quinta-feira, 15 de abril de 2010

O esquecimento

Saiu de manhã cedinho para o trabalho. Alcides era motoboy. Despediu-se da mãe que já cortava batatas e foi encarar as vielas e viadutos da cidade grande. Hoje diferentemente dos outros dias iria almoçar em casa. Isto porque, tinha uma moto veloz, a pujança de um garoto e a fome do seu prato favorito: Carne ensopada com batatas. Gostava mais das batatas do que a carne propriamente dita, mas não sabia explicar por que. Era o dia mais aguardado do mês, mais que o salário e a sexta-feira: O dia da Carne com batatas!

Alcides assim como todo Alcides tinha defeitos e qualidades. Deixemos os defeitos de lado, pois ninguém a não ser o psicanalista gosta de ouvir os defeitos dos outros. Mas exaltemos sua qualidade: A memória. E que memória. Conseguia lembrar desde os ínfimos brinquedos da infância, aos nomes de todas as ruas e praças da cidade. Não precisava de agenda, não fazia anotações, guardava tudo certinho em algum lugar da cabeça e era infalível. Nem um só lapso, esquecimento, um descuido sequer. Os seus amigos e familiares o chamavam de Mozine, não sabiam o por que, mas tinha herdado este apelido de uma tia distante, que o chamava assim devido a Mnemosine, Deusa da memória da mitologia grega. Todos eram unânimes em dizer que Alcides, ou melhor, Mozine era um cara Inesquecível, nos dois sentidos da palavra.

Voltava do trabalho para o almoço. Concentrado no trânsito e nas tarefas vespertinas, mas em sua mente já podia prever a quantidade de batatas que iriam compor o seu nada modesto prato de daqui um pouco. Ao parar em um maldito semáforo, distraiu-se com uma bela moça que conversava com uma mais velha na calçada. Era alta, tinha cabelos pretos longos, sua tia certamente a apelidaria de Afrodite, deusa da beleza. Mas ele não estava nem aí para os detalhes e para a Grécia, pois o que ficaria eternamente gravado na sua memória eram aqueles seios alegóricos. Um par perfeito! Um igualzinho ao outro, nem Michelangelo seria capaz de reproduzir tanta simetria. E estavam bem ali, a poucos metros, acalorados por debaixo de um colã cinza, que não disfarçava em nada tanta sinuosidade. Até que... Bumm! Sua moto acabara de colidir com o meio fio. Levantou-se rápido, não havia se machucado, era só religar a moto esquecer as batatas, ou melhor, se concentrar nas batatas, pois a moça assustada já se esvaia pela esquina. Plá, plá, plá!... Plá, plá, plá e nada. A moto não ligava mais. Uma equipe do trabalho iria buscá-lo, teria que se contentar com um fast food.

Pois pela primeira vez na vida Alcides havia se esquecido.

Esquecido da preferência nacional!



Gilberto Granato.

Um comentário:

Unknown disse...

É, a preferência nacional e internacional são perigosos mesmos!!! é colisão para tudo quanto é lado.