terça-feira, 25 de novembro de 2008

A carta

Chegou uma carta na minha casa.

Fiquei desconfiado de início. Hoje ninguém manda mais carta. A não ser os cobradores de água, luz e os bajuladores sazonais (conselhos profissionais, políticos em véspera de eleição, lojas...) Então pensei: “O que tenho a temer?”. Abri o envelope cheio de coragem. De cor rústica e aparência antiga, sem selos (adoro os selos) sem endereço e remetente, não aparentava ser nenhum trote. Provavelmente quem pôs, fez isto pessoalmente, ou mandou um pombo correio aposentado.

Abri a carta e a passo para vocês na integra a missiva contida nela meus preocupados e interessados leitores:



Estimado Gil,

Este fim de semana foi muito difícil e ao mesmo tempo prazeroso para mim. Ao assistir uma matéria na TV aberta no domingo de manhã, lembrei-me inspiradamente, instintivamente e instantaneamente de você meu querido amigo. (Desculpe-me a insistência nos “ins”, mas foi o que jaziu ao meu limitado linguajar agora).

Do tempo em que andávamos juntos e nós dois éramos praticamente um só corpo, inseparáveis, indissociáveis, insolúveis (lá vem meu linguajar necessitado novamente), praticamente irmãos, irmãos de vida. Lembro dos seus cabelos ainda meio loiros, sua aparência jovem sem espinhas, das suas bermudas de tactel, das camisas regatas, dos chinelos alcochoados, do RG novinho em folha, dos poucos pêlos, das partidas de vôlei improvisadas nos postes da rua que hoje praticamente seriam impossíveis, lembra “a rua”? Era assim que chamávamos o nosso local de estripulias juvenis. Das peladas de travinha, das partidas de beti (taco), dos campeonatos de futebol de botão, da coleção de bolinhas de gude, de selos, basquete de rua, polícia e ladrão, surf na praia no segundo píer em época de ressaca e depois subir nos pés de cocos para matar a sede, de ficar olhando as mulheres nuas nos altos dos edifícios, os primeiros porres, as primeiras namoradas, o seu primeiro beijo, lembra? Todos ficaram a assistir lá na esquina daquela casa que tinha um gasto fila brasileiro bravo. E as festinhas americanas? Embaladas a passos ensaiados e a tênis de cano alto. Das Mães denodadas dizendo que já era tarde e que era hora de ir dormir. Dos portões dos prédios abertos, não tinha muito problema, agente até brincava nos matagais e como tinha matagal, não faltavam mamonas para as estilingadas noturnas nos transeuntes desavisados, tudo isto embalado pelos primeiros discos rock pesado de primeira, lembra?

Mas bom mesmo era quando saíamos juntos a rodar pela cidade. Onde tinha asfalto é claro, lá estávamos nós! Juntos com o restante da turma, não tínhamos limites, que fôlego, cruzávamos bairros, municípios, fronteiras... Aonde as ruas e praças perpetravam curvas inspiradas em Niemeyer, era prato cheio. Pura emoção! Uma nova construção era sempre bem vinda, pois trazia matéria prima gratuita para nossos projetos arquitetônicos, que envolviam a todos da rua. Até os mais velhos, ficavam a dar palpites e a ajudar nos cálculos. Serrote, pregos e fita métrica e dias depois a nossa “obra” estava pronta para a deliciarmos, para ficarmos mais pertos do céu, transpormos os nossos limites, nossas energias e aumentarmos os números de cicatrizes e hematomas pelo corpo. As meninas ficavam a olhar e a fazer comentários nos ouvidos das outras. Quando o que fazíamos era bonito, todos gritavam: YEAH! Coisa de americano eu sei, mas foram eles que inventaram não é? Sei que você ainda tem fotos desta época e as guarda com carinho. Soube até que já “velho” ainda cogitou utilizá-lo como forma de transporte nas ruas onduladas, abafadas e úmidas, porém asfaltadas da floresta. Éh... Este espírito repleto de adjetivos e que não volta mais. Foi o que sempre nos regiu meu caro amigo.

E hoje na Tv ao ver esta tal da “Megarampa” que inventaram não tive como não lembrar de você. Fiquei meganostalgiado!

Um grande abraço.

Do eterno amigo que nunca te esqueceu.

Subscrevo-me

Seu skate de rodinhas ‘moska” rosas, rolamentos NSK, truck simis e shape Lifestyle “Beto or die” do final da década de oitenta.



Gilberto Granato

Um comentário:

Unknown disse...

Brincadeira, einh Gil!! Este final foi ótimo. No mínimo, aí no morro da formiga devem crescer cogumelos semelhantes aqueles encontrados nas pastagens do Sana, com sainha e tudo.. Foi brigamelo, miojomelo, omeletemelo ou o que?
É bom lembrar desta época não?!!!