresta”. Na semana passada li mais um artigo do Drauzio Varella que por lá sempre anda. O maior seqüestro da história do Brasil das meninas de Santo André –SP, que serviria de base para a minha crônica de hoje. Terminou de maneira trágica, então perdeu totalmente a graça. E já é mês de outubro e as águas do rio negro estão baixando desde o mês passado o que me deixou extremamente saudoso.

Quando lá cheguei pela primeira vez, sobrevoei aquele “mar verde” das florestas mais lindas, bem preservadas e intactas do planeta. Lá durante os anos que morei, nunca vi uma queimada, cerca de arame ou algum tipo de agricultura, que não fosse às roças principalmente de mandioca, feitas através da técnica rudimentar da coivara.

A primeira sensação que tive, foi a de calor intenso. Calor úmido, que te faz ficar ensopado o dia inteiro, como se estivesse em uma sauna úmida global. Esta quentura creio que só fazia bem mesmo ao organismo das palmeiras, que tomavam conta da paisagem. Fazendo-me lembrar de cidades praianas, não sei porque cargas d’água, lembrei de Miami, sendo que nunca estive lá. Esta receptiva mistura climática fez-me contrair uma inédita bronquite e a conhecer o hospital local, logo no primeiro dia.

De setembro a março. O rio negro, rio oligotrófico, de águas escuras devido a decomposição das folhas, ácido, empedrado, encachoeirado, cheio de redemoinhos, que nasce logo acima na Venezuela e forma a maior bacia de águas pretas do mundo. Entra em período de vazante e chega a descer 10 metros em relação ao maior período de cheia. E formam-se ao longo de seu percurso, milhares de praias virgens de areias brancas, destas que gritam, quando agente pisa pela primeira vez. Tornando-se um convite diário para um mergulho e depois sentar e ficar em silêncio observando os botos, os pássaros, o barulho do rio e as raras cadeias de montanhas, que se elevam, perante a planície amazônica,. Uma destas a emblemática “bela adormecida” (foto).

Que saudade do beiju, seja ele de tapioca ou de farinha, duro ou mole. Da farinha grossa feita dos vários tipos de mandioca brava, do aracu, da pirauba, da pirarara, do cacuri, da quinhãpira, da mujeca, da caldeirada, do xibé, da cucura, do tucumã, do tucupi, da xicória, do açaí feito na hora, do patauá, da bacaba, do ucuqui, do cubiu, do buriti, do murupi, do japurá, da carne de paca e caititu (não se espante lá não é crime é cadeia alimentar), da pupeca, da jiquitaia, da pupunha, do caxiri, do ipadu, daquele abacaxi doce como o mel, do muquiado, da samaúma,da lotação, da falta de luz, do conde, do jurucê, do jovaneli, da hollemback 3s, da voadeira, da larva migrans, da rede, do discman, do brega, das picadas de pium, do aroma do repelente, dos amigos, do neranha, da cerveja em lata, da carne em lata, da lingüiça calabresa, do tanaka, dos telhados de Karanã, dos centros comunitários, da ilha do sol, do morro da boa esperança, da palhocinha, dos igarapés, da lanterna, da barba grande por fazer...

A maior cidade indígena do País ainda está lá, com as suas quatro línguas oficiais ecoando pelas ruas da cidade. Com os seus crepúsculos coloridos e com suas rotineiras e refrescantes tempestades. O próprio Drauzio Varella já disse e concordo com ele: “Se antes de morrer me fosse concedido o privilégio da derradeira viagem, voltaria ao rio Negro mais uma vez. Viajaria de Manaus, rio acima, até São Gabriel da Cachoeira” e digo mais e por lá ficaria até que suas praias de areias brancas sumissem novamente.

E você kariua já foi lá? Não? Então tem que ir!.... Tem que ir!



Gilberto Granato.

SÃO GABRIEL ESTIVE LÁ...
(letra – G. Granato / música G.Granato e R. Toledo)



De andada pela rua é segunda-feira
E na calçada do comércio começo a lembrar
Que um povo milenar continua na espreita
E quem cuida da vida alheia
Da sua não pode cuidar


No Graciliano as ruas sempre cheias
E velhos automóveis estão a rodar
Muquiados, beijus e tb pimenteiras
Dabarú, areial serão seu lugar
Suas trilhas emburacadas, cheias de areia
E o povo recém chegado começa a lutar


Êta povo feliz que passa o dia inteiro sem se preocupar
Êta calor danado nas`águas do rio negro vou me refrescar


Fim de semana é uma beleza
E quem mora na aldeia pode chegar
De canoa, de rabeta ou de voadeira
Vendendo peixe, visitando parente
Correndo na praia em todo lugar


Êta povo feliz que passa o dia inteiro sem se preocupar
Êta calor danado nas`águas do rio negro vou me refrescar


Em três estrofes não dá pra contar
A cultura e a riqueza deste lugar!!!

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Reforma da língua portuguesa

Vocês viram né? Nós Brasileiros não desistimos nunca mesmo. Ainda estamos nos esforçando para entender várias coisas como o imposto de renda, a previdência social, o aquecimento global, a queda da bolsa, o tucupi e a saída da Gloria Maria do Fantástico. E agora teremos que nos esforçar mais ainda para escrever o português corretamente (eu me incluo nesta lista). Pois a turma de sabichões da APCPLP (Academia Portuguesa de Complicações da Própria Língua Portuguesa), liderada por Portugal, tendo o Brasil como vice, resolveu mudar entre 0,5 e 2% do vocabulário Brasileiro, para nos absorter um pouco mais até que eles achem uma nova complicação, ou melhor, uma nova unificação.

O intuito da nova proposta de reforma é deixar mais parecida a língua que se escreve no Brasil, em Portugal e mais seis países. Assim, no futuro, todos esses países poderiam consultar um dicionário único. Que grande idéia! Quem deve ter gostado muito deve ter sido o senhor Aurélio Buarque de Holanda, que agora poderá expandir o seu império de dicionários para além das terras Brasilis. Dizem que teremos vantagens políticas, econômicas e culturais. Que beleza! Agora sim, com esta reforma, me sinto mais seguro em fazer minha sonhada viagem para a Guiné-Bissau! Vejam só, será que vão tirar também o hífen deste País Africano? Pois já tiraram do “contraregra” e da “autoestrada”, ih! Olha só! O computador tá querendo me corrigir sublinhando em vermelho as novas palavras. Ele pobre coitado, sabe menos que nós ainda.

Mas daqui pra frente, caro leitor, quando você se encorajar de ir “pára” ou “para” (agora tanto faz um ou outro) São Tomé e Príncipe e sobrevoar com a devida correção ortográfica “pelo”, “pêlo” ou “pélo” oceano Atlântico, não esqueça antes de levar uma “pêra”, “pêra” ou “pera” para matar saudade, pois por lá só vai ter mesmo mangustão e maqueque para chupar.

Agora se a viagem for para Macau, não se deslembre de retirar o acento circunflexo daquelas terceiras pessoas do plural do presente do indicativo ou do subjuntivo dos verbos "crer", "dar", "ler", "ver" e seus derivados, pois eles já não crêem, lêem e vêem mais como antigamente, depois das tempestades de neve que assolaram o centro e sul do país em Janeiro e o terremoto de Sichuan em Maio.

Já em Moçambique a coisa tá diferente. Lá os acentos agudos (aquele grupo radical oposicionista do governo de Armando Emílio Guebuza) não aceitaram mais ditongos abertos de palavras paroxítonas. Ficou decidido após a “ideia” de um oposicionista em uma “assembleia” na cidade de Maputo.

A nova em Cabo verde, é que para ingressar no país de férias para um mergulho na ilha do sal ou simplesmente relaxar e curtir o carnaval na praia de Mindelo é obrigatório a inclusão do kit de inclusão ortográfica “K”, “W” e “Y” na sua bagagem. Para evitar crises diplomáticas, não custa nada!

O momento não é propício para ir para Angola. Pois a capital Luanda está de luto, pois uma das figuras mais simbólicas do mercado Roque Santeiro faleceu, isto mesmo, seu nome era “Trema” um dos fundadores dos grupos carnavalescos mais conhecidos da região a União Kiela e a Kazukuta.

Agora viagem boa é para portugal, com esta mudança toda, ficou extremamente fácil a comunicação e o entendimento por lá. Se você chegar às rascas, alugue um chaveco procure uma mulher besana e peça um broche de presente e tudo ficará “óptimo”, ou melhor, com a nova regra, tudo ótimo!

Entendeu? Nem eu.

Coisas de Nações de língua portuguesa!

Azeites!


Gilberto-Granato com hífen.

domingo, 12 de outubro de 2008

Carta ao secretário

Castelo ES, 11 de outubro de 2008

Caro Amigo Secretário de serviços urbanos do município,

Venho por meio desta, informar minha atual situação urbana, nesta por mim amada cidade. Mas primeiro feche os olhos e tente imaginar em qual bairro eu moro, vamos lá? Vou começar:

Onde moro a rua é de terra com umas pedrinhas brancas que vocês chamam de saibro, mas ela está igual mesmo a uma quadra de tênis de saibro, só que com muitas gretas, fissuras, buracos, lombadas, depressões, rachaduras, trincas, que não me permitem comprar uma raquete e bolinha para uma partida amiga.

Quando chove aí é que a geografia muda. O córrego Santa Mônica, passa bem na porta de casa em uma destas valetas, que vão ficando cada vez mais profundas a cada mau tempo (e olha que chuva tá difícil), lá em baixo na esquina ele encontra com o seu afluente da margem direita, que vem da rua de trás, aí vira um belo rio, me faz lembrar a pororoca do rio amazonas! Pena que minha prancha de surf fica lá em Itaipava, se não eu juro que me arriscava. Quando a tormenta passa, as plantas ficam felizes, mas os seres humanos que querem subir este morro não. Toda lama vai parar lá no meio da rua. Os carros passam e dá para ver direitinho a marca dos pneus enlameados no asfalto, dá pra saber direitinho quantas pessoas passaram por ali no dia. Pra subir, tem carro que acelera rápido, tem carro que sobe de ré, sem o carona, tem gente que volta com medo e tem aqueles que nem vêm, não querem se misturar com a lama!

E quando seca, aí melhora né? Negativo aí vem a poeira e que poeira. Você já viu como venta aqui em cima? No mês de agosto dá medo, são rajadas e mais rajadas de vento cheias de poeira, que sobem e entram em todas as frestas das telhas e das fechaduras das portas, como é bonito! Faz-me lembrar à patagônia. Todo mundo fica com cara de poeira, a roupa, o prato, o sofá, este teclado de computador que escreve e até mesmo o gato, coitado ele tem umas manchas brancas, azar da genética!

