terça-feira, 4 de novembro de 2008

Na hora marcada

Xavier e Silvia, não se conheciam, nunca se viram, não cogitavam a hipótese de algum dia serem apresentados a pessoas com tais nomes, mas se esbarraram e suas vidas nunca mais foram as mesmas...

Já era fim de expediente e o advogado Xavier acabara de atender sua última cliente, que enfrentava problemas com inquilinos desordeiros. No seu relógio, comprado na praia de piúma no último verão, já marcava dezoito e dez, hora do habitual happy hour de quinta com os amigos em um tradicional boteco da cidade. Local onde morigeravam os casos da sociedade, discutiam a política e exorcizavam seu problemas. Lá pelas oito da noite, Xavier como de costume, se retirava e ia para casa encontrar sua esposa e seus dois filhos um de cinco e uma de três anos. Já era casado há 15 anos e levava uma vida honesta, simples e confortável, mas a partir do fim de tarde daquele dia o ventos mudaram de rumo e a o seu platô de prumo.

As 18:13 daquele dia tocou a campainha do escritório uma mulher de altura mediana cabelos loiros lisos, olhos castanhos, corpo tonificado, pele bem cuidada, dentes claros, tênis nos pés e uma pinta em cima do lábio esquerdo, não dessas cabeludas, uma simples pinta, parecida com estas feitas com lápis, trajava roupa de ginástica. E ao abrir da porta, ofegante e transpirando falou:

- Dr Xavier?
- Pois não?
- Me desculpe chegar a esta hora, mas é que no meio da minha corrida lembrei que tinha uma consulta marcada com o senhor.
- Qual é o seu nome?
- Silvia, Silvia Lunes.
- Me desculpe, mas a consulta era as 16:00 horas e no momento a secretária já foi embora.
- Me desculpe eu, (nesta hora começou a amarrar o cabelo) mas é que meu dia foi um sufoco e só pude vir agora antes da aeróbica.
- Mas não era corrida?
- corrida para a aeróbica. Será que o senhor poderia pelo menos me ouvir?
- Tudo bem, mas eu tenho um compromisso para agora.
- Não vou me alongar, apenas me ouça (e pegou de leve na sua mão).

Silvia contou que estava vivendo um problema judicial de herança na família, herança de seu avô, um grande e tradicional advogado da região, falecido a pouco. Depois de 20 minutos de conversa, Xavier aceitou a causa, marcou a consulta para a próxima semana e agora já sua cliente foi em direção à saída, mas antes ao passar na frente do espelho da recepção, não se conteve e olhou para o seu físico e perguntou para Xavier:

- você se exercita?
- Não, porque?
- Pois deveria, Faz bem para os membros...

Xavier apenas sorriu meio sem graça e correu para o bar, contou o episódio para os amigos, ouviu as inevitáveis piadinhas e depois de uns chopes foi para casa e seguiu sua rotina patriarcal, beijou a esposa, brincou com os filhos e o cachorro, tomou seu banho quente e dormiu sem ao menos ligar algum aparelho eletrônico.

Uma semana se passou. E no dia da confraternização dos amigos ao se despedir de seu último cliente que estava deprimido em processo de separação, quem chega? Silvia, de roupa de ginástica branca, batom vermelho e um perfume para mexer com o olfato de qualquer mamífero. Chegou com lágrimas nos olhos e já contando todos os problemas familiares ao redor da herança. Xavier apenas ouviu atento, sentado na sala de recepção mesmo. Já pela metade da conversa, ela se aproximou e sentou ao seu lado. As pernas do joelho para baixo de ambos ficaram encostadas e Xavier começou a sentir as coisas diferentes do normal, a chamou para dentro do consultório e conversaram por 40 minutos, depois disto nova consulta marcada e ela novamente ao sair, olhou para o espelho, virou de costas e olhou para toda parte posterior de seu corpo, como se quisesse investigar até o calcanhar, Xavier não conseguiu desviar o olhar e admirou toda aquela encenação pelo próprio espelho. No momento pensou que a melhor coisa que tinha feito em sua vida, era ter colocado aquele espelho na sala de espera.

Na semana seguinte foi a mesma coisa. Silvia desfilando seus trajes de ginástica e Xavier faltando as “horas felizes” com os amigos e chegando em casa cada vez mais inspirado, olhava fotos antigas, jogava vídeo game com os filhos, comprou um canil novo e mais confortável para o cachorro. E falou com a esposa que iria começar a correr na próxima semana, se não chovesse.

A coisa foi aumentando de proporção. E em mais uma semana, já prevendo a sua falta a reunião no bar, contando as horas no relógio ansiosamente, dispensando a secretária neste dia sempre meia hora mais cedo, alegando bons serviços prestados e com a barba e a colônia pós barba em dia, ela chegou, desta vez toda de vermelho, uma roupa curta, curta não, curtíssima, que ele jura ainda ter visto uma espécie de cinta liga na parte posterior da coxa, seus cabelos estavam molhados e o cheiro do perfume nunca tinha sido tão forte. Ele abriu a porta e ela o pegou pela nuca e apenas falou sussurrando no seu ouvido: Na próxima semana serei toda sua!!! E foi embora sem dizer mais nada, como alguém que fala alguma coisa e fica envergonhada logo depois.

Xavier foi embora alucinado, em clima de final de campeonato, eufórico, acalorado,
Bem disposto, a partir dali deixou de contar os minutos para contar os segundos para o próximo encontro, o maior encontro, a grande celebração, o Dia D. Não dormia direito, sua esposa fazia chá de camomila, mas nada tirava da sua cabeça a próxima semana, começou a correr todo dia, pela primeira vez na sua vida fez as unhas em um salão e abriu aquele saco de cuecas coloridas novas que tinha ganho de sua sogra no natal passado.

No tão esperado dia. Atendeu seus clientes com entusiasmo, nunca brincou tanto com a secretária, foi mais de dez vezes ao banheiro. Os amigos de bar? Nem ligava mais para eles e a recíproca também era verdadeira. Ele só tinha um objetivo em sua vida: Que o relógio passasse das dezoito horas.

Foi quando deu 18:15 e a campainha tocou. Ele saiu com pressa, quase derrubou o vaso de cerâmica chinesa que ficava no corredor e viu que de roupa amarela e azul na porta, era o carteiro fazendo entregas atrasadas do sedex depois da hora, pegou a encomenda nem abriu, sentou no sofá da recepção... deu 18:30,19:00,19:47, pensou: “vou esperar até 20:30” e nada, nunca mais Silvia apareceu, nunca mais foi vista, nunca mais conheceu alguém chamada Silvia, nunca mais olhou para o espelho novamente.

Neste dia Xavier foi para casa, beijou a esposa, brincou com os filhos, colocou a sua cabeça embaixo do chuveiro quente e deu berros de felicidade, gritos lenitivos e suspiros de conforto. Pois Nunca em toda sua vida tinha se sentido tão aliviado!



Gilberto Granato
(Homenagem a Nelson Rodrigues)

Nenhum comentário: