quinta-feira, 7 de agosto de 2008

A minha empregada


“Quando eu dei por mim – eu já não tinha quase nada – daquilo que eu sentia – pela minha empregada – tanto faz – se ela for pro interior – eu vou atrás – sempre atrás de seu calor” (Frank Jorge)

Sou daqueles que concorda com a palavra “empregada doméstica” e assim não precisamos de hipocrisia em dizer “minha secretária do lar”, afinal de contas trabalham muito, são bem remuneradas e no mundo atual não existe mais pelego. Além disto, convivem em ambientes familiares e não em escritórios hostis, empresas robotizadas, plantações sob o sol e pelotões de fronteira. As empregadas fazem parte de nossos dias e algumas (hoje raras) fazendo parte de famílias e gerações.

Minhas lembranças domésticas começam com uma loira chamada Janice, não tenho nenhum episódio em particular, mas lembro-me que todos achavam que era seu filho, pois ainda pequeno, meus cabelos também eram louros. Acho que se casou e mudou de lado, virou dona de casa.... Teve a Rita. Esta não teve um final feliz. Em um dia de semana pela manhã ao desviar das antigas e imensas lixeiras que tomavam conta das ruas de Jardim da Penha, foi atropelada e teve a vida interrompida. A música “Homem primata” era o hit da época e me marcou: “você vai morrer e não vai pro céu é bom aprender a vida é cruel” a vida foi cruel, mas tomara que ela tenha ido pro céu... Teve a Dona Nair e seus pouco mais de cem quilos o que a fazia suar incessantemente durante o trabalho, mas nada fazia mais transpirar uma doméstica do que eu mesmo e minha anarquia infanto-juvenil (peço desculpa a todas foi sem querer!) ela provavelmente abandonou o trabalho dignamente, por não me agüentar e consequentemente a saúde também não, foi uma despedida emocionante... Teve a Ruth. Esta poderia ter tido um final digno das grandes aliadas, mas acomodou-se e a maresia da barra do jucu, mas precisamente da terra vermelha, local onde foi uma das primeiras moradoras, enferrujou seus ossos e a fez quebrar por inteiro.
Começou a trabalhar para minha mãe, desde os tempos árduos em que minha mãe superava a eloqüência dos clientes do banco, até que um certo dia começou a ser surpreendida. Em uma bela tarde, o jovem “juvenil xiita”, sai de casa para ir a rua andar de skate, voltei não sei por que e ao chegar ao meu quarto, a surpresa, lá estava uma mulher de calcinha surrada e peitos desnudos dormindo de brusso em cima da minha cama (não se preocupem ela não fazia o tipo da maioria lúcida dos homens juvenis de esquerda) e isto só foi o prelúdio do que viria que deixarei para as linhas finais...

Na fase faculdade, teve a Aninha, cardiopata, mãe de um traficante (morto), um soltador de pipa e um quase trabalhador. O marido só tinha voz grossa e papo 171. Por quinze anos cuidou dos estudantes de odontologia da república Toca do passarinho em Campos – Rio. Dedicou-se e usou de toda sua experiência para alimentar bem a todos que por ali passaram. Levou a família nas costas e desviou de várias “balas perdidas” para seguir em frente.... já na fase adulta; Teve a índia Baniwa Dalila, que gostava de levar para sua casa os mantimentos do mês da nossa e na única vez, que a deixamos sozinha para viajar, queimou a televisão.... A manauara Olívia não falava nada, mas sorria.... Na fase atual temos a esforçada Ciane, Jociana, Ciana, Joci...qualquer uma das alternativas ela responde (que no momento está fritando batata palha e varrendo a casa ao mesmo tempo), tem um pouco de dificuldade em se comunicar e em colocar as coisas no lugar certo. Tudo o que você perguntá-la, responderá exclamando: Nó! Ciane choveu pouco né? Nó! Seu maior desafio são com as patologias (a maioria psicossomática), principalmente as que a acometem na segunda-feira de manhã....

Os anos se passaram e Ruth manteve-se ao lado de Dona Dedé (apelido da minha querida genitora) até que por motivos de saúde de minha avó (Alzhaimer – antiga caduquice, mudou o nome, mas não encontraram a cura) foi a Minas, já livre de suas tarefas (melhor que aposentada) para ajudar a cuidar de nossa velinha guerreira. Ruth passou a tomar conta do lar em vitória, onde esporadicamente eu ia visitar. Até que, por duas vezes, cheguei sem avisar e encontrei o lar em condições inexplicáveis e tive certeza que se tratava de uma adepta dos poemas naturalistas de Castro Alves.

Só me restou desta história dar o pior e mais temido fim, que uma empregada pode merecer: A demissão!

Moral da história : “Antes tarde do que nunca” ou “contra fatos não há argumentos” ou “Não há mal que sempre dure, nem bem que sempre perdure”...

“Deixa essa vergonha de lado – pois nada disso tem valor – por você ser uma simples empregada – não vai modificar o meu amor” (Odair José)


Gilberto Granato

Um comentário:

Unknown disse...

Todas as pessoas de bem, empregados domésticos (pois temos os dois sexos novamente no cargo, como no início dos tempos) ou não deveriam ler esse texto, muito bom!!!!!!!!!