Eu particularmente, acho os fenômenos lindíssimos, mas pergunta a minha empregada se ela está gostando? Pergunta a do vizinho? Não sei nem se elas vão querer falar, sabe como é, as empregadas são vergonhosas perto de uma autoridade como o senhor. Á, já ia me esquecendo, também tem o lixo. Lembra que eu ligava todo mês porque o pessoal do caminhão de lixo não subia aqui, pois é, agora eles passam, mas é uma vez por semana. Sabe o que acontece? Você já cheirou dentro do caminhão de lixo? Não, então nem precisa é só vir aqui em frente de casa. Os Gambás, grandes companheiros já estão acostumados. Não sabe qual casa? É a que tem umas dez sacolas na porta que agora nem na porta ficam mais, sabe o porta lixo? Aquele que fica na calçada? Enferrujou e quebrou de tanto esperar. É muito peso, poeira e lama, ninguém agüenta, nem mesmo ele que é de aço!

Pronto senhor secretário já pode abrir os olhos. O senhor pensou que eu estava a falar do interior do Piauí? Mas não meu amigo. Eu estou aqui a seiscentos metros de onde você trabalha e a menos de um kilometro da sede da prefeitura. Qualquer hora destas, vocês já estão convidados para virem aqui. Para tomarmos uma cervejinha e batermos um papo, tá bom? A vista é linda, dá para ver os parapentes voando no céu, o pico forno grande, dizem até que é bairro de rico! Vê se pode? Mas só um lembrete. Não venham de roupa branca por causa da sujeira e nem de barriga cheia tá. É por causa do cheiro!...


Atenciosamente.



Arawãkanto’i Tapirapé

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

A Kombi branca

O relógio do vídeo cassete quatro cabeças já marcava meia noite e olha que geralmente ele fica sempre cinco minutos atrasado. Acho que ficou assim depois das mudanças de fuso horário da região norte para sudeste, além do horário de verão, que nos faz quebrar suas cabeças. Mas hora a parte, achei que também já era hora de parar de assistir aos comentários de técnicos e jogadores no vestiário, após o fim das partidas de futebol da quarta-feira, para ir me deitar e aproveitar uma boa noite de sono ouvindo o ronco gravídico da minha esposa e a cantiga de ninar da chuva fina que caia lá fora.

Levantei-me e fui fechar as persianas, quando notei que lá embaixo na esquina subia uma Kombi, isto mesmo, a clássica Kombi branca. Há quanto tempo não via uma. Um carro que nasceu na bossa nova, foi protagonista do movimento hippie dos anos 60, viveu os anos da ditadura e agora estava ali subindo o morro da formiga embaixo de uma chuva, já depois da hora do lobisomem?

Fiquei a observar por entre as frestas da persiana o subir do “pão de forma”. Aqui em frente é o trecho mais ingrime desta jornada e quem não tem muito costume neste terreno, joga a destreza e as esperanças todas no acelerador. Ele vinha bem, veloz, imponente, majestoso, histórico mas não contava com um “quebra água” pelo caminho, isto mesmo, nas cidades de asfalto tem os “quebra molas” para conter os carros, aqui no morro tem o “quebra água” para conter as águas da chuva. E foi nesta passagem, que desacelerou. E em vez de parar e calmamente continuar sua missão, acelerou mais ainda e ferozmente, o que o fez patinar, acordar a cadela e a prender minha atenção.

Começou a partir daí uma série de barbeiragens, que culminaram com o seu deslizamento até a vala do meio fio oposto, cheia de destroços de construção. Pronto, o carro não saiu mais, o motor foi desligado e rapidamente saiu o motorista, um jovem senhor, bem trajado, aparentou estar voltando de alguma reunião, culto ou festa. Foi respeitosamente até a traseira do carro e começou a colocar objetos embaixo do pneu. Na escuridão, no lado do carona observei que um vulto de cabelo volumoso a toda hora olhava preocupada em minha direção (é maneira de dizer eu estava camuflado) e então caiu a ficha.

O morro da formiga, além de pouco habitado e pouco urbanizado, é muito freqüentado pelos bovinos atrás de pasto, pelos incansáveis pipeiros e pelos amantes da cidade. Não aqueles que amam seu município, mas sim, por aqueles que amam amar, não amar no sentido de bom coração, mas no sentido mais animal da palavra, ou seja: copular, ligar, unir, acasalar, ter cópula...

E quem sobe o calvário não são casais da categoria casados. Estes a meia noite de uma quarta-feira vão para casa e dormem, são outros, das categorias: iniciantes e amantes. E estes davam toda a pinta de serem da segundona, ou melhor, da segunda divisão da cópula. A mulher não descia e demonstrava inquietação, o homem estava nervoso, apressado e preocupado e já era pra lá de meia noite. Estes que sobem correndo acelerando então, são os que têm mais culpa no cartório, não querem deixar pistas. Porém, as deixam todas lá em cima: seus DNA’s nos bicos das garrafas d’água e de cerveja, nos lenços de papel e nas camisas de Vênus, despreocupados, porém prevenidos, não sabem cometer uma cópula sem deixarem pistas.

