segunda-feira, 9 de março de 2009

Big Fish

Juliano e Paula. Há muito tempo planejavam esta viagem. Já não aguentavam (sem trema) mais o caos metropolitano, os apitos dos guardas de trânsito e o neoliberalismo fútil moderno. Queriam tirar suas férias no interior. Ficar mais próximos da natureza, dormir melhor, comer a comidinha feita no fogão à lenha e tirar os cravos do nariz debaixo de uma jabuticabeira. E realmente foram. De avião, depois de carro, depois de charrete, levando consigo placidez, bonança, as reservas financeiras de um ano de trabalho árduo e é claro seu pequeno filho Biel.

Passado quinze dias no regime bucolista, sem ruídos, clima ameno. Estavam todos satisfeitos já com uma pontinha de responsabilidade querendo bater a consciência, até que no penúltimo dia da viagem, Juliano o patriarca programou uma ida a um tradicional pesque e pague destes de roça adentro. Era uma diversão e tanto que mantinha a linha de sossego planejada. Logo na entrada do local uma placa bem grande advertia em letras garrafais “Todo peixe pescado deverá ser retirado da lagoa pesado e pago” e ainda tinha um “a diretoria” no final. Afinal de contas era um pesque e pague não é? Isto já deveria estar subentendido, disse Juliano? Paula chegou a fazer um comentário sobre a placa com um casal que passava na hora, por achar que descaracterizava a paragem verde.

Lá brincaram com o casal de papagaios, tiraram fotos das orquídeas, andaram pela grama verde até a hora do almoço onde se fartaram. Juliano pai coruja já ia esboçando uma saída de volta a pousada, quando seu filho Biel lançou a frase; “Biel qué peca!” Juliano subitamente levantou, respirou fundo, pegou as varas de bambu e disse: “vamos meu filho, vamos pegar uns lambaris” Paula sorria, contente com a atividade pouco habitual da família.

Na beira do lago tava difícil da linha beliscar, até que Paula, veja só! Pegou o primeiro peixe uma alegria só, fotos ao lado do pequeno cará, que não passava de 10 centímetros. A partir daí só deu lambari, Juliano o mentor da família estava certo na sua profecia. É bem verdade que teve uma tilápia, mas ela mais esperta pulou de volta para a água, antes que Biel pulasse de contentamento. “La ciesta” começou a afligir a família e como já tinham enchido uma sacolinha destas de supermercado de alevinos, que mais tarde seriam fritos na pousada. Foi de comum acordo a vontade de partir. Juliano o pai exemplar apenas fitou: “deixa eu tentar pegar mais um só!”. A família concordou e foi neste sim para a natureza que a natureza se fez presente, ou melhor, onipotente. Repentinamente uma fisgada com força incomunal, atingiu o anzol de Juliano. Ele berrou, caiu na água, mas manteve firme as mãos na vara. Logo todos na lagoa correram para o local, uns torciam, outros estavam amedontrados, outros tentando ajudar e Juliano só dizia: “deixa comigo porra!” (o “porra” não era palavreado comum de Juliano). Trinta minutos se passaram. O dono do local tinha recebido um telefonema e já estava ao lado da vara intrigado. Foi quando exausto, mas ainda firme, um Tambaqui gigante emergiu do fundo, precisaram de cinco pessoas para carregá-lo até a balança, que honestamente marcou 45 quilos. Na mesma hora o dono do local começou a sorrir. Juliano também, virou celebridade, tirou fotos, deu autógrafo, marcou encontros, ganhou refrigerante grátis do dono (que só sorria) um alvoroço só. Mas que depressa os funcionários limparam o peixe e o cortaram em mega-postas que foram colocadas em dois isopores gigantes com o logotipo do pesque e pague.

Depois da euforia Juliano o grande pai pescador foi até o caixa cheio de orgulho para fechar sua conta e olhar a tabela de preços dos peixes e lá em último estava “tambaqui ou pacu vermelho raro – 35 reais o quilo” (o que daria 1.800 reais com os isopores). O grande pai começou a suar, a soluçar, a se avermelhar, berrava a toda hora “o quê? é um absurdo!”. Logo sua esposa ofegante e com o lápis do olho borrado pegou o celular, ligou para Mãe, amigos, procon, Mãe dina, peixarias da capital para saber do preço do quilo do peixe, ameaçou até chamar a polícia, mas de nada adiantava, seus destinos já estavam traçados, ou melhor, fisgados por aquela imensa boca brutamontica. Biel se divertia com as barbatanas no chão ainda sem entender de economia.

Depois de muita revolta e várias tentativas frustradas de vender o peixe para o dono (que sorria), fretaram um veículo para levar o exemplar para pousada, lá o dono cobrou uma pequena taxa extra para acomodar o alevinão. No retorno já no aeroporto pagaram os 50 quilos de excesso de bagagem [é tinha o gelo! (Paula queria doar o peixe, mas Juliano só de birra falou que comeria cada escama daquele animal vertebrado)] Mais frete para o apartamento, gorjeta para carregadores (O pai de Juliano comprou um freezer novo especialmente para a ocasião) e assim a família passou um bom tempo pagando o cartão de crédito e comendo peixe toda semana.

Nas próximas férias eles não vão mais viajar. Não largam a cidade grande por nada.

Juliano diz que o peixe é delicioso, mas sempre pede ovo frito, agora “porra” faz parte de seu vocabulário.

Paula diz que tem gosto de barro. Recentemente doou 10 quilos sem Juliano saber para a creche da rua.

Biel come e repete.


Fim.


Gilberto Granato

Um comentário:

Unknown disse...

Aprendi que em um pesque pague, ande com uma faca à mão e se por um acaso fisgares um grande, corte a linha imediatamente.
Voltei de área, agora para sempre, pelo menos no MT!!!