terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Conversa com Rubem Braga

Saudoso Rubem,

Ontem estive na “capital secreta do mundo”. Depois de 33 kilometros sem acostamentos, cheguei a Cachoeiro de Itapemirim e não tive como não lembrar de você, sim de você! Por que não? O Roberto Carlos também é cachoeirense eu sei, mas desde que cantou “meu pequeno cachoeiro” (Meu pequeno Cachoeiro, vivo só pensando em ti, ai que saudade dessas terras, entre as serras, doce Terra onde eu nasci.) Há muito tempo não o vejo produzir algo que emocione (não que eu me emocione!), apenas anda regravando suas canções, cantando com convidados pitorescos nos clichês de fim de ano na TV e censurando livros.

Também lembrei do Sergio Sampaio que é filho do Itapemirim. E colocou seu Bloco na rua, brincou e botou pra gemer até perecer na boêmia carioca, do Jece Valadão que é nascido em Campos, mas se criou no itapemirim, foi até protagonista de “Obsessão” filme de Janete Clair. Filmado em 1973 aqui na confinante Castelo, com aquele final “hollywoodiano” da ponte explodindo (de verdade) lá nas duas barras.

Mas lembrei de ti, por causa de suas belas, únicas e inspiradoras crônicas, que quando falavam da cidade retratavam um ambiente bucólico em meio à natureza, cheio de vida e alento, você mesmo disse: “Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem para não me deixar entrar, ele ficará indeciso quando eu lhe disser em voz baixa:” Eu sou lá de Cachoeiro...". Só que as coisas mudaram um pouco como você pode ver. Hoje dizer que é de Cachoeiro gera semblantes de aparo, pois o que se vê por lá são prelúdios de uma futura “Índia capixaba”, devido ao caos urbano e talvez São Pedro já esteja preocupado com a formação de mais um inferno, mas deixa eu explicar o que vi.

Logo na chegada o emblemático pico do Itabira de protagonista, virou coadjuvante de pedreiras, sim destas que vão corroendo as montanhas deixando aridez e desolação. Ao rodar pelas ruas, sim rodar, pois caminhar é impossível, não existem calçadas e as que foram feitas estão com placas, trincadas, desniveladas, esculachadas mesmo e quem anda nelas são os carros. Os pedestres se esbarram por onde tem espaço. Tem os de barriguilha aberta, os na contra mão, os pingando de suor, os do tipo tô nem aí foda-se e os do tipo eu, pobre coitado do interior de férias a procura de um ar condicionado em conta para livrar o meu filho do aquecimento global.

O tradicional Bairrismo Cachoeirense, só existe atualmente nos textos românticos de seus remanescentes cronistas, pois até quem nasceu lá anda meio desanimado. Veja só, fui saber que minha esposa é parida lá e morou por treze anos um dia desses! De bairrismo mesmo só restou a palavra parônima: barro. É, do rio itapemirim, da erosão de seus leitos, que corre até manchar a água do mar dos que estão de repouso na areia da praia, alguns talvez foragidos desta zorra cortês.

A biodiversidade literária sobrevive em uma ou duas livrarias e a boa música perdeu espaço para o pagode. È, está espécie invasora meio caramujo gigante africano, meio aedes Aegypti do Egito, este que por sinal anda se multiplicando e fazendo a festa, ou melhor, o pagode na cidade. E não faltam mercadores piratas nas calçadas disseminando seus filhotes a sete reais a dezena. Barato assim, todo mundo come.

Estes apontamentos crônicos sábio Rubem, não são para desmerecer cachoeiro, ou muito menos o seu querido povo (com eufemismo, por favor), pois como você mesmo disse um ano antes de ter que engabelar São Pedro: "A crônica é subliteratura que o cronista (desajustado emocional) usa para desabafar perante os leitores". Veja bem, eu sou pior ainda, pois nem sei se tenho leitores, mas você aí no céu pelo menos acredito eu, está vendo e talvez lendo tudo.

Portanto, para me redimir. Da próxima vez em que eu for lá, atrás de alguma coisa que não tenha aqui. Vou procurar algo gentil para falar, mas espero sinceramente que até lá já tenham inventado um óculos reformador de ambientes, ou quem sabe, inventado um Super-prefeito competente, para amenizar a situação.

Agora só mais uma coisa. Vê com São Pedro aí. Se realmente for difícil assim entrar no céu. E ser Cachoeirense facilita as coisas. Pergunta para ele se morar pertinho ajuda na hora do juízo final, tá?


Aguardo notícias
(mas sem me assustar de noite, por favor!)



Gilberto Granato

Um comentário:

Unknown disse...

Já sei, foi lá comprar sunga e não achou, daí teve que usar as velhas?!
O bucólico hoje é só no interior do interior.
Agora, leitor vc tem pelo menos um, eu!
Fui