domingo, 31 de agosto de 2008

A Missa


Parece que não foi bem uma Missa, destas com padre, com sermão grande e incisivo do Bispo ou padre e mais de uma hora de duração. Segundo minha esposa foi uma celebração da palavra (que nome lindo e inspirador) que é feita pelo diácono ou pelo ministro da eucaristia (pelo menos foi isso que eu entendi). Era o 22º domingo do tempo comum (mais foi no sábado), a cor litúrgica era o verde e tinha uma pequena homenagem aos catequistas.

Não tenho o costume de visitar a igreja regularmente (o último que conseguiu isto foi o Bispo Dom Walter Ivan quando eu trabalhava na diocese de São Gabriel). Quando vou é durante a semana e sem celebração alguma (apenas eu e Deus), pois esse negócio de igreja cheia com gente em pé, pessoas te reparando (típico de cidade pequena) e levantar e ficar de pé toda hora não me inspira muito, mas desta vez foi diferente. Sábado a noite em uma bonita igreja co-adjuvante, fica semi-cheia, você pode escolher um lugar com tranqüilidade e geralmente estão pessoas que também prezam pela calmaria e pelo anonimato.

Nos últimos tempos nas minhas conversas com São Francisco, ficou decido que eu iria a Missa com pelo menos uma freqüência quinzenal (que depois conversamos melhor e ficou decido entre o período de quinze e trinta dias) estava em dívida com esta promessa, mas logo no início da missa o “padre” moreno e de bigode que lembrava em muito alguns de meus tios, me tranqüilizou: Vamos agora cantar para pedir perdão a Deus de nossos pecados e de nossos erros! Perfeito! Era o que eu precisava para me sentir mais a vontade, aproveitei e pedi desculpas pelos baldes de terra que peguei na construção em frente, pela maneira grosseira que tratei o incompetente marceneiro, pelos erros de português, pelas faltas de pontuação e mais alguns “errinhos” do cotidiano.

No momento da homenagem aos catequistas. Lembrei que fiz minha catequese com uma senhora bem velinha lá na “rua do cinema” em Tocantins. E fiz sozinho, nas minhas férias escolares (a turma já havia feito e foi aberto esta exceção). Ao anoitecer, com a sinfonia dos grilos ao fundo, minha mãe me sentava nas cadeiras de uma espécie de cipó grosso na varanda da Professor Penido 574, eu já de pijaminha e com sono, para me cobrar a “salve rainha” devidamente decorada, como eu chorava! Dei em retribuição aquela senhora um aquário com um peixinho vermelho, mas tempos depois ela pegou seu elevador e entrou sem ser revistada no céu.

Os cantos foram bonitos não tinha a formação clássica do rock: baixo, violão ou guitarra e bateria, mas um coral e um violão, onde muitas das canções eram entoadas apenas com os recursos vocais e as mulheres protagonizando os cantos (são sempre as que cantam mais). É bonito ouvir o canto das mulheres, parece que elas foram feitas para cantar. Tinha uma senhora atrás de mim, que era a que liberava as cordas vocais com mais força na igreja, isto me fez lembrar das mulheres indígenas que em seus cultos soltam a voz com maestria, lembrando as músicas caipiras de raiz.

O pai nosso de mãos dadas é pulcro. Todos unidos pedindo a Deus pai, para vir a nosso vosso reino, para nos perdoar de nossas ofensas e nos livrar-nos do mal. E você faz isso dando as mãos a um desconhecido, que aperta sua mão com força em sinônimo de fé. Tudo isto se complementa com a “paz de cristo” onde você novamente dá a mão (ou empresta a mão?) a várias outras pessoas e lhes deseja o bem, a harmonia entre os homens, todos vivendo em comum.

O final da celebração também é aguardado, pois uma hora depois de levantar e sentar (penso nos velinhos) que é a parte que ainda não concordo muito. É hora de voltar para nossos lares mais serenos e apaziguados. Para daqui uns dias cometermos mais alguns “errinhos” e na próxima visita a igreja, claro, com fé e devoção, pedir perdão pelas nossas falhas.

Como é difícil ser Santo!

Fiquem com Deus.



Gilberto Granato.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Josué


Esta crônica não é para falar de Josué de Castro, médico, professor, geógrafo, sociólogo, político e escritor, grande brasileiro que mapeou a fome do nosso país em suas obras e fez da luta contra fome a sua bandeira. Nem sobre Josué Montello, ilustre maranhense, jornalista, professor, teatrólogo e escritor, que retratou o universo poético das praças e ruas de Saõ Luiz. Também não falarei de Joshua, filho espiritual de Moisés, que conduziu o povo de Israel para a tão ansiada Terra Prometida e conquistou todos os territórios reservados por Deus ao povo eleito do Antigo Testamento. Muito menos falarei de Josué, jogador de futebol (ex-são paulo) que às vezes é convocado para o meio de campo da atual seleção Brasileira de futebol e ajuda junto com os outros "brincalhões" a tocar a “bolinha” de lado e a nos enfurecer de raiva durante os terríveis últimos jogos do Brasil.

Falarei do Josué, provável imigrante nordestino, sem sobrenome, sem destino. Que hoje no noticiário da TV, apareceu subindo em uma torre de energia elétrica em São Paulo tentando se matar sabe-se lá por quê? Pois nem perguntaram ao pobre coitado porque queria por fim aos dias. A ênfase da matéria jornalística, foi que para o corpo de bombeiros fazer o seu resgate, tiveram que desligar a energia da torre (que dava um choquinho de 500.000 volts) deixando 140.000 imóveis, 560.000 pessoas sem energia elétrica, proporcionando longos engarrafamentos, cancelamento de negócios, pessoas de boca aberta nos consultórios dentários (sem falar nas que estavam nos ginecologistas), casamentos rompidos e é claro nas claustofóbicas que ficaram presas no elevador.