Já os da categoria iniciantes, se normalmente não se preocupam nem com o dia de amanhã, imagina com as primeiras adesões físicas? Já vi subirem a pé. O rapaz vai na frente e a menina vai depois “despistando”, sobem de moto, bicicleta, carro do pai com as janelas abertas e encarando, do tipo: Não posso copular não? E só aceleram quando o tempo é curto ou a testosterona impulsiona os músculos também da perna.

Depois de alguns minutos de tentativas e literalmente conseguir sair da vala. O senhor com pinta de pastor entrou no carro novamente e o episódio por si só, foi suficiente para desanimar o casal, afinal de contas, foi muita orgia para uma noite, ou melhor, uma meia noite. E de ré a Kombi desceu até a esquina e partiu em retirada, assim como um espermatozóide que não encontra o óvulo ou um pólen que não encontra o carpelo.

Realmente, a Wolksvagen tem a razão. A Kombi é o veículo mais trabalhador da história!



Gilberto Granato

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Aos 18 minutos

Era fim de tarde e soprava um leve vento fresco, talvez um aviso de chuva mais tarde. Os jogadores foram chegando, de moto, de carro, de bicicleta, à pé, tirando das bolsas as chuteiras já acostumadas com os pés de habilidade duvidosa, os meiões esgarçados pela ira das esposas e as caneleiras para os mais precavidos. Antes como de costume o tradicional futevôlei no centro do gramado e as conversas do cotidiano da vida castelense.

Opa, o juiz chegou, já completaram dezoito é ora de escolher democraticamente os atletas, um de cada vez, analisando o potencial de cada peça e o esquema de jogo cuidadosamente. A primeira pelada é o clássico, não adianta, as subseqüentes não tem o mesmo vigor, a mesma importância e a mesma rivalidade. Pelada dura, xingada e corrida e quem perde tem que ouvir as piadinhas do adversário ou até mesmo o desequilíbrio emocional do próprio time, então ninguém entra só pra brincar, tem que se possível ganhar!

O juiz apita o início do jogo. Os dois times estão bem equilibrados. É lá e cá. O time deles tem um meio de campo habilidoso, um atacante insistente e uma defesa experiente. O nosso tem um ataque idoso, uma defesa dividida, mas o nosso meio de campo teoricamente tem mais toque de bola. Durante o jogo a posse da bola foi o nosso objetivo, nosso goleiro contrariando, por várias vezes se desfez dela e defendeu bolas difíceis. O laterais avançavam muito o que deixava uma avenida "nas costas" para o time adversário. O de short branco é novato joga sem chuteiras (coisa de moleque) e todas bolas passam embaixo do seu pé, levanta a cabeça caramba! Falava insistentemente, ele apenas ouvia e continuava a nos preocupar.

O grande problema do nosso time era o toque de bola, que não dava seqüência, os poucos chutes a gol e o idoso no ataque, a cada bola errada ia minando com sua verbologia o nosso próprio time. Á, esqueci de mencionar, nesta pelada não é bom errar não, se for várias vezes então, você será lembrado nas casas dos jogadores a noite, nas esquinas e até na próxima pelada que acontecerá daqui a dois dias.

O nosso goleiro defendendo e nosso time contra-atacando, as vezes com perigo, mas com poucos chutes ao gol, muita jogada individual ineficaz. Mas a coisa mudou no finalzinho... A jogada foi ligada na lateral direita, gritei pro idoso... toca! Ele sem mais ninguém para tocar, fez o passe. O "atacante insistente" adversário veio em cima da bola, dei um toque de lado e falta, reclamei com o juiz, falta dura, batida com pressa pelo idoso que tocou para mim, adiantei um pouco e chutei para o gol, o atacante insistente e faltoso estava no meio do caminho e levou uma bela bolada, ficou mais nervoso ainda, deu gritos furiosos de incentivo ao seu time. A bola espirrou e voltou no pé do meio de campo nosso, sai por trás do lateral (que sempre ficava no meio de campo) e recebi a bola, levei para a esquerda no centro de campo, faltavam dois minutos para acabar a partida que até o momento se encontrava empatada em zero a zero, o zagueiro foi para o centro, foi aí que adiantei a bola pela direita e ele ficou batido. O gol estava a minha frente, olhei para a bola e pensei em uma fração de segundos “não posso errar este chute”, sem olhar para o gol, chutei cruzado e rasteiro no canto direito do goleiro, que vendido nem pulou na bola.... Éééééé Gooooooool!!!! Deste que aqui escreve perna de pau convicto, que às vezes tem seu dia sorte.

O juiz dois minutos depois apita o fim do jogo. Os dois times saem exaustos em busca de água. Saio satisfeito, com sentimento de missão comprida, de dia completo, de salvador da partida. O idoso rouco de tanto resmungar, chega perto de mim e faz questão de repetir incessantemente em voz alta que o melhor do time tinha sido o goleiro.......

Coisas do futebol!



Gilberto Granato

terça-feira, 7 de outubro de 2008

1 voto

Como disse em minha última crônica, achei que só voltaria a falar em eleições apenas daqui a dois anos, mas na segunda de manhã ao ler o jornal e ver a relação de números de votos dos candidatos capixabas não resisti.

