quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Na cadeira do barbeiro


Hoje foi dia de ir ao barbeiro, mas nem sempre foi assim. Estava a andar de moto, olhei para a barbearia com a cadeira vazia e pensei: É agora! O barbeiro (que não é o do trânsito e nem o que causa a doença de chagas) Estava a conversar com outro cliente que rapidamente notando um novo freguês seguiu seu rumo. Colocou-me o avental: Está apertado? E preparou as tesouras e o diálogo...

Cortar o cabelo para um homem normal é um momento do acaso, geralmente a esposa, a namorada, a mãe, o amigo, o estranho na fila do supermercado é que deixam o lembrete: Seu cabelo está grande, hein? Pronto está na hora de cortar o cabelo. Quem corta o cabelo regularmente e ainda reclama dos milímetros que ficam tortos, são os solteiros, os velhos desocupados e os metrossexuais. Esta última categoria, por sinal, anda em crescimento acelerado, principalmente nas grandes cidades.

Todo metrossexual acredita em horóscopo, portanto para cortar o cabelo segue o calendário lunar e mensalmente apara as pontas, viu só? Eles tratam os cabelos como plantas! Baseiam-se na crendice dos salões, mas na verdade seguem a mitologia dos agricultores, estes sim verdadeiros homens, que só cortam os cabelos, quando as esposas ameaçam se separar ou quando as filhas resolvem arrumar um namorado.

Na infância (lá vai eu denovo, parece que estou no divã!) não ia ao barbeiro ia ao cabeleireiro (coisa de mãe) que é totalmente diferente. O assunto no salão não é futebol, mas sim as fofocas da vizinhança. Não se fala em política, mas sim no cotidiano das celebridades. Não se fala dos problemas da cidade, mas sim dos problemas do corpo humano. Ia com a cara fechada, para evitar qualquer possibilidade de conversa mais íntima com ele ou ela, como preferir. Ficava a lançar suas tesouradas e a esbarrar o seu corpo nos meus cotovelos, o que me fazia cruzar os braços e a dizer: tá bom... tá bom...já acabou? Mas o prelúdio de um corte de cabelo no salão de beleza, este sim, confesso, sinto falta, que era lavar a cabeça naquela cadeira acolchoada e reclinada, onde se passava primeiro o xampu e depois o condicionador, sob uma água quente. Eu torcia para que passasse o xampu duas vezes para que o ato demorasse o máximo possível, como era bom, qualquer hora vou a um salão novamente, sem cruzar os braços, pagar, só para fazer isto.

Mas os cabelos não param de crescer (dizem os estudiosos no assunto que cresce meio milímetro por dia) portanto passei por várias mãos (sem duplo sentido por favor). Na época de floresta, cortava de vez em quando, assim como a barba. Sempre que ia ao rio Aiari (afluente do rio Içana este por sinal afluente do rio negro) mantinha a “aparência” com um velho de uma aldeia chamada Uapuí Cachoeira, local de parada obrigatória, onde a equipe de saúde "respirava fundo" para transpor uma cachoeira. Fiz amizade com esse velho e observei que ele cortava o cabelo das outras pessoas de sua comunidade com uma tesoura velha remanescente talvez dos portugueses ou jesuítas. A partir daí, toda vez que por lá passava, cortava as madeixas queimadas de sol que ficavam condondidas pela tesoura cega e em troca ofertava dois pacotes de tabaco ao velho índio, que ficava a fumar todo satisfeito no entardecer.

Sentado no colega barbeiro (que tem este nome desde a idade média onde também fazia algumas amputações, sangrias...) conversamos sobre o papel do vereador, do uso maléfico ou não do malatol (inseticida) na comida, do prêmio acumulado da mega sena, do tempo (não podia faltar), me relatou a sua queimação na costela que só foi diagnosticada através de uma tomografia, falamos de corrupção e do futuro do país (com mais um cidadão nada esperançoso que sentou na entrada) e só fomos interrompidos por um bêbado que queria cortar o cabelo, que ouviu em resposta em bom som: Não corto o cabelo de gente que toma bebida! Atitude certa, coerente, profissional, honesta, firme, se não como é que o bêbado vai reclamar dos caminhos de rato depois? Já todo embriagado sem saber o que é certo e o que é errado?

Paguei. No barbeiro é sempre mais barato, se for com máquina então, mais ainda. Creio que desde a implantação do plano real em 1994 e pelo rumo da inflação só vai chegar na casa decimal lá pra 2038.

Me despedi, falei que uma hora dessas crio coragem para fazer a barba e combinamos de tomar uma cerveja e comer um churrasquinho na esquina qualquer dia destes. Na volta, fui à casa de minha sogra, ela olhou para mim, para a minha cabeça e com todo o detalhismo e minúncia de uma mulher experiente disse: Ué, você não ia cortar o cabelo?



Gilberto Granato.

3 comentários:

Anônimo disse...

É Gil,queria,mas não tenho mais muito assunto de cabelo para comentar....
hehehehehe,
hoje em dia só a maquininha baratinha no barbeiro vizinho do consultório,e ta muito bom...

abraço,Digão.

Anônimo disse...

Corto meu cabelo num salão, mas o assunto é interessante: futebol, viagens, o tempo (não pode faltar), enfim, o Nelinho (meu cabeleireiro há anos), não é fofoqueiro.

Abraços,

João Guilherme.

Unknown disse...

Grande Gil,
Apesar de parecer um neandertal quando estou na aldeia, quando vou para Vix corto o cabelo em um salão de duas bichonas gente boa que fica em cima da minha loja. O salão é de madame e o assunto é moda, mulheres em ataque de nervos e muito mais do mundo GLS. Como sei que vc é um cara que adora fazer uma viagem a um mundo cultural que não seja o seu recomendo que corte um dia em um salão deste tipo. Tenho certeza que poderá colher muito material para mais de suas ótimas crônicas. E sem contar que quem lava meu cabelo é uma morena de parar o trânsito; mas às vezes é a bichona mesmo, rsrsrs!!!!