Mas Seu Josué, não fique triste se muitos vierem lhe visitar na prisão (a esta altura já deve estar solto segundo o repórter) e agredi-lo com palavras ultrajantes, brincadeiras sem graça ou até mesmo ameaças de morte ou agressões físicas. Saiba que Pedro Álvares Cabral também errou as índias e encontrou a América; Hitler errou na segunda guerra mundial ao achar que poderia invadir a União soviética prestes a um frio de muitos “embaixo do zero” e acabou perdendo a guerra. O Titanic não errou e afundou ao subestimar os mares congelados do atlântico norte. Os Estados Unidos não desdenharam a força dos vietnamitas do norte nas florestas tropicais do sudeste asiático e amargam isto até hoje. Che Guevara praticamente não cometeu suicídio ao organizar uma milícia mal planejada em terras bolivianas. A igreja não errou na inquisição ao disseminar pessoas por terem práticas e pensamentos diferentes. Sem falar no clássico Marco Licínio Crasso que foi membro do primeiro triunvirato romano, juntamente com Pompeu e Júlio César. Era um político medíocre, ambicioso e interesseiro. Tomou a ofensiva na Síria contra os Partos, mas foi derrotado por um erro grosseiro de estratégia militar, que lhe custou a vida. Daí surgiu a expressão “erro crasso”.

Josué, me desculpe, mas preciso salvar o que escrevi neste computador antes que a energia acabe. Pelo que pouco vi (pois pouco apareceu) sobre sua saúde na reportagem da Tv. Você foi resgatado sem ferimentos e passa bem, então companheiro, levante a cabeça (mas desvie o olhar das torres elétricas, tá bom?) e toque a vida em frente, afinal de contas: todos erram nesta vida!...


Gilberto Granato

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Noite de suspense


Havíamos acabado de chegar lá das Gerais. Mês de agosto é o mês do vento em Castelo, como já disse em outra história. É a época preferida dos soltadores de pipa, que na minha infância, era coisa de criança, atualmente, os adultos, talvez sem infância tomam conta da linha e da rabiola. Aqui no morro da formiga, onde moro, é um dos pontos de prática preferidos desta tribo, que como conseqüência da brincadeira, sempre deixam as poucas casas sem luz, devido a curto circuitos ocasionados pelos “escudos de time voadores”.

Uma viagem de volta de qualquer lugar é sempre mais cansativa que a de ida, como o portão da garagem não abria, descarregamos caixas e sacolas arduamente do lado de fora da casa. O que me fez refletir nos esforços de chapas e estivadores nos seus trabalhos braçais. Terminei hora depois. A energia voltou e tomei aquele esfumaçado banho quente digno de um cavaleiro retornando da batalha, coloquei o pijama, deitei no sofá e já começava a cochilar como um bom velinho, quando derrepente a dona patroa me acordou:
- Gil. Ouvi um espirro?
- O quê?
- Sim, e vem lá de fora!
- (Meu Deus alucinações a esta hora não!)
- Olha só, a garagem está acesa?
- (a garagem possui estes dispositivos de luz que acendem na presença de movimentos)

A cadela latia e ouvíamos barulho de algo mexendo. O gato também estava agitado e a luz acendia a toda hora. Tentei acalmar a minha cônjuge e voltar aos meus sonhos, mas confesso que o perdi e sem prazo de retorno, comecei a me preocupar e a toda hora olhava pela varanda e atônito via que algo não estava normal. Até que minha esposa já em estado de choque e sabendo que não dormiria sem saber o que se passava, ameaçou descer. Eu pensei, sou o homem da casa ou não? Não tenho arma. Se for um ladrão ou um marginal se escondendo, já deve estar com algum tipo de artilharia. Logo hoje, vou entrar em luta com um bandido, talvez ser ferido em minha própria casa! Rapidamente lembrei da burduna que ganhei dos índios Tapirapés, isto mesmo, o popular porrete! Feito da mais maciça arvore do cerrado, para abater caititus e outros animais desnorteados na caça.

Desci as escadas com o coração acelerado, minha companheira atrás para um eventual 190. A luz se acendeu novamente, ele se mexeu? pensei. Firmei as mãos no taco, a cadela correu para a garagem, fiquei anestesiado pela a adrenalina do momento e parti em direção ao perigo, a cadela avançou novamente, agora para embaixo da escada e quando desci os degraus e me preparei para o enfrentamento: lá estava um lindo filhote de coruja com seus emblemáticos olhos arregalados e com certeza muito mais aterrorizado que todos nós. Ameacei pegá-lo com as mãos, mas minha esposa disse que poderia me bicar, então perguntei: mas coruja bica? E ela respondeu com toda segurança: bica! Hesitei em segurá-la e abri o portão da garagem. Toquei-a com cuidado com a burduna para ir embora, ameaçou ir para embaixo do carro, mas depois sentiu a brisa do ar chamando e voou como a mais bela e folclórica das aves noturnas pela noite adentro.

Vai corujinha, vai... Vai viver sua vida em paz e tenha cuidado com os gaviões...


Gilberto Granato.

Professor Penido, 564


Programei uma visita a Tocantins. A princípio, para rever a família e poder acompanhar a uma partida do meu segundo time do coração o grandioso Itararé Esporte Clube (1935), onze vezes campeão da zona da mata mineira, onde meu avô e tios fizeram história. Mas o alvi-rubro este ano não colocou o seu scratch para jogar, mas a família resolveu unir o seu, para uma bela feijoada, destas com direito a tudo do porco e sem a necessidade de brigar pelos melhores pedaços.

O palco do evento não poderia ser melhor, me desculpe o ex...-prefeito, que deve ter sido um bom homem: Corrado Roberti (atual nome da rua), mas a rua se chama para os saudosos e conservadores: Professor Penido. Que um tio admirador do flamengo, das plantas e do silêncio, disse se tratar de um imigrante que ajudou muito a alfabetizar os cidadãos Tocantinenses. Rua calma e que tem cheiro de sossego. A sacada da casa de número 564, construída pelo meu avô, reformada pelos conhecimentos de engenharia de meu tio dentista e que já foi, se não é, a maior e mais exuberante varanda da cidade, camarote dos carnavais e mirante do mau ou bom tempo da região. Recebeu vários ilustres cidadãos para uma confraternização.