Ao ver os top 9, ou seja os nove cidadãos eleitos para a câmara do ano que vem (inclusive o meu penetrou na lista). Fui descendo o meu olhar pelos oitenta e poucos candidatos que também se arriscaram e fui bater lá nos dois últimos colocados. E ali tinha um tal de Romário (nome de artilheiro) e Saulo (nome de dono de lanchonete) que só haviam recebido um voto. O quê? Um voto! Não me conformei. Minha vontade inicial era de conhecê-los, ver seus rostos, apertar suas mãos, ouvir o português falado, o tipo de penteado (se é que têm cabelos), altura, peso e profissão de verdade, mas talvez a minha curiosidade trouxesse constrangimento ou irrelevância por parte destes heróis e esta história teria um final sem graça. Então fiquei a imaginar como seria a vida destes dois aventureiros da política e por que não dizer Mártires dos vereadores não eleitos.

O candidato Romário com certeza não deve ser casado, deve ter uns trinta e poucos anos, é magro até demais, cabelo preto lavado com sabão, barba sempre por fazer e tem uma cicatriz no queixo, só anda de chinelos similares as havaianas para cima e para baixo, tem nome de jogador, mas não se apoiou neste estratégia para sua campanha. Deve trabalhar em oficina mecânica, que é um ambiente propício para fazer boas coligações e arrecadar bons votos, mas insiste em ficar embaixo dos carros, é especializado em consertar os canos de descarga e a apertar os parafusos ali debaixo, só saí dali para tomar água e toma pouco. No fim do dia vai ao boteco (como bom Castelense) cheio de graxa, mas não os botecos tradicionais, mas sim os escondidos em ruas secundárias da cidade, onde ninguém poderá vê-lo ou incomodá-lo. Se o botequim começa a dar muita gente, ele parti para um mais abstruso. Mora em uma Quitinet, com quarto e banheiro, come das vitrines dos bares e fast foods da cidade e a muito tempo não lava a toalha de banho. Reunião com a família, nem pensar, a família fala que ele tem problema de relacionamento e ficaram surpresos com a sua decisão de se candidatar, ficaram até preocupados, pensaram em marcar consulta no médico, mas deixaram rolar para ver até onde ia. Romário não fez campanha, não comprou votos, não distribuiu santinhos, não assistiu a contagem de votos, não sonhou como seria ser um vereador, talvez ninguém soubesse de sua existência exceto os familiares distantes, mas mesmo assim, caminhou com seus chinelos gastos até a urna e depositou um voto de confiança em si mesmo. Um voto de ânimo para continuar acreditando que existe.

Já Saulo foi um pouco diferente. Foi casado e teve um filho (que ainda é de menor) Cabelos castanhos lisos, bem lavados, mas nunca passou creme, magro, olhos azuis herança de seus ancestrais de Trento na Itália, está sempre bem arrumado e é hiperativo. Não consegue ouvir uma conversa, que já interrompe o assunto com seus comentários nada muito bem informados e fundamentados, ou seja, nunca tem credibilidade. Hoje deve trabalhar fazendo entregas, tem uma moto, que a utiliza para o serviço, mas nunca fica muito tempo no mesmo emprego. Todos na cidade o conhecem, o acham engraçado as vezes, mas não prestam muita atenção no que fala. Adora festas do interior. Dia de domingo é dia de pegar sua moto e ir atrás do melhor festejo na roça, tomar sua cerveja, jogar bola de massa, dançar forró e até da umas bicadas na cachaça quando está bem animado. Já vinha anunciando a todos que se candidataria a vereador, seria o seu grande trunfo para receber mais a atenção de todos. E foi na festa de sua cunhada (tem três irmãos) que iria anunciar a família a sua pretensão a câmara, foi todo arrumado como de costume, neste dia até passou perfume, colocou os santinhos no bolso, mas durante a festa cheia de convidados bebeu demais, derrubou dois copos, foi brincar com o sobrinho ele chorou e interrompia todas as rodas de conversa, tinha até um primo dele que estava no mesmo grau, que deu força no momento em que quis discursar antes do parabéns, mas perdeu sua grande chance de conquistar mais eleitores.

No dia da votação, marcou de ir com seu primo, que furou, no final das contas absteve o seu voto. Então foi sozinho, confiante de que não iria ganhar, mas que iria ter a atenção e o voto de alguém. Qual foi a sua decepção no fim do domingo ao saber que só teve o seu, ficou triste no dia, mas hoje fala na campanha como coisa do passado, como um político que já passou pela batalha de um eleição, está de peito aberto e se candidatará novamente daqui a 4 anos com certeza.

E não é que a Priscila, atenta companheira de trabalho lendo no mesmo jornal a classificação em outros municípios, não achou o Roberto Doceiro (deve ser muito doce) com zero voto em Cachoeiro do Itapemirim. A Ângela do Hospital (coitado dos pacientes) com zero voto em Alegre. A Penha do Garrafão (o que ela faz com ele?) de Itapemirim com zero voto e o Carlinho Bracinho (várias interpretações) com também zero voto em Aracruz? Mas isto, meus amigos é uma outra história e bem mais complexa! Agora sim, para daqui dois anos!



