segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Rosbife

Enaldo era um grande peladeiro. Não na técnica, nem na altura. Grande, pois não lhe faltava vontade de ser o primeiro a chegar ao campo no fim de semana pela manhã, para aguardar o apito do robusto e sempre atrasado juiz. Pois para ele, peladeiro que se prezava nunca faltava a uma pelada, se não fosse por motivos muito fortes envolvendo parentes de primeiríssimo grau, ou patologias daquelas que precisam ir ao médico. Até em dias de chuva ele ia, só para ter certeza e ver com os próprios olhos, que o campo encharcado não possibilitaria uma partida. Nas sextas à noite, sempre que era convidado para algum evento que poderia se estender por demais, não se omitia em ser sincero e dizer: “não posso, amanhã tenho pelada”. A mulher já estava acostumada, e pensava que era melhor um marido peladeiro convicto, do que ficar como algumas amigas, que tinham seus esposos vivendo de bar em bar independente da chuva e da patologia.

Sempre que chegava, primeiro lia atentamente o caderno de esportes do jornal, depois fazia um breve alongamento, colocava a chuteira, dava umas duas voltas em ritmo lento em torno do campo, para imprimir ritmo ao coração e prontamente já se voluntariava para dividir os times. Mas neste dia algo diferente ocorreu. Ao dar a segunda volta no campo, sentiu uma forte dor na virilha e caiu no chão. Todos ao redor estranhando o ocorrido, correram até ele. E lá estava Enaldo caído, com os olhos fechados de dor, foi socorrido e levado até uma cadeira à sombra. Foi ai que começaram os palpites, pois peladeiro que é peladeiro, sempre tem um palpite infalível para as lesões do futebol:

- Coloca gelo!
- Gelo não, água quente e logo!
- Estica a perna e contrai!
- Pera aí, que eu tenho uma pomada tira e queda.
- Não precisa de química não, usa arnica do mato é infalível!

E sempre tem aqueles céticos: “não foi nada não, amanhã você já está melhor!”. Só que Enaldo sabia que não estaria, afinal de contas, nunca tinha sentido uma dor como aquela. Até que um senhor de cabelos brancos que observa aquilo tudo de longe, intrometeu-se e disse: “coloca um rosbife!”. Alguns acharam graça, mas Enaldo franziu as testa encucado e perguntou:

- Como assim?
- compra um pedaço grosso de rosbife e deixa agir no local, por no mínimo vinte e quatro horas.
- A carne pura?
- Sim.
- Mas de que carne?
- De lagarto, não serve contra-filet.
- O senhor já fez isto alguma vez?
- Eu faço isto há quarenta anos.

Enaldo com muita dificuldade dirigiu até o açougue, e do carro mesmo pediu dois pedaços por garantia, pois sua vontade de se recuperar logo para o próximo fim de semana, era maior que qualquer coisa. Chegou em casa, tomou um banho rápido e prontamente colocou aquele generoso e suculento pedaço de lagarto na virilha e foi para o sofá, onde lá ficou sem se mexer até o anoitecer. A esposa preocupada só sabia que ele havia se machucado e fazia todas suas vontades para não gerar atrito, já que o descontentamento do marido era visível. Na hora de dormir, em vez de tomar o banho, preferiu ficar com aquele tecido muscular animal no local, com medo de atrapalhar o efeito do tratamento, foi dormir. Acordou de manhã e abriu um sorriso, como se já esperasse uma melhora súbita. Levantou-se e foi até a cozinha para ver se a dor era a mesma, encontrou a aliança da esposa em cima do outro pedaço de lagarto na pia.

(a esposa foi vista pela última vez aos prantos, gripada em um bar em dia de chuva)


Gilberto Granato.

Um comentário:

Unknown disse...

É, realmente um bife na virilha é meio ambíguo. Ainda bem que não era linguiça e a contusão não foi nas nádegas.......
Futebol é um esporte muito perigoso......
cronicasdafloresta