O dia começou conforme o combinado com o abrilhantado ouro olímpico das meninas do vôlei, a partir disto: Ióió aqueceu a gigante panela e ansiosa gesticulava, João cachaça tomava, Pedro um cigarro de palha pitava, Vera tricotava, Natália um belo corpo apresentava. Maria José argumentava, Bebeto se alimentava, Rafael reprisava, Marco sua barba coçava. Sabrina noivava, Andressa namorava, Samira compartilhava, Luquinha brincava, Mariane sorriso dava. João raqueteava, Roberta perfumava, Roninha relembrava, Terezinha observava, Enrico em futebol pensava. Bernardinho alegrava, Renato cochilava, Dedé me vigiava e Mítian se esbaldava...

A vida é como um globo cheio de bolinhas, igual a estes de sorteios. Ele gira, gira e o sorteado pode ser você. A minha vida também foi assim. Dentre milhões de bolinhas de diferentes sensações a minha foi apalpada e nela vinha escrito em letras garrafais: Generosidade, Reciprocidade e Amor e dentro dela estava escrito: Família Granato.



Gilberto Granato.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Sete homens sete destinos


Pelo título, talvez você pensou se tratar de um filme. Pois não é nome de filme de ficção que por sinal já seria clichê, mas é um documentário da vida estrelado por pessoas de carne, osso e sonda exploradora nas mãos.

A internet é um grande meio de informação e de entretenimento para quem sabe usar. O correio eletrônico é o seu protagonista, perfeito, pois se envia quando quer (inspiração), lê quando quer (paciência) e responde quando quer (criatividade), nenhum outro meio é tão cômodo quanto este, mas o problema é que a maioria das pessoas também não sabe usar. São aqueles: fw:..., fotos sem graça e pervertidas, oportunidades inanimadas e informações fúteis, que se disseminam como tiririca em grama em época de chuva. Fico feliz, quando alguém manda uma notícia interessante, fala da vida com clareza, envia um convite para um dia sair da rotina, uma sugestão pertinente e faz tudo isto sem abreviar as palavras mostrando todas suas consoantes e vogais com direito a exclamação e ponto final. Um grande amigo lá de Macaé mandou-me um desses, que fazem você sair inspirado e cheio de idéias, foi aí que lembrei de um episódio lá do norte fluminense...

Saímos de Campos dos índios Goytacazes com destino a arraial do Sana – Rio de Janeiro. Fundada por suíços, existe desde 1820, com belezas naturais, rios, cachoeiras, montanhas e mata atlântica que circundam toda sua localidade. Os viajantes eram Gilberto, Cabelinho (o transgressor), Jason (o velho), Chuck (o jovem), Digão (o conquistador), Pirulito (o gordo) e Duda (o espirituoso). Todos estudantes de odontologia que tinham a amizade e a facécia aventureira em comum. Chegamos em Casimiro de Abreu (porta de entrada) à noite e não tinha mais ônibus para o arraial, eram 26 km, pensa que desanimamos, andamos meia maratona, com direito a uma imaterial e talvez ufóloga carona em um reboque até o camping, que se chamava Jamaica, com boa estrutura, rodas de capoeira e outros cientistas procurando ovinis. Nossa principal atividade era acordar e seguir a trilha para a mais conhecida queda d'água do rio Peito de Pombo do Sana, a Cachoeira Mãe, que leva este nome em razão de sua semelhança à imagem de Nossa Senhora, a mãe de Jesus (foto), onde dava para desbravar a mata, pegar um sol (pirulito não tirava a camisa) e pular de uma altura de 12 metros em um poço de águas claras (pirulito não pulou), comíamos na casa dos outros em fogões de lenha e juntávamos nossas economias, ou melhor, as dos pais, para dividir um garrafão de vinho a noite e contar as histórias do dia em um clima ameno de floresta.

Mais de dez anos se passaram, todos se tornaram excelentes profissionais e vivem dignamente da arte de suas mãos, além disto, Gilberto recentemente inaugurou “O Crotidiano” e deixará algumas estórias para as futuras gerações. Rodrigo Marques, após amanhecer dentro de seu carro todo roubado, mudou de vida, é casado e pastor de igreja evangélica em vitória, só bebe cerveja sem álcool. Wagner Pizzol é sabedoria popular em vida, um dos habitantes mais velhos da terra, conta elas com maestria, engabelou uma bonita moça com a qual se casou e vivem juntos em Aracruz ES, gosta de música e orquídeas. Leonardo Reis é casado, nômade, adotou uma cadela de rua e vive na ponte aérea Niterói – Austrália. Rodrigo Maurício ficou careca (nada contra), tem uma filha com belas sobrancelhas para atuar em qualquer filme de Almodóvar, é casado, fiel e se distrai vendo a vida embaixo d’água nas águas claras de Macaé. Fabiano Fonseca, emagreceu, hoje é forte e faz caminhada na praia esporadicamente, casou e é um exímio pescador e provavelmente nunca lerá este texto. Eduardo Ottoni, casado, foi o primeiro pai, grande escritor, empresário, ainda se aventura em terras do centro-oeste atrás de mais histórias e continua com problemas de esquecimento.

Tentei buscar alguma poesia de Fernando Sabino ou Vinícius de Morais, para finalizar este texto, mas as histórias destes homens não acabaram. elas continuam, assim como as águas daquela inesquecível cachoeira...


Gilberto Granato.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Baile de debutante


Qualquer povo tem seu rito de passagem. Eles servem geralmente para marcar a transição da fase “infantil para a adulta”, a fim de mostrar para uma determinada sociedade que as responsabilidades e a relações sociais de alguns de seus indivíduos mudaram e cabe a eles agora passar as tradições para outras gerações, ou melhor, não cabe mais.