Gilberto Granato.

sábado, 4 de outubro de 2008

Relato de um candidato

Já escolhi o meu candidato a vereador, foi difícil, pois tem vários candidatos sem chuteiras querendo conseguir influência para os interesses pessoais, e um empreguinho que no Brasil tem muito status que é o de político. Votarei nele, pois o considero um cidadão honesto, com vontade, bom de bola ou pelo menos arrecada de maneira incorruptível as nossas contribuições mensais da pelada. E que estará, caso outras centenas vejam da mesma maneira que eu, de olho no orçamento do município, nos tributos cobrados aos munícipes, entre outras questões. Além disto, como moro em cidade do interior e o conheço pessoalmente, facilita o diálogo democrático. Portanto se eleito levará a minha procuração para me representar na câmara de vereadores, mas ao conversar com o mesmo hoje, me contou a seguinte estória, que repasso para vocês.

Este candidato subiu um morro de Castelo (Creio que seja ainda o único morro geograficamente habitado da cidade) atrás de mais eleitores, nada de errado, afinal de contas é uma das várias provações que um vereador tem que passar – se expor.

Na subida estava junto com um líder comunitário. E ia de casa em casa se apresentando e deixando o seu santinho e o seu santo. Para quem sabe conseguir mais um importante e talvez decisivo voto. Durante a empreitada, ficou a observar um outro candidato que também estava fazendo a sua campanha nesta comunidade e ficou a “filmar” a sua abordagem a uma casa humilde, onde ouviu o seguinte diálogo:

- Olá, como é o nome da senhora?
- Dona Maria.
- Olá Dona Maria a senhora já tem candidato? (pergunta logo para não perder tempo)
- Não, estou ainda pensando (quer dar de esperta já falou a mesma coisa para uns 10)
- È! E o que falta para a senhora escolher um? (dando de bobo)
- De uma ajuda né, por aqui as coisas são bem difíceis! (já ensaiou a fala)
- É mesmo né! (mentira nem sabe como é a vida ali)
- Mas o que a senhora está precisando? (perguntinha boba novamente)
- De cinco sacos de cimento! (respondeu na lata)
- Mais isso eu posso conseguir para a senhora! (corrupto em ação)
- Á que bom! Iria ajudar muito aqui na construção nos fundos de casa (aceitando a propina)
- É só a senhora deixar a sua seção de votação que eu consigo pra senhora (cara de pau)
- Tá bom eu vou pegar o título. (malandra)

Dona Maria traz o seu documento eleitoral carcomido pelo desmazelo e pela ignorância e os assessores do cara de pau tomam nota, enquanto isto, seu filho, um jovem a cutuca pela barriga. Meu futuro vereador a olhar aquilo pensa, é mudo! Enquanto o procedimento segue, ele insiste novamente cutucando com mais força. O meu honesto candidato pensa, é surdo! A cena segue e o menino não para de cutucar a Mãe. O integro pretendente a câmara pensa, ele a está cutucando por não concordar com a atitude dela de vender o seu voto. Dona Maria já está marcando onde pegar os sacos de cimento e o menino mais uma vez já quase empurrando a Mãe insiste. O nobre cidadão de bem pensa, é o futuro do País. Este menino quer a todo custo convencer a sua genitora a não vender o seu voto.

É quando o meu escolhido e ético candidato ouve as palavras do pequeno queixando-se em voz baixa nos ouvidos da Mãe:

Mãe, não esquece de pedir a minha chuteira também!

Até daqui a dois anos!



Gilberto Granato

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Campanha Eleitoral

Caro eleitor, como diria o saudoso Bezerra da Silva: Cego é aquele que não quer ver e Burro é aquele que não entende de política, portanto não quero levar fama de quadrúpede ou muito menos de quadrúpede com viseiras, então passarei a limpo o que me alvejou nesta campanha de “defeitos” e “envergonhadores” a eleição 2008 do município de Rastrelo - Espírito não Santo.

Logo de início já aviso que não terá senso de humor (se é que alguma coisa que escrevo tem). Não terá segundo turno (os municípios com menos de 200000 habitantes não tem). Não terá economia (Esta eleição custou 600 milhões de reais). Não terá piedade (até agora nenhum político me pediu voto de forma concreta ou sincera) e não terá dor (não recebi nenhum tapinha nas costas).

As regras estarão todas quebradas, afinal é proibida a propaganda eleitoral nas rádios fora do horário político e ouço as musiquinhas dos térmites candidatos a todo o momento. Não é permitido fazer propaganda por meio de outdoors, mas levantar dois bambus e colocar uma faixa suja vale. É extremamente vetada e antiética a compra de votos segundo a lei 9840 a “lei dos bispos”, podendo o candidato pagar multa de 15000 a 60000 reais, mas aqui na imundosfera encher o tanque de combustível semanalmente dos “bobeleitores” em troca de adesivos e cartazes de imorais de peruca e gel barato nos cabelos colados em seus carros e motos, pode sim senhor. Um conserto no muro, umas folhas de eternite, umas promessas ao pé do ouvido, um churrasquinho de fim de semana com muita carne de segunda e cerveja quente em troca de uma “forcinha” no dia 05 de outubro também é permitido. 50 reais para decorar os números do candidato a serem teclados na urna, com ou sem direito a fornecimento da seção de votação é o que mais tem e o pior não é ficção é tudo verdade igual ao filme o mágico de OZ! Dizem que quem não faz isso perde, vira telespectador da primeira fila. Que nojo! Meu amigo cauteloso e cuidadoso.