Peguei uma bela fase de baile de debutante. Não perdia uma. Primeiro tinha aquela expectativa, para ver se a “debu” iria te convidar para dançar a valsa, claro, tinha a valsa com o pai, depois com um tio ou avô e por último era com a “paquerinha”, sendo que os outros amigos também já tinham seus pares pré-selecionados e devidamente ensaiados para a dança no aguardado dia. Que beleza, música erudita, no máximo um piano, se podia ouvir o murmuro entusiasmado das pessoas conversando e dos copos brindando. Minha maior dificuldade era conseguir conciliar minhas camisas sociais com as festas, pois tinha (graças a Deus) umas três de cores diferentes. Certa vez, fui convidado para dançar uma, sempre fugia, gostava mais de me divertir sem compromisso, mas nesta a pressão foi grande. Uma menina, que se chamava Ana Paula, uma boa amiga, mas não favorecida pela beleza, de cabelos difíceis e um problema facial (comum nesta fase) e que pela insistência das amigas e pelos últimos "nada comuns"convites para visitar a sua casa "para estudar", acabei topando. Durante a festa estava passando pelo rito “dos primeiros goles” para me encorajar para ser o alvo da “debu”. Na hora do Tanâ nâ nâ nâ, nânâ, nânâ!!! E o apagar das luzes, lá fui eu, claro, depois dos familiares e lógicamente sem a aprovação e com olhar sério do pai, para o “dois pra lá e dois pra cá” sentia durante a dança com a atriz principal, seu coração bater aceleradamente e sua respiração ofegante, lembro que trocamos algumas palavras nos ouvidos, até que chega uma hora, que você não vê a hora da música terminar, para tomar um copo de água para aliviar a secura da boca e voltar tudo ao normal, me sai bem, acho que até demais, pois mais tarde os cochichos corporativos da turminha (comuns desta fase) me levaram até uma mesa distante em um cantinho escuro e tive que aplicar uns beijinhos na menina transformada pelo cabeleireiro, pois novamente a pressão foi grande!

Hoje, as meninas já não estão querendo mais fazer o Baile de gala: os pais estão separados ou apertados, preferem ir para salvador dançar micareta no final de ano, guardar o dinheiro para algum pertence desejado (celular, roupa, computador...) e aquele negócio de trazer ator da rede globo para dançar complicou o negócio. Recentemente fui a uma rara festa destas. As amigas da “debu” estavam todas lá, fiéis e confidentes, afinal são muitas experiências vividas juntas: primeira menstruação, primeiro beijo, primeiro namorado, primeiro ídolo... Hoje as festas estão bem diferentes: tem adereços coloridos de festa rave, tem menino de boné e adulto de bermuda, Dj Bill “tocando as melhores” que ele considera dentre estas o separatista “funk carioca”, teve o “Pai nosso” (comum em qualquer evento em Castelo), parabéns pra você (não pode faltar), bolo (também não), mas não teve a valsa, será que a valsa ficou careta ou nós que ficamos?

Não sei. Sorte ou azar desses meninos, que agora sem o olhar sonolento dos pais podem escolher a menina preferida para dar uns beijinhos, mas se são só beijinhos, isso eu já não sei!


Gilberto Granato

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

A botija de gás


È hora do almoço. Acabo de terminar meu turno de jardineiro, para ingressar no de dentista. Tirei umas cochonilhas das onze horas, coloquei mais canjica para os pássaros, cortei folhas secas da bananeira e retirei alguns cocôs caninos petrificados pelo sol e pela umidade que por sinal anda em baixa neste mês. É quando ouço uma voz que vem do fundo do corredor da área de seviço: Gilberto, me ajuda (empregada) a pegar outra botija? O gás acabou. Tudo bem, não tem problema nenhum. Aqui em casa já fica uma botija reserva para estas ocasiões, coisas de família precavida. Você já viu que sempre que o gás acaba ninguém fica feliz. Todo mundo fica insatisfeito, uns menos outros mais, mas todos ficam, pois é sempre quando estamos usando e logicamente com vontade de comer. É difícil ficar indiferente à falta do butano.

Creio que ainda pegarei a evolução das botijas de gás. Não é possível um objeto de metal que oxida e enferruja, come as quinas da parede no transporte (se com você não aconteceu, ainda vai) e ajuda a manter as diferenças entre homens e mulheres, afinal, só as mais feministas carregam e ainda por cima as vazias. Fui à garagem peguei a substituta que já estava com teias de aranha e levei à cozinha. Quando fui fazer a orgia de encaixar a válvula no orifício da botija, broxou. Isto mesmo, broxou, não deu química, não encaixa, nem a pau! Quando encaixava, fazia o famoso teste das bolhas de sabão e o resultado era bastante positivo: dezenas de bolhas coloridas por todos os cantos para nenhuma criança botar defeito. Quando comecei a soltar os primeiros palavrões a minha empregada chegou com toda sua experiência em problemas de cozinha e métodos de superação:
- Troca a borrachinha!
- Que borrachinha, porra?
- Aí dentro!
- Onde?
- No fundo.
- Não tem borrachinha.
- Tem sim, troca que acaba o problema.

Futuquei, futriquei e consegui tirar uma borrachinha redonda que fica bem escondida no fundo do orifício o “ponto G da botija”, prontamente, minha “ajudante” chegou com uma nova, ou melhor uma velha da botija vazia. Ao colocar com uma chave de fenda inteligentemente fornecida pela “ajudante”, pronto, se rompeu e formou um bonito “C”. Na mesma hora pensei: “Fui mexer sem saber e perdi a garantia, agora vou ter que pagar duas”. Ligo para o “Rei do gás”, isto mesmo, é este o nome. E peço com urgência uma nova. Tomo um banho rápido, pensando no problema e quando volto à cozinha triste sem o cheiro do peixe que estava por fritar, o “príncipe do gás”, já se encontra usando sua ciência oculta e técnica apurada, removendo a “errata” que fiz. Rapidamente recuperou o reserva, trouxe o próximo primeiro suplente, levou o desclassificado restaurado, deu-me algumas instruções e ainda disse que na próxima vez, trará novas “borrachinhas prateadas” reservas que são as legítimas (duvido que já não tenham chinesas similares) e saiu altivo como um jogador que marca o pênalti sabendo que não iria perder.

Admiro muito a monarquia dos entregadores de gás. São eficientes e rápidos. Eles são muito bons! Sou fã deles!


Bobagem intrínseca da história : O que uma botija de gás falou pra outra?- Vamos vazá?



Gilberto Granato

terça-feira, 12 de agosto de 2008

O que as crianças andam dizendo


Criança é um ser maravilhoso, puro, divino e super sincero!

O forno grande é o segundo maior pico do Estado do Espírito Santo com 2039 metros de altitude. Ele também dá nome a uma comunidade do município de Castelo, que se caracteriza assim como o município, por ser formada de descendentes de imigrantes italianos, pela produção de café e se distingue de outras devido aos seus habitantes estarem sempre com as bochechas rosadas pelo frio e poderem cultivar o morango comercialmente devido ao clima.

Uma família de lá chegou a clínica (é só olhar as bochechas) para trazer uma pequena para o atendimento odontológico. Estava com condições de saúde bucal ruim e traumatizada de tratamentos anteriores. Sempre tive uma boa desenvoltura, com toda modéstia, no atendimento a crianças. Com uma boa conversa, demonstrações de confiança e é claro a promessa pela mãe de um picolé de brigadeiro no final; chegamos depois de semanas ao fim do tratamento com sorrisos dos pais e beijinho na bochecha do titio. Ganhei uma bonita caixa com outras pequenas dentro de morangos da pequena e perguntei:
- Foi você que plantou estes morangos?
- Não.
- Foi você que ajudou a pegar?
- Não.
- Quem é que plantou então?
- (Ela apenas apontou para os pais)
- Você gosta de comer morangos?
- Não.
- Por quê?
- porque meus pais falaram que tem muito veneno!!!

Os dois próximos episódios foram com a pequena Julinha de três anos. filha da minha cunhada Michele. Julia é uma futura freguesa destas lojas de cosméticos que tem por aí. Sua Mãe (como boa freguesa) vem estimulando a sua aptidão pelos batons de cor rosinha e de lilás, não vivi sem um. E se algum forasteiro quiser dobrá-la é só prometer um outro, mas, por favor, não mude a cor, sob o risco de ser repudiado. Dia desses, na casa de sua Avó. A vovó teve a grande idéia de esconder o seu batom (isto é coisa só de tio fazer!) que havia ganho recentemente, resultado: choro e soluços. Sua mãe comentou dia desses, que o telefone tocou em sua casa e como vem sendo de costume e por não estar próxima, Julinha atendeu:
- Alô, É quem?
- Alô Julinha! É a vovó Vera! Sua mãe ta aí?
- Tá bom, tchau! (e colocou o telefone fora do gancho embaixo do travesseiro até a sua mãe depois de um bom tempo encontrar.)

Outro dia, foi ao cinema de Castelo, para ver um filme de Didi Mocó Sonrisal Colesterol... que por sinal foi homenageado em vida, no último festival de gramado. Ultimamente a pequena vem se impressionando e tentando entender a relação namoro e beijo. No filme, provavelmente deve ter passado alguma cena do tipo namoro pré juvenil e aí surgiu a necessidade, sempre precoce, comum das mulheres em relação ao homem:
- Mãe?
- Que é minha filha.
- Compra um namorado pra mim?
- Minha filha, namorado não se compra se conquista!
- então mãe, conquista um namorado pra mim!!!

E para terminar esta do Mario Prata...

Claudia tinha seis anos. Seus pais se separaram. O pai arrumou outra namorada e a engravidou. Resolveu ter o filho, Foi contar para a Claudia, filha do primeiro casamento.
- Filinha, o papi quer te contar uma novidade.
- Ahn...
- Você vai ganhar um irmãozinho.
- A mamãe tá grávida?
- Não, filinha. É com a minha namorada.
(Claudinha fica intrigada. Seis anos!)
- Mas como é que você vai ter um filho com a Fernanda se vocês não são casados?
(O pai se embaraça e saí pela tangente)
- Sabe o que é, filinha, a cegonha errou a data, entende?
- Cegonha papi?
- É, errou a data... acontece!
- Papi, eu estou achando que você andou colocando uma sementinha na Fernanda!!!!!


Gilberto Granato

domingo, 10 de agosto de 2008

Dia de vacina


Este fim de semana foi dia de vacina, pois é, nem eu lembrava que adulto ainda tomava. O primeiro passo quando se vai tomar uma vacina é correr atrás da importante e dependendo da sua organização indecifrável cardeneta de vacinação. Por exemplo, a minha eu não achei. Vê-la talvez me trouxesse mais lembranças (quem é que não esquece uma agulhada), mas por descuido ou por não tê-la procurado com mais empenho, não achei. Com isto... vamos recebendo aqueles papeizinhos avulsos e vamos colecionando os emblemas dos Sistema único de Saúde dos municípios do Brasil (deve ter colecionador disto).

Não vou dizer que lembro das primeiras gotinhas, claro, senão vão dizer que é passarinho, isto mesmo, passarinho! É o nome que os cronistas dão quando uma narração é inventada ou acrescida de detalhes ficciosos, mas duvido que um cronista não tenha cometido um passarinho, assim como, você não deva ter chorado nas suas primeiras agulhadas de infância.

Quando se é criança em dia de imunização é marcante. Primeiro você não sabe se sua mãe está falando a verdade, que será “apenas uma gotinha meu filho’, pois por trás desta gotinha pode estar uma bela injeção e quem sabe duas (sua mãe esqueceu a ultima campanha, perdeu o cartão, doença nova ...) Aí você mastiga o pão com manteiga pela manhã e só consegue comer meia aba, pois você não sabe, mas seu sistema nervoso simpático já está fazendo hora extra, sua boca começa a ficar seca, suas pupilas dilatam e seu coração acelera! Já na fila, tem aquele monte de crianças, umas achando que é fila de algodão doce, outras estão mudas já em estado de choque e tem aquelas que atrapalham qualquer campanha, as que choram e falam o que não se deve em uma hora destas: Vai doeeeeerrr!?!?! Pronto, todas as outras ficam em estado de alerta, começam a perguntar as mães e o murmuro se torna grande. A enfermeira, que sempre tenta mas nunca consegue, tenta acalmar a multidão com suas manobras nada pedagógicas. Tudo bem, todos estão tranqüilos novamente, só que você observa que aquele amiguinho que estava sorrindo mais cedo, volta chorando depois da vacina. Aí não dá para acreditar em mais ninguém e só resta pedir para Peter Pan, Super-homem e ultramen que te salve daquela emboscada. Mas sempre, no final, se termina com as lágrimas enxugadas, um sorriso e a promessa de um picolé de mini-saia da esquina.