E olha que aqui na terra do nunca, ainda tem rua de terra, terra na rua, rua que alaga, alagadores de rua, rua nua, nua e crua, calçada sem calço, criança sem calço, sinal sem moral, falta de sinal, gente na fila, fila de gente, faixa que ninguém vê, rio assoreando, morro pegando fogo e muita gente com cara de bobo enfumaçado.

Já chega de buzinassos e carreatas mundanas cheias de gente à toa e interesseira, que fica que nem urubu na beira. Chega de abraços e beijos em velinhos nas campanhas para a tv, pois nem no jornal prestam a atenção para lê. Chega de inaugurar obra inacabada e pintar o meio fio com pincel de outra aba. Chega de publicitário paquiderme, fazendo o povo humilde chorar para sair bem na foto inerme. Chega, ou melhor, continuem a desmentirem as mentirosas pesquisas de opinião, pois o povo ainda é um bobão. Chega dos que do congresso dizem que tem apoio dos maiorais, seus bossais! Chega do lixo que tenho que pegar todo dia em frente à rua, que no lixão a céu aberto se acumula e amontua. Chega de Juiz pseudobaga, omisso e sem juízo, que só faz comer coxas de galinha deitado no piso. Chega de carros e casas vendidas pra letras corrompidas. De mentes arrendadas e mãos despreparadas e chega do arroz com feijão sem a carne da absolvição.

Quer saber não me procurem, estou com vergonha, eu não existo, vou pedir para todos contarem até dez e vou me esconder de toda esta gente que não quer dar o exemplo, ser exemplo. Só lhes restará ler o jornal e não poder reclamar da corrupção, de quem fura fila, dirigi sem carteira, de quem não diz obrigado, de aceitar calado o nepotismo e as fraudes públicas. Não reclamem dos sonegadores, ursupadores, dos torturadores, dos estupradores do dinheiro público e não se esqueçam de lembrar ao último corrompido, que de a descarga da consciência limpa no fim da tarde de domingo, para ficar tudo bem limpinho.

Quer saber vou-me embora para pasárgada – Lá sou amigo do Rei – Lá tenho a mulher que eu quero - na cama que escolherei...



Arawãkanto’i Tapirapé

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Na praia em João Fernandes

Chegamos à suntuosa praia de João Fernandes (Búzios), chegamos cedo, conseguimos uma bela barraca com cadeiras confortáveis na praia, pedimos uma cerveja gelada e fiquei a mirar o mar azul e a observar nossos vizinhos:

Sombreiro 1 – casal argentino, sem filhos (devem estar de lua de mel). Ela fuma séria e ele toma uma skol.
Sombreiro 2 – Casal de Brasileiros, não trocam uma palavra entre si desde a hora que cheguei. Ofereci o jornal. Ele recusou.
Sombreiro 3 – Duas argentinas. Talvez Mãe e filha. A filha toma uma skol e a Mãe deve ter sido seqüestrada pelo sol ontem (está com alguns trechos de seu corpo em obras epiteliais). Lêem a revista caras.
Sombreiro 4 – Duas argentinas. Solteiras. Com fios dentais a la as cariocas. Não sentam, ficam de pé o tempo todo. A de biquíni branco mergulhou e saiu com os mamilos escuros aparecendo e não ligou muito.
Sombreiro 5 – Casal argentino. Tem um pequeno hijo (filho) que adora a água do mar, tá arriscando muito na beira, a onda vai pegar! Vai dar problema. O pai é careca tem uma omelete de protetor solar na cabeça.
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Sombreiro 1 – A cerveja começa a fazer efeito no casal. Começam a dar as mãos, trocam os cigarros e a skol e sorriem.
Sombreiro 2 – continuam sem conversar o cara tem cara de pela saco! Opa! O garçom puxou conversa, quer ver se vende alguma coisa.
Sombreiro 3 – A filha na cervejinha. Tem bexiga pequena vai ao banheiro várias vezes e a Mãe tá caprichando no protetor solar. Camadas generosas e brancas de protetor pelo corpo.
Sombreiro 4 – Olha lá! Chegou mais gente, tá animada a conversa. A de biquíni preto abaixou as alças do sutiã. Será que ela vai fazer um top less?
Sombreiro 5 – Não falei. Tava arriscado o pequeno ficar na beira do mar. A Mãe tá tentando acalmá-lo com uma coca-cola e castanha de caju, mas ele chora quer voltar para o afronte com as ondas.
...................

Sombreiro 1 – Comprando de ambulantes (os ambulantes invadiram!)
Sombreiro 2 – não compram e não falam nada.
Sombreiro 3 – comprando de ambulantes
Sombreiro 4 – comprando de ambulantes
Sombreiro 5 – comprando de ambulantes
.....................

Sombreiro 1 – Caiu um maribondo no copo de cerveja dele. Ele riu e eu também! Ela fica de pé! Nós também.
Sombreiro 2 – Surpresa! Chegou um outro casal. Ele agora só fala em inglês. Será ele de outro País? Ela permanece quieta, talvez não fale inglês. O cara realmente é um pela saco!
Sombreiro 3 – A Mãe não para de passar protetor solar.
Sombreiro 4 – A de biquíni branco tira uma foto de chapéu do flamengo e coco nas mãos. É farofeira argentina. A água do mar veio e deu um caldo em todas.
Sombreiro 5 – O guri cansado pelo choro e pelas ondas, começa a cochilar. Acabou a praia do casal. Arrumam as coisas estão de retirada.
...........................
(A maré sobe e tá difícil de permanecer aqui na areia. Vamos para um local mais seguro para um almoço, mas antes)

Sombreiro1 - Sorriem para o nosso grupo. Acho que tão querendo fazer amizade. Se não é a maré alta, ia ter um intercâmbio.
Sombreiro 2 – Ele é Brasileiro mesmo. Gastou todo o seu inglês "from Brazil" e o casal sabe-se lá de onde cansou de ouvir. Ele foi para o mar sozinho. A sua namorada ficou feliz. Nosso jornal voou e ela nos devolveu sorridente. O cara realmente é muito chato vai perder a mulher!
Sombreiro 3 – A menina se enrola na tanga do Brasil cheia de skol e junto com a Mãe saem em retirada. O sol venceu a batalha!
Sombreiro 4 – Que resistência! De pé até agora, as duas “ticas” vão passear de “táxi bolt” no mar. A farofa tá completa!
Sombreiro 5 – Já devem estar dormindo no hotel!



Gilberto Granato

Os Argentinos

Mais uma crise mundial. E desta vez bem no alvo: nos Estados Unidos, que diz que dita a economia mundial. E o que aconteceu? O normal seria uma crise aqui na terra de Santa Cruz, mas foi bem diferente. Acho que pela primeira vez o Brasil, passou mais ou menos ileso desta tormenta. O que fazer? A classe operária vai ao paraíso e a classe média brasileira vai a Búzios, reduto do consumismo, das praias disputadas a palmo (não era temporada então foi tranqüilo), da moda (já adianto pra vocês a moda do próximo verão, para os homens a bermuda xadrez e para as mulheres sutiã taça ou de Bolo “bojo”) e da extravagância financeira.

Já no caminho por la carretera dentro do carro, debaixo de uma bela chuva. Estávamos a conversar (Eu e Norival companheiro de viagens) de outros veraneios, inclusive de um de 16000 km até a patagônia sur. Onde cruzamos de norte a sul e de leste a oeste o espaço territorial argentino, conhecendo um pouco de seus pampas, seus vinhos, seus glaciáres e suas parrilas, que por sinal nos inspirou a chamá-los carinhosamente de “parrilentos”, que traduzindo para o português seria “comedores de carne em excesso”.

Para quem não conhece nossos vizinhos, como era meu caso. Já se sai do Brasil com a impressão: competitiva, devido a rivalidade do futebol exarcebada e prejudicada pelo Galvão Bueno. Política, devido serem as duas maiores economias da América do sul e arrogante dos portenhos com os visitantes. Realmente os portenhos, que são aqueles que residem em Buenos Aires têm este perfil, mas executam até mesmo com os próprios argentinos do interior. Que é uma relaçãp muito parecida com a dos “gayuchos” de porto alegre ou dos “manézinhos” de Florianópolis com o “resto do Brasil”, por exemplo. E a rivalidade política deles se dá principalmente com o vizinho Chile. Então normalmente, você terá acolhimento nas cidades pequenas e será mais um nas metrópoles, claro, isto tudo com distinstos molhos de diferenças culturais.

Largando a antropologia de lado e voltando a viagem. Chegamos facilmente à pousada na península. Ao fazer uma vistoria técnica inicial pela a localidade, começamos a observar coisas diferentes: placas de torneios de rúgbi em espanhol, quadra de squash e muitos, ou melhor, quase todos que lá estavam hospedados hablando a língua da terra de Ástor Piazzola. Foi quando o dono, sujeito simpático e muito parecido com o maradona chegou com sua raquete e bolinha de squash nas mãos e se apresentou como Osvaldo, argentino de La plata nos deixou a vontade e a entender o ambiente. A vontade mesmo, pois daí pra frente no Desayuno, no saguão do hotel, na piscina, nos corredores só se falava o espanhol o que nos deixava a vontade para falarmos nosso português de maneira coloquial e sem ser compreendido totalmente pelos ouvidos vizinhos. Aí foi uma bela sucessão de trocas do “j” pelo “rr” de “papi” e “mami” maneira carinhosa como os pequenos chamam seus país, camisas do riverplate, sacos de mate, chinelos havaiana, além do desfile de elegantes trajes de inverno durante a noite e de roupas de banho desengonçadas durante o dia.

Búzios foi invadida! Na praia o idioma dos barraqueiros e dos ambulantes era o portunhol. Até mesmo os próprios ambulantes eram alvicelestes. Uma ex-moradora de El Bolson (serra argentina) que vendia bijuterias na praia, disse já serem cerca de 5000 peronistas morando no calor do litoral de armação de búzios. Asado, vino, tratorias, cafés, dulce de leche e até mesmo tango não faltam nas ruas empedradas de lá, só não chegaram a levantar bandeira e decretar estado de sítio, pois vi que a maioria dos habitantes ainda torcem para times cariocas, a deduzir pelos fogos de artifício do domingo a tarde e o jornal que circulava era “O Globo” e não o “Clarín”.

Posso ser sincero. Definitivamente os Argentinos são gente boa. Buenos Aires é a capital mais bonita e organizada da América do Sul, os homens argentinos (sou espada) são os mais elegantes e o Boca Juniors é o melhor time de futebol. Á, isto é claro, depois de Vitória, das mulheres de Castelo e do Itararé futebol clube!




Gilberto Granato.