Lembro uma vez na escola como fiquei impressionado, quando pela primeira vez fui imunizado por uma pistola (acho que este era o nome) não sei se existe mais, mas que tecnologia, um plec! E pronto estava tudo resolvido. A criançada ficava animada e ansiosa para ouvir o plec! Já maiorzinho (dá um bom nome de macarrão – me vê um pacote de maiorzinho!) tomei as antitetânicas da vida: prego no pé, pé cortado por copo de cerveja, arame enferrujado... Teve a obrigatória de febre amarela da extinta SUCAM para sair do aeroporto de vitória, que o diga o Drauzio Varella, que quase morreu por tal doença, na mesma região que morei no Amazonas. Por falar nelas (Amazonas eram os nomes das guerreiras que decepavam os seios para usar o arco e flecha e que deram o nome ao Estado) foi lá nas aldeias indígenas da região, que tomei a maior de todas “O Caxiri”. O Caxiri ou chincha é uma bebida tradicional feita através da fermentação de frutas sazonais amazônicas, onde as mulheres responsáveis por fazer, muitas das vezes cospem no sumo para acelerar a fermentação, principalmente quando o dia da festa está próximo. Participei de muitas festas destas e bebi o caxiri que é servido em cuias, que passeiam de boca em boca por várias horas, sem falar nas gusparadas e catarradas que tomava dos velhos (alguns tuberculosos) tentando se comunicar comigo em português, ali sim, fiquei imune a vários males, mas também desta vez esqueci o cartão.

Hoje ao sair do trabalho, enchi o peito e fui ao posto. Infelizmente não tinha ninguém (estava querendo uma fila para ouvir conversas de vacina) apenas a equipe de saúde, cumprimentei a todos, já conhecia um dos anotadores de cartão, que chupava um pirulito e direcionei-me para o ato. Lá estavam duas mulheres: perguntei se podia escolher o braço da aplicação “sem problema” a loira estrábica disse, levantei a manga da camisa do braço esquerdo, concentrei meu olhar na morena que sorria e pronto, acabou! Nem vi a agulhada, agora sim, já poderia tomar minha cervejinha na esquina.


Gilberto Granato

Desastre aéreo


Era fim do ano de 2001. Noroeste da Amazônia Brasileira, depois de um ano superando as picadas de piuns (insetos minúsculos que te ferram o dia inteiro quando o rio está cheio), transpondo igarapés e cachoeiras, driblando jararacas, suplantantando o calor tipo “sauna úmida” da linha do equador, dormindo em rede (nada contra), fazendo cocô no mato, bebendo água do rio, suportando a falta de luz da cidade e a distância do Brasil (Amazônia não é Brasil) e dos familiares queridos. Chegou a hora de fazer as malas mofadas e voltar para o sudeste de férias, como é de direito de todo trabalhador de carteira assinada, mas antes tiveram as celebrações...

Sim, existem outras pessoas que também enfrentaram tais situações e antes queriam extravasar nos verbos e nas comemorações. O epicentro do encontro era a palhocinha do já citado condomínio Jurucê. Como todo Brasileiro, uma semana de churrasco todos os dias, regado a bastante cerveja chocalhada, restos de geladeiras (para caber as cervejas) e champagne, claro, os vitoriosos não bebem champagne? Dias... Durante a manhã superando as ressacas e fazendo relatórios e a noite celebrando o ano de vitória contando os segundos para o embarque. É bom salientar que as carnes de churrasco que chegam até esta região, vêm de açougues clandestinos de Manaus e sofrem um aprimorado processo de congelamento e descongelamento até chegar a São Gabriel da Cachoeira. No município, ela sofre um segundo mesmo processo, devido a falta de energia que era constante, ou seja, você acaba comendo um churrasco tipo micobacterium amazonensis. Fora o seu desgaste físico, também tem os protozoários e helmintos mutantes que insistem em habitar permanentemente as paredes estomacais e intestinais das pessoas que moram nessas regiões. E como catalisador disto tudo ainda tem a emoção!

É chegado o dia. O sol como companhia. Eu, minha esposa e um médico nos direcionamos para o aeroporto Uaupés, para embarcar em um avião tipo Brasília, o único que faz esta linha para o Brasil. É bom salientar também, que este avião caiu por duas vezes enquanto lá morei, quebrou centenas de vezes e durante um vôo em que só minha esposa estava presente, a turbulência foi tanta, que as máscaras de oxigênio caíram e a aeromoça, que é a única que não pode descontrolar em uma hora dessas, descontrolou.

Mas viver é um risco e viver em uma praia no litoral do nordeste compensava a temerariedade. Entramos no avião, continuamos os papos de dias atrás e é claro: Aeromoça! Cervejas por favor. Papo vai papo vem, depois da quarta cerveja, levantei o meu esqueleto para me dirigir ao banheiro (em avião se chama lavatório), como todo bom tomador de cerveja, que só vai depois da terceira, a fim de dar folga a minha operária bexiga.

No lavatório ao urinar, cometi como muitos, uma leve flatulência, que para meu espanto deixava qualquer carcaça de urubu podre no chinelo! Pensei, vou dar um tempinho e retornarei como bom piloto em situação de risco ao local de origem: a poltrona. Só que os átomos de minha flatulência estavam extremamente carregados desta substância química fétida e que não tinham para onde ir. Depois de alguns minutos, a minha demora já estava ficando estranha, então em uma manobra rápida de atacante, sai rapidamente e fechei a porta e voltei ao meu local. Segundos depois ouvi palavras desesperadas em espanhol no fundo do avião: que passa!, puta madre!, santo Dios! Era um bando de chilenos desesperados, se abanando, gritando com os olhos em lágrimas e revoltados com o cheiro de esgoto que rapidamente se alastrava pelo pequeno avião, chegou até nós e teve um impacto assustador principalmente no médico, que chegou a agachar, mais a frente penetrou nas narinas da aeromoça, que como um bombeiro apagando o fogo, pegou um frasco de “odorizador de ambientes” e saiu desesperada ejetando todo seu conteúdo pelo avião, eu só pensava o que deve se pensar nessa ocasiões: “Eu não sou daqui mesmo”. A competição foi grande e prolongada, mas o cheiro doce venceu a batalha. A aeromoça de volta ao seu lugar ficou me olhando de cara feia a viajem inteira. Olhei para ela, pensei... e não tive dúvidas, com muita educação e respeito pedi outra cerveja!


Gilberto Granato.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

A minha empregada


“Quando eu dei por mim – eu já não tinha quase nada – daquilo que eu sentia – pela minha empregada – tanto faz – se ela for pro interior – eu vou atrás – sempre atrás de seu calor” (Frank Jorge)

Sou daqueles que concorda com a palavra “empregada doméstica” e assim não precisamos de hipocrisia em dizer “minha secretária do lar”, afinal de contas trabalham muito, são bem remuneradas e no mundo atual não existe mais pelego. Além disto, convivem em ambientes familiares e não em escritórios hostis, empresas robotizadas, plantações sob o sol e pelotões de fronteira. As empregadas fazem parte de nossos dias e algumas (hoje raras) fazendo parte de famílias e gerações.

Minhas lembranças domésticas começam com uma loira chamada Janice, não tenho nenhum episódio em particular, mas lembro-me que todos achavam que era seu filho, pois ainda pequeno, meus cabelos também eram louros. Acho que se casou e mudou de lado, virou dona de casa.... Teve a Rita. Esta não teve um final feliz. Em um dia de semana pela manhã ao desviar das antigas e imensas lixeiras que tomavam conta das ruas de Jardim da Penha, foi atropelada e teve a vida interrompida. A música “Homem primata” era o hit da época e me marcou: “você vai morrer e não vai pro céu é bom aprender a vida é cruel” a vida foi cruel, mas tomara que ela tenha ido pro céu... Teve a Dona Nair e seus pouco mais de cem quilos o que a fazia suar incessantemente durante o trabalho, mas nada fazia mais transpirar uma doméstica do que eu mesmo e minha anarquia infanto-juvenil (peço desculpa a todas foi sem querer!) ela provavelmente abandonou o trabalho dignamente, por não me agüentar e consequentemente a saúde também não, foi uma despedida emocionante... Teve a Ruth. Esta poderia ter tido um final digno das grandes aliadas, mas acomodou-se e a maresia da barra do jucu, mas precisamente da terra vermelha, local onde foi uma das primeiras moradoras, enferrujou seus ossos e a fez quebrar por inteiro.
Começou a trabalhar para minha mãe, desde os tempos árduos em que minha mãe superava a eloqüência dos clientes do banco, até que um certo dia começou a ser surpreendida. Em uma bela tarde, o jovem “juvenil xiita”, sai de casa para ir a rua andar de skate, voltei não sei por que e ao chegar ao meu quarto, a surpresa, lá estava uma mulher de calcinha surrada e peitos desnudos dormindo de brusso em cima da minha cama (não se preocupem ela não fazia o tipo da maioria lúcida dos homens juvenis de esquerda) e isto só foi o prelúdio do que viria que deixarei para as linhas finais...

Na fase faculdade, teve a Aninha, cardiopata, mãe de um traficante (morto), um soltador de pipa e um quase trabalhador. O marido só tinha voz grossa e papo 171. Por quinze anos cuidou dos estudantes de odontologia da república Toca do passarinho em Campos – Rio. Dedicou-se e usou de toda sua experiência para alimentar bem a todos que por ali passaram. Levou a família nas costas e desviou de várias “balas perdidas” para seguir em frente.... já na fase adulta; Teve a índia Baniwa Dalila, que gostava de levar para sua casa os mantimentos do mês da nossa e na única vez, que a deixamos sozinha para viajar, queimou a televisão.... A manauara Olívia não falava nada, mas sorria.... Na fase atual temos a esforçada Ciane, Jociana, Ciana, Joci...qualquer uma das alternativas ela responde (que no momento está fritando batata palha e varrendo a casa ao mesmo tempo), tem um pouco de dificuldade em se comunicar e em colocar as coisas no lugar certo. Tudo o que você perguntá-la, responderá exclamando: Nó! Ciane choveu pouco né? Nó! Seu maior desafio são com as patologias (a maioria psicossomática), principalmente as que a acometem na segunda-feira de manhã....

Os anos se passaram e Ruth manteve-se ao lado de Dona Dedé (apelido da minha querida genitora) até que por motivos de saúde de minha avó (Alzhaimer – antiga caduquice, mudou o nome, mas não encontraram a cura) foi a Minas, já livre de suas tarefas (melhor que aposentada) para ajudar a cuidar de nossa velinha guerreira. Ruth passou a tomar conta do lar em vitória, onde esporadicamente eu ia visitar. Até que, por duas vezes, cheguei sem avisar e encontrei o lar em condições inexplicáveis e tive certeza que se tratava de uma adepta dos poemas naturalistas de Castro Alves.

Só me restou desta história dar o pior e mais temido fim, que uma empregada pode merecer: A demissão!

Moral da história : “Antes tarde do que nunca” ou “contra fatos não há argumentos” ou “Não há mal que sempre dure, nem bem que sempre perdure”...

“Deixa essa vergonha de lado – pois nada disso tem valor – por você ser uma simples empregada – não vai modificar o meu amor” (Odair José)


Gilberto Granato

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

E o frio se foi...


Se fizermos uma pesquisa entre os brasileiros sobre qual estação do ano é a preferida, não será difícil de termos como campeã e talvez com uma boa margem de vantagem o verão. Claro, País tropical, abençoado por Deus, diz uns de nossos hinos... Mas desculpem-me os gripados e os tropicalistas confesso que depois de trinta e dois anos, comecei a ter uma grande recaída e um imenso prazer de viver o inverno.

Ainda haverá locais que ele permanecerá, mas na cidade que moro, está localizada um pouco acima de cem metros do nível do mar e sua intensidade já começa a perder força, portanto fico saudoso buscando informações climáticas das pessoas que vem de locais mais altos ou nos telejornais, como se buscasse um objeto perdido.

É nesta ocasião do ano que nossos corpos são tomados por uma vasoconstrição, que afeta diretamente o nosso dia a dia e o nosso humor. É o tempo de reunir a família e os amigos para uma confraternização e o motivo pode ser por exemplo: o dia da árvore, dia da caridade ou o dia de combate a hipertensão arterial. Não importa, o clima ameno é um bom motivo para um bate papo movido a uma bela macarronada, uma polenta com queijo na panela de barro, um fondue com vinho tinto, uma feijoada com caipirinha e samba é claro! E doces, afinal é época de morangos, que são cosmopolitas e fazem qualquer parceria ficar gostosa.

No tempo frio a nossa corrosão é menor, você chega à sexta-feira e seu corpo não sentiu tanto o desgaste do trabalho, você economizou água de seu organismo na transpiração e acabou contribuindo com a natureza. Deu mais bom dias, fez menos caretas, trocou menos de roupa (alguns tomaram menos banho), dormiu melhor, viajou com a família procurando mais frio, leu mais, reclamou menos, se você é solteiro arranjou um par e se é casado muxoxou mais com a esposa, já observou que no frio ela não reclama tanto dos chinelos fora do lugar! O professor falou mais baixo com seus alunos e vice e versa, a rua ficou mais calma no sábado de manhã, os metrosexuais e as mulheres adquiriram mais peças da coleção inverno e as abelhas tiveram menos trabalho em buscar o néctar das flores, pois também é uma época florida, que digam os ipês, que guardam suas flores para esta estação.

Agora com a chegada do intempestivo calor, só nos resta transpirar um pouco mais, acordar mais vezes durante a noite, usar menos roupa e reclamar em qualquer balcão de padaria do calor, mas daqui um pouco esqueceremos o frio e começaremos a pensar nos benefícios da estação quente. Nós fomos feitos assim, graças a Deus: eternos insatisfeitos super adaptáveis. Que digam os velhos índios e sua maneira adaptável de pressentir o frio:

Com a aproximação do inverno, os índios foram ao cacique perguntar:- Chefe, o inverno este ano será rigoroso ou ameno? O chefe, vivendo tempos modernos, não tinha aprendido como seus ancestrais os segredos da meteorologia. Mas Claro, não podia demonstrar insegurança ou dúvida. Por algum tempo olhou para o céu, estendeu as mãos para sentir os ventos e em tom sereno e firme disse:- Teremos um inverno muito forte... é bom ir colhendo muita lenha! Na semana seguinte, preocupado com o chute, foi ao telefone e ligou para o Serviço Nacional de Meteorologia e ouviu a resposta: -Sim, o inverno deste ano será muito frio!Sentindo-se mais seguro, dirigiu-se a seu povo novamente:- É melhor recolhermos muita lenha... Teremos um inverno rigoroso! Dois dias depois, ligou novamente para o Serviço Meteorológico e ouviu a confirmação:- Sim... Este ano o inverno será rigoroso! Voltou ao povo e disse:- Teremos um inverno muito rigoroso. Recolham todo pedaço de lenha que encontrarem, teremos que aproveitar até os gravetos. Uma semana depois, ainda não satisfeito, ligou para o Serviço Meteorológico outra vez:- Vocês têm certeza de que teremos um inverno tão rigoroso assim?- Sim, responde o meteorologista de plantão. Este ano teremos um frio muito intenso.- Como vocês têm tanta certeza assim?- É que este ano os índios estão recolhendo lenha pra cacete...


Gilberto Granato

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

O eletricista


A história da eletricidade começa há dois mil e quinhentos anos atrás, perto da costa ocidental da Terra que hoje conhecemos como Turquia. É um fenômeno natural. Resulta da existência de cargas elétricas nos átomos que constituem a matéria. Mas e daí? Nunca gostei muito de física ou qualquer ciência que envolva números. Só sei que um eletricista, que segundo o dicionário é a pessoa que trabalha com instalações elétricas, me fez ranger os dentes durante esta tarde e ter dor de cabeça do lado direito da fronte.

Estava tudo indo bem. A empregada já havia deixado a casa limpinha. O crepúsculo se aproximava e eu como grande esportista que sou já começava a procurar o meião e a chuteira, para mais um clássico de fim de tarde na charmosa cidade Castelo. Quando me toca o interfone da casa, por sinal, cuidado com as palavras terminadas em “one”, são poucas, porém de alto impacto... Era o eletricista! Ele enrolou por vários dias, várias horas, mas foi pontual ao chegar na hora em que eu sairia. Falar para vir outra hora? Nem pensar, poderia demorar muito e deixar a dona da casa furiosa! Restou-me respirar fundo e trabalhar a cabeça para as próximas horas...

O motivo desta visita são alguns incrementos no quarto de Otto, que continua revolucionado nossas vidas e está com seus quinhentos e quarenta e oito gramas e agora mudou sua posição para pélvica, para chutar em outro canto inexplorado a barriga da Mãe.

O eletricista em Castelo pertence a mais alta classe social da cidade, junto com os políticos, juízes e padres. É difícil conseguir um, não lhe falta serviço e você ainda tem que tratá-lo bem, sob o risco de não ser atendido em uma futura pane! Ele já chega como um bom detetive interrogador:
-E aí vamos lá?
-Vamos...
-Você tem o interruptor duas sessões three way?
-What?
-Vou colocar os spot ligados separados do interruptor ou juntos?
-Faça o que achar melhor doutor!

Logo, logo, como é comum das celebridades, seu telefone (olha o sufixo) começa a tocar direto (o que retarda em muitos minutos o fim da arruaça), são outros clientes, combinações para o fim de semana (creio que era seu aniversário), mulher, só faltou os filhos, que não ligaram por que não tem (acho que a eletricidade faz mal aos bagos). Junto com o “senhor da luz” estava seu ajudante, um jovem (em castelo todos ajudantes são pegos para criar), que fazia o serviço braçal e entoava: O retorno é o preto? E o cacique respondia: não é a fase! E esse diálogo técnico permaneceu... Quando achei que a coisa iria acabar. O eletricista teve que levar seu assistente à escola! Putz... já era o futebol.... Voltou mais tarde, terminou a duas mãos o serviço, disse que comprou um terreno para descansar (realmente uma vida sob tensão e gerando tensão aos outros merece descanso) e foi embora, deixando um rastro de pegadas, pedaços de fios, parafusos, impressões digitais e poeira... muita poeira.

Restou-me de uma tarde sem futebol pegar fransiscanamente a vassoura e retirar os cacos elétricos deixados, fazer o jantar e marcar um golaço! Pelo menos com a dona da casa.

Gilberto